Opinião
NEPAL 2025 – A descoberta do JOMO

A montanha, uma história de lições e conclusões, com princípio, mas ainda sem fim. Toda a vida lutamos para chegar a todo o lado, para combater em todas as frentes, para não deixar de fazer nada bem feito. Impomo-nos objetivos maiores do que os que parecem possíveis e desafiamo-nos a ir sempre mais além do que o sítio onde estamos.
Desistir não faz parte do nosso léxico de decisões, parar de tentar nunca é opção, levamos todas as lutas até à exaustão. E ficamos orgulhosos de sermos uns lutadores, de sermos fortes, de sermos capazes!
Mas será que tem de ser sempre assim?
As montanhas da minha vida ensinaram-me muitas coisas, uma de cada vez, de uma forma pausada como são os nossos passos nas subidas acima dos 3000 metros.
Lição 1 – Subida ao Kilimanjaro, 2022
A concretização de um sonho antigo, a descoberta da montanha e o vício das subidas, as amizades para a vida… e a lição de liderança dada pelo João Vieira de Almeida.
Lição 2 – Equador, 2023
Uma lição de modéstia – a subida ao Kili tinha sido uma brincadeira e por uma teimosa infecção respiratória fiquei limitada no que consegui fazer.
Lição 3 – Tubkal, 2024
Uma montanha dura, uma subida quase sem história, um grupo que se consolida, a aprendizagem de domínio da repulsa pelo feio e pelo sujo por forma a não deixar que estraguem o belo da montanha.
E agora, em 2025, Nepal
Um grupo vindo do Kilimanjaro, a que se juntam amigos de alguns, 15 pessoas que se propõem durante 10 dias sair de Kathmandu e ultrapassar o Kang La Pass, uma subida no meio de um Nepal quase sem turistas, longe de tudo. Liderados por quem não conhecia, mas de quem tinha ótimas referências.
Fui sem medo, determinada a andar o que fosse preciso, a subir o que me aparecesse pela frente, encantada com a perspetiva de mais uma montanha, e desta vez na Ásia!
Para quem nunca fez montanha, é preciso explicar que as condições em que ficamos depois das subidas não são as melhores, nunca comparáveis ao conforto a que estamos habituados – em tendas ou albergues/hotéis rudimentares, as casas de banho são básicas ou inexistentes, não há banho, a comida pouco variada e nem sempre saborosa, a limpeza deixa a desejar.
Porque vamos, então?
Porque o glorioso dos dias – o que vemos e sentimos quando subimos, o espírito de ajuda e amizade do grupo, as anedotas e as lágrimas … – mais do que compensam todos os incómodos!
Mas este ano não acabei a subida
No sétimo dia (!), desisti – não pela subida, não pela montanha, aí tudo me continua tão magnífico e fácil como dantes. Mas pelo desconforto das noites, tão penosas que me estavam a apagar o brilho dos dias.
E houve um momento em que senti que, se continuasse, não voltava à montanha – no final as memórias do Nepal não seriam das montanhas imensas cobertas de vegetação ou de neve, da beleza das águias a voar, da descoberta de mais um rio e uma queda de água, do sorriso lindo dos nepaleses, das nossas ajudas e brincadeiras…, mas sim da cama dura, do quarto sujo, das toalhitas em vez de banho e de um frio imenso a entrar pelo corpo.
Salvou-me a Inês Cardigos que, numa conversa no meio da montanha, me introduziu ao JOMO – Joy of Missing Out. Tão básico, tão simples, mas tão longe do nosso dia a dia. A pressão em que nos colocamos de vencer, de conseguir, de chegar ao fim, de não desistir, faz-nos esquecer que muitas vezes temos liberdade para dizer não. Liberdade para dizer basta! Não me apetece mais! Não se justifica o esforço! Não quero lutar mais!
E foi o que me aconteceu – quando percebi que já chegava, tive a coragem de não continuar.
É difícil explicar o bem que me senti com essa decisão, a leveza com que desci a montanha e a tranquilidade com que olho para as memórias que dela trouxe.
Acredito que a quem me conhece bem custe acreditar que foi mesmo só isso, foi mesmo só perceber que não sou obrigada a levar tudo até ao fim quando o esforço para o fazer não se justifica. Foi mesmo só não me apetecer e ser capaz de o reconhecer.
JOMO (Joy of Missing Out) foi a minha preciosa descoberta no Nepal.
Saber reconhecer que não chegamos a tudo, que não precisamos de poder tudo, que podemos escolher não fazer e ficar em paz com isso, encontrar alegria no não estar, não ir, não fazer…
É uma lição preciosa que vou guardar para o resto da Vida, e que estou certa me vai ajudar a encontrar uma tranquilidade que me tem fugido! E por isto, obrigado, Inês!
Obrigado também ao Pedro Guedes que nos guiou nesta viagem com uma segurança e tranquilidade que tranquiliza quem está à sua volta. Sei o que lhe custou a minha não subida ao Kang la Pass…, mas percebeu-me e fez tudo o que era possível para facilitar a minha decisão de descer.
Obrigada a todos os companheiros de viagem, por tudo, mas sobretudo pela aceitação do que decidi fazer.
Aguardo pela lição da próxima montanha!