Opinião

Liderança: Ninguém quer saber!

José Crespo de Carvalho, presidente do Iscte Executive Education

O tempo é o de falar muito, escrever muito e ensinar muito sobre o que é liderança: “Quinze passos para liderar”, “As competências críticas da liderança”, “Os oito segredos mais escondidos”. O problema? A vida não é um manual. Na realidade, ninguém quer saber de ti ao ponto de carregar o peso das tuas escolhas, dos teus fracassos ou das tuas ambições. Ponto.

Essa é a primeira grande lição de vida, antes mesmo de chegar à liderança: ninguém vai viver a tua vida por ti. Não é o teu chefe, não são os investidores, não são os colegas, não são os teus dependentes hierárquicos, não é a tua equipa. Esquece. Muitas vezes não são nem os teus amigos. Vão aplaudir-te, invejosos, quando ganhas, mas não vão lamentar nada quando perdes, nem vão carregar o teu fardo. Essa responsabilidade é tua.

À primeira vista, é duro. Na verdade, é libertador. Quando percebes que ninguém vai resgatar o teu projeto, ninguém vai garantir a tua promoção e ninguém vai fazer nada por ti, então começamos a construir a disciplina que falta, deixas de desperdiçar tempo a esperar reconhecimento e começas mesmo a agir. Às vezes pode é ser tarde demais para o que queres.

A responsabilidade não se delega

Um dos maiores erros na liderança é acreditares que alguém está atento ao detalhe do teu esforço. Há outliers, como em tudo. Mas a maioria não quer nem saber. Acreditar que alguém “vai perceber”, que o investidor “vai reconhecer”, que o chefe “vai notar”, que o liderado vai “agradecer” o que fizeste por ele? Não vai. Não vão. As pessoas estão demasiado ocupadas com as suas próprias batalhas e com as suas próprias vidas. O que contam são resultados, não intenções. O esforço invisível é exatamente isso: invisível.

Talento sem execução é apenas potencial. E o mercado não remunera potencial — remunera impacto. Queres remuneração? Vende. Queres reconhecimento? Faz o negócio crescer. Queres alguma “atenção”? Faz acontecer. Não te refugies no passado: fiz isto e aquilo e comigo aconteceu isto e aquilo. Pois sim. Julgas que alguém está interessado no teu passado? Talvez haja uma pessoa: tu.

Desculpas? Não contam

Ninguém quer saber das tuas desculpas. Não atingiste o que estava traçado pelo acionista? Paciência. As desculpas podem ser válidas, verdadeiras, mas não alteram nada. O investidor não recupera o dinheiro porque a conjuntura foi difícil. O cliente não volta porque “quase” fechaste o negócio. O colaborador não mantém o emprego porque a estratégia era “boa no papel”. Tu não conservas o lugar de CEO porque trabalhaste 15 horas por dia.

Em liderança, desculpas são queixas sofisticadas. E queixas não criam futuro.

Validação é desperdício

Um dos custos ocultos da liderança é a energia que gastamos à espera de validação. Por alguém superior. Por algum par. Por um colega. De um subordinado. Sei lá. Esperar que alguém nos diga que “estamos no caminho certo” é energia desviada daquilo que realmente importa: tomar decisões, executar, corrigir, avançar. Outro ponto.

A liderança começa quando deixamos de gastar horas a explicar o que falhou e passamos a investir energia em encontrar soluções. Bem dizia alguém: “Nobody cares, just run your company.”  Terceiro ponto final. Parágrafo.

Amor não é responsabilidade

Atenção: isto não significa que ninguém goste de ti. Significa, apenas, que amor não é sinónimo de responsabilidade. Os amigos podem desejar o teu sucesso, mas não vão viver a tua vida ou carreira. Os pais podem preocupar-se com a tua saúde, mas não podem evitar a tua doença. E, em todo o caso, os pais são quem mais sofre pelos filhos, já agora. A equipa pode torcer pelo líder, mas não pode liderar no teu lugar.

Perceber esta separação é fundamental. Só quando deixas de esperar que os outros carreguem o teu peso é que te tornas verdadeiramente líder.

A boa notícia

No fim do dia, a frase “ninguém quer saber” não é cinismo. É clarividência emocional. É saber que o jogo é teu, que as cartas estão na tua mão e que ninguém vai jogá-las por ti. E, se pensarmos bem, essa é a maior das liberdades: não precisamos esperar pela permissão de ninguém.

Liderança é isto: responsabilidade intransferível, foco nos resultados e coragem para avançar sem esperar que alguém se importe o suficiente para o fazer por ti. Ninguém quer saber. E é exatamente por isso que a liderança importa.

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José Crespo de Carvalho

José Crespo de Carvalho

Licenciado em Engenharia (Instituto Superior Técnico), MBA e PhD em Gestão (ISCTE-IUL), José Crespo de Carvalho tem formação em gestão, complementar, no INSEAD (França), no MIT (USA), na Stanford University (USA), na Cranfield University (UK), na RSM (HOL), na AIF (HOL) e no IE (SP). É professor catedrático do ISCTE-IUL, presidente da Comissão Executiva do ISCTE Executive Education e administrador da NEXPONOR. Foi diretor e administrador da formação de executivos da Nova SBE e professor catedrático da Nova SBE (Operations... Ler Mais..

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