Opinião
Tempo de reconstrução

O ano de 2020 chegou ao fim e deixou um mar de destroços a todos os níveis: sanitário, sentimental, familiar e empresarial. O ano de 2021 começa com uma luz de esperança devido ao início de programas de vacinação em todo o mundo e, naturalmente, também em Portugal.
Sabemos que temos à nossa frente meses ou anos de angústia e espera, até atingirmos na maior parte dos países do mundo níveis de imunidade coletiva confortáveis.
Em Portugal, poderemos esperar que até ao fim do ano, a maioria das pessoas que quiserem ser vacinadas, terão essa oportunidade, e em 2022, no que respeita à Covid-19, pensamos vir a ter uma solução sanitária estabilizada. Entretanto, o efeito devastador deste último ano e próximos meses na economia é avassalador, sendo os países do sul da Europa, onde se inclui Portugal, os que mais tempo levarão a retomar os índices de desenvolvimento económico de 2019.
Esta situação é tão mais preocupante para o nosso país se considerarmos que nas últimas décadas temos vindo a ser ultrapassados em termos de capacidade de produção de riqueza por quase todos os países europeus, e muitos outros a nível global.
Esquecendo o sistema político – que em nossa opinião deveria ser muito mais “amigo do investimento” (particularmente na fase pós-Covid) – os nossos calcanhares de Aquiles chamam-se: produtividade e inovação.
Trabalhamos mais horas, mas produzimos muito menos do que a maioria dos nossos concorrentes e parceiros comerciais. Nos últimos 10 anos, o crescimento de faturação média das empresas em Portugal foi 0%! Este número é assustador, e se não tomarmos medidas profundas de alteração estrutural do tecido produtivo, dentro de uns anos somos ultrapassados por todos os países da Europa e um largo número de países a nível mundial.
Os motivos são variados, mas claramente acentuaria dois: o enorme défice de gestão das empresas portuguesas e o baixo grau de digitalização/inovação das mesmas, com destaque para as PMEs que constituem quase todo o tecido empresarial.
O caos de 2020, deve, porém, servir para tirarmos algumas importantes conclusões:
- Os sistemas de saúde estão profundamente desajustados aos riscos da nossa sociedade e necessitam de níveis de investimento e modernização profundos, que só uma inteligente colaboração entre o setor público e privado permitirá, sendo indispensável um aumento de qualificação dos recursos humanos. Este é um setor absolutamente prioritário em termos de investimento, já que a Covid-19, no mínimo, veio-nos dar uma lição de humildade e expor, tanto em Portugal como em todo o mundo, as enormes debilidades dos atuais sistemas de saúde.
- As empresas mais do que nunca precisam de investir em conhecimento, experiência e inovação disruptiva. Há que alterar profundamente os modelos de negócio e conseguir que as nossas empresas tenham crescimento sustentado.
- A janela de oportunidade é curta e muito competitiva, pois as ajudas europeias para a reconstrução das economias são limitadas no tempo e disputadas por muitos. É absolutamente imperativo que todo o dinheiro que venha da Europa, nas suas variadas formas, seja investido para conseguir alterar esta estagnação empresarial portuguesa que é uma verdadeira espada sobre as cabeças das gerações do futuro, particularmente se nos recordarmos que atingimos os maiores níveis de endividamento de sempre.
- Ganhos importantes de produtividade só são possíveis com uma forte aceleração dos processos de digitalização das empresas e políticas de inovação que permitam a única saída para o Portugal que queremos para as próximas gerações: crescimento económico e produção de riqueza.
Do que precisamos para aproveitar o que aprendemos com os erros cometidos e desafios sentidos? Vontade de melhorar, capacidade para inovar e competências de gestão para assegurar a eficácia das estratégias definidas e processos de mudança. Em Portugal tudo isso existe.
Somos um povo que sempre foi curioso e propenso a aceitar o novo, que ao longo dos séculos foi capaz de descobrir o que ninguém pensava que existisse e conseguiu desenvolver processos diferentes… e temos, nos dias de hoje, um enorme potencial de capacidades de gestão em gestores experientes e com provas dadas que estão prontos para assegurar o sucesso desta próxima reinvenção do nosso país.
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Carlos Vasconcellos, gestor e empreendedor com vasta experiência em gerir negócios em mais de 20 países, é fundador e Presidente Executivo da Quantico-SA.
Com experiência na gestão de empresas cotadas e não cotadas, foi CEO de algumas das maiores empresas portuguesas e brasileiras, entre as quais PT Comunicações, PT Internacional, Telesp Celular e Global Telecom. Também foi membro do Global Board de uma das maiores empresas multinacionais de serviços de informação e consultoria, a DUN & Bradstreet Corporation, EUA.
Tem igualmente, experiência em pequenas e médias empresas e start-ups, além de ser membro do conselho de administração de várias empresas nacionais e internacionais, nomeadamente de um grande fundo imobiliário.