Opinião
A obrigatoriedade do englobamento no cálculo das mais-valias imobiliárias em sede de IRS

Quer seja a título pessoal, quer seja a título profissional, a compra e venda imóveis é um marco importante na vida de qualquer pessoa e exige um investimento não apenas financeiro, mas também de tempo e, nalguns casos, um desgaste emocional associado à burocracia do negócio jurídico a celebrar.
A verdade é que, pese embora ambos os processos (compra e venda), estejam na generalidade dos casos associados a um processo burocrático, dispendioso e emocionalmente desgastante, o processo de venda de imóveis pode revelar-se ainda mais exigente e, muitas vezes fiscalmente mais relevante, quando o resultado da referida venda dê lugar a ganhos obtidos que podem ser tributados como mais-valias.
Independentemente do estatuto de residência do sujeito passivo, no processo de venda de imóveis é fundamental perceber quais as obrigações fiscais daí decorrentes. Deste modo, saber declarar os ganhos por forma a minimizar o impacto fiscal é uma questão frequentemente colocada.
Considerando a pertinência da questão, começo por chamar atenção às alterações não tão recentes ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”), no que toca à obrigatoriedade do englobamento dos referidos ganhos aos rendimentos das demais categorias para a determinação da taxa de tributação aplicável, com exceção dos rendimentos tributados autonomamente.
Assim, com o englobamento dos rendimentos, a taxa a aplicar aos ganhos obtidos em sede de mais-valias poderá variar entre os 13% aos 48% do rendimento tributável, podendo, em alguns casos, aplicar-se a taxa adicional de solidariedade, situações em que a taxa poderá chegar aos 50,5% quando o rendimento coletável esteja entre os 80.000€ e os 250.000€ e, no limite, 53%, quando o rendimento coletável seja superior a 250.000€.
Esta alteração é de extrema relevância sobretudo para os sujeitos passivos não residentes e que detenham imóveis em Portugal. Isto porque, até a declaração de IRS de 2022, entregue em 2023, 100% dos referidos ganhos eram tributados à taxa autónoma de 28%. Contrariamente ao regime aplicável aos residentes, onde apenas 50% dos referidos ganhos eram tributados às taxas progressivas em sede de IRS, podendo, no limite, ser aplicável uma taxa de 53% ao rendimento coletável.
Ora, esta discrepância nos critérios de tributação tinha como consequência a instauração de inúmeros processos judiciais dos cidadãos não residentes contra a Autoridade Tributária. Isto levou com que o Tribunal de Justiça da União Europeia se pronunciasse no sentido da discriminação das regras de tributação portuguesas, considerando que constituíam uma restrição aos movimentos de capitas, contrário ao Direito da União Europeia
Apenas com a Lei do Orçamento do Estado para 2023, aprovada pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro, foi revogada a norma prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS que previa a tributação autónoma à taxa de 28% às mais-valias provenientes da alienação onerosa dos direitos reais sobre imóveis auferidas por não residentes em território português e que não fossem imputáveis a estabelecimento estável aqui situado, passando a vigorar os mesmos critérios de tributação para residentes e não residentes.
Atualmente, a tributação das mais-valias imobiliárias em sede de IRS está sujeita ao englobamento dos rendimentos não sujeitos à tributação autónoma, contribuindo, deste modo, para uma tributação mais igualitária entre os sujeitos passivos (quer sejam residentes, quer sejam não residentes). Contudo, apesar de poder ser considerada justa, e fiscalmente mais benéfica também aos não residentes, uma vez que os rendimentos obtidos no estrangeiros, especialmente na União Europeia, são tendencialmente superiores aos rendimentos obtidos no território nacional, as taxas progressivas a aplicar no caso dos não residentes continuarão a ser consideravelmente superiores às taxas a aplicar aos residentes.
Por fim, resta apenas concluir que, independentemente do estatuto de residência e dos ganhos obtidos, a venda de um imóvel pressupõe, sempre, a obrigação declarativa do negócio celebrado à Autoridade Tributária, podendo os sujeitos passivos deduzir os encargos tidos com a operação.
Licenciada em Direito, pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, e com Mestrado em Direito das Empresas e do Trabalho (ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa), Gilana Sousa é advogada associada na André Miranda Associados desde 2025, tendo anteriormente passado pela Pinto Ribeiro Advogados.
A par da atividade profissional principal, é também investigadora júnior do Projeto Direito e Educação, da Nova School of Law. Também foi investigadora da Transnational Youth Forum on the right to education: building a brighter future for the Children on the Move, igualmente da Nova School of Law, além de fundadora e presidente do Núcleo de Estudantes Internacionais da mesma instituição. Gilana Sousa é ainda coautora do livro “Casos práticos de Direito do Consumo”, Vol. II, Almedina, 2020.