Therese Tucker venceu o preconceito e criou uma empresa de tecnologia que vale milhões

Therese Tucker, que aparece sempre de cabelo cor de rosa, impôs-se e criou uma das maiores empresas de computação em nuvem do mundo. Conheça a história desta empreendedora que chegou a ser julgada pela aparência por grandes CEO.

A empreendedora Therese Tucker, de 56 anos, lembra-se como se fosse hoje da noite em que um grupo de banqueiros do Goldman Sachs a ajudou a angariar recursos de investidores para a BlackLine — empresa de software da qual ela é fundadora e CEO.

Foi em meados do ano passado, quando a empresa já crescia a um ritmo acelerado (hoje a BlackLine vale mais de 2 mil milhões de dólares – 1,7 mil milhões de euros).

Depois de chegar a um acordo sobre o valor e fechar a operação, os banqueiros acompanharam a fundadora e o CFO da empresa até ao elevador do prédio. No caminho, cruzaram-se com um alto executivo do Goldman Sachs que olhou com um ar depreciativo para Tucker – sem saber quem ela era – e que proferiu: “Devem conhecer a CEO da BlackLine”, disse, acrescentando que eles tinham conseguido angariar 115 milhões de dólares (99 milhões de euros).

A BlackLine tinha tido um ano excelente: figurou pela nona vez consecutiva na lista Inc. 5000 e foi considerada por analistas como a responsável pela criação de um novo mercado para softwares de contabilidade, noticia o site brasileiro Pequenas Empresas & Grandes Negócios.

Em 2016, a companhia abriu o capital e registou receitas na ordem dos 123 milhões de dólares (106 milhões de euros). As suas ações tiveram um desempenho superior ao de IPOs, como os da Nutanix e da Snap.

Tucker é uma mulher inquieta, dona de uma inteligência considerável. Aquela não tinha sido a primeira noite, ao longa da sua carreira como fundadora de empresas tecnológicas, em que tinha sido subestimada.

Tédio é algo que Tucker certamente não sentiu nos últimos 17 anos, quando enfrentou praticamente todos os obstáculos imagináveis no mundo dos negócios. Para financiar a sua start-up, recorreu às suas economias. Após lançar o primeiro produto, quase foi à falência.

Atravessou anos de tensão, tentando convencer grandes empresas a comprar a tecnologia que comercializava. O seu projeto era reproduzir, na área de contabilidade, o que a Salesforce fez pelas vendas: transferir dados dos antiquados livros-razão para a nuvem.

A BlackLine ainda não é uma marca conhecida, mas a empresa faz negócios com marcas de renome: Coca-Cola, United Airlines e eBay estão entre os clientes.

O pioneirismo da BlackLine é comprovado pelo termo que lançaram e que passou a ser usado até por gigantes como a SAP: “contabilidade contínua”. O que este termo significa na prática? O software da BlackLine não processa os números do cliente. Antes recolhe os dados e envia-os para programas que o fazem. Assim, é possível compreender a causa de determinado comportamento contabilístico, a qualquer hora e em qualquer lugar. O serviço da BlackLine é vendido, sobretudo, para empresas com receita superior 50 milhões de dólares, o equivalente a 43 milhões de euros (que já são quase dois mil clientes).

Um relatório da consultora Frost & Sullivan mostra que a empresa pode atingir um mercado global de 20 mil milhões de dólares (17 mil milhões de euros) este ano. “Poucas pessoas são capazes de fazer essa transição entre criar um produto novo e passar ao cargo de CEO de uma grande empresa”, diz Hollie Moore Haynes, que em 2013 geriu o investimento inicial de capital privado na BlackLine. “Tucker é diferente. Ela sabe exatamente quando dar um passo atrás e quando assumir a liderança. Ela atinge uma meta atrás da outra. É o coração da BlackLine”, acrescentou.

De certa forma, Tucker tem muitas caraterísticas típicas dos fundadores de empresas de tecnologia. As suas perguntas são diretas e até impacientes; ela está atenta aos menores detalhes; a sua sala é pequena, atulhada de coisas — e fica estrategicamente próxima da equipa de programadores.

Olhando de fora, porém, ela é uma figura pouco comum: com o IPO da BlackLine, ela tornou-se numa das únicas mulheres que fundou uma empresa desse setor e continua a atuar como CEO mesmo após a abertura de capital.

“O mundo tech é masculino”, diz Tucker, que estudou ciências da computação no início dos anos 1980.

Tucker não perde o sono com os obstáculos impostos às mulheres no mundo da tecnologia, tão pouco os menospreza. A CEO concentra-se naquilo que pode fazer. “Quero mudar a forma como a contabilidade funciona”, diz.

Da faculdade às luzes da ribalta 

Tucker foi a primeira mulher da família a frequentar uma universidade, tendo estudado administração e francês. Fez também um dos primeiros cursos de programação de máquinas Apple — e apaixonou-se perdidamente. Tucker teve de encarar os professores (todos homens) que insistiam em dizer que ela não tinha talento para programação. Felizmente, tinha “um grau de confiança fora do razoável”. Licenciou-se em dezembro de 1983, ano em que a percentagem de mulheres com diplomas de ciências da computação atingiu um pico de 37%. (Hoje são cerca de 18% dos formandos da área.)

Assim que terminou faculdade, Tucker arranjou emprego como engenheira, mudou-se para a Califórnia e foi trabalhar na Hughes Aircraft, que produzia um firmware capaz de detetar falhas em sonares de navios de superfície. Em 1985, abriu a primeira empresa através da qual vendia serviços de programação para pequenas empresas. Em seguida, trabalhou na criação de software para uma empresa de financiamento imobiliário e, depois, foi programadora numa organização que seria adquirida pela SunGard — na qual chegou a CTO do departamento de sistemas para tesouraria. Nos anos 1980, Tucker conheceu o futuro marido.

Casaram-se e tiveram um menino e uma menina. A separação, em 2000, coincidiu com o auge da insatisfação de Tucker na SunGard. Foi aí que ela decidiu fazer uma aposta alta e criar a própria empresa. “O meu marido não gostava de assumir riscos. Decidi jogar todas as minhas fichas nessa empresa, e sabia que ele não concordaria”, relembra.

Aos 40 anos, com mais de quinze anos de experiência em programação para empresas do setor financeiro, Tucker tinha contatos e a maturidade profissional necessárias para enfrentar o desafio. Mesmo assim, teve de provar que era capaz. “Nas primeiras reuniões com possíveis clientes e investidores, Tucker ouvia, com frequência, comentários do tipo ‘o seu marido está  a ajudar-te,não?’”, conta Charlie Gaulke, a quinta funcionária contratada para a BlackLine e atual vice-presidente de desenvolvimento. Nos primeiros anos, teve de lutar ela sobrevivência. A empresa teve de mudar tudo — dos produtos oferecidos ao nome da marca.

Tucker tinha batizado a empresa de Osaba, que significa “eu ousava” em espanhol. Mas os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 tornaram o nome excessivamente parecido com “Osama”. O primeiro produto disponibilizado foi um software para gestão de fortunas, um mercado já dominado pela bem-estabelecida Thomson Reuters. Em poucos anos, Tucker  viu-se quase sem dinheiro. Até que um cliente pediu ajuda para automatizar o processo de conciliação contabilistico.

O pedido do cliente iluminou a oportunidade de criar softwares para digitalizar um processo extremamente manual. Os departamentos de contabilidade ainda usavam ficheiros e folhas de papel. “Tucker mergulhou de cabeça numa área historicamente mal servida pela indústria de software”, conta Terry Tillman, analista da SunTrust Robinson Humphrey. “A BlackLine está agora a colher os frutos de ter sido pioneira”.

A estrada que levou ao IPO teve início em 2013, quando a executiva chegou a considerar a aposentadoria.

Ela estava à procura de um comprador, mas recebeu um sopro de energia quando a investidora Silver Lake decidiu apostar na BlackLine e fez uma grande oferta. (Tucker manteve a participação acionista de 12%.)

Em dezembro de 2016, pouco depois da oferta inicial que gerou 152 milhões de dólares (131 milhões de euros) para a BlackLine, Tucker decidiu comprar um carro elétrico Tesla. A compra rendeu um problema típico dos CEOs de primeiro mundo: o carro só lhe deu dor de cabeça.

O piloto automático não funcionava, o serviço de streaming de música vivia fora do ar, o ar-condicionado teimava em não trabalhar. Tucker decidiu devolver o automóvel, mas a concessionária Tesla não reembolsou a entrada paga pela compradora, no valor de 2.500 de dólares (2.156 euros). Essa quantia é obviamente irrisória para uma mulher que vale 180 milhões de dólares (155 milhões de euros). Mas Tucker é defensora ferrenha do bom atendimento ao cliente.

Contratou um advogado e processou a concessionária. Em meados do ano passado, as partes chegaram a um acordo. A loja reembolsou a entrada paga pelo carro, e Tucker deixou registrada sua crítica a um dos maiores símbolos de Silicon Valley.

As provocações de Therese, porém, não são infundadas: antes de processar a concessionária, ela pediu autorização da investidora Silver Lake . E antes também de pintar o cabelo de rosa consultou o conselho da BlackLine.

Tucker sabe bem que uma mulher numa posição de liderança será constante e exaustivamente julgada pela aparência. “Uma mulher de cabelo branco pode estar no chão à beira da morte que ninguém faz nada”, afirma. “Afinal de contas, quem liga para uma grisalha de meia-idade?” A ideia surgiu durante uma reunião  o departamento de marketing da BlackLine. O pessoal da publicidade insistia para que a CEO aparecesse num comportado vídeo corporativo.

Finalmente, Tucker cedeu — sob uma condição que impôs de improviso, na hora: “Tudo bem, desde que eu possa pintar o cabelo de rosa”.

“O meu novo visual mudou a minha forma de interagir com o mundo, virou uma marca registada”, diz.

Entre os seis altos executivos da empresa, duas são mulheres — participação um pouco mais alta do que a registada entre as empresas de TI da lista S&P 500. A luta pela igualdade de género é tarefa grande e nem Tucker nem outras CEOs têm tempo para se dedicar integralmente à batalha. Ela tem de enfrentar as dificuldades de crescer rápido.  Na altura do IPO, em 2016, a BlackLine tinha 600 funcionários. Hoje são mais de 700.

A BlackLine ainda não dá lucro, e as exigências dos investidores só aumentam. Será que os concorrentes maiores serão capazes de tirar Tucker do lucrativo mercado que ela mesma ajudou a criar?

Se depender de Tucker, não. “Você não é fácil”, disse Chris Murphy, diretor financeiro da BlackLine, quando ela lhe apresentou metas ambiciosas de crescimento. Tucker sorriu e argumentou: “Se eu fosse fácil, você morreria de tédio”.

 

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