Entrevista/ “Temos a capacidade científica, mas também um plano de desenvolvimento de negócio”

Diogo Trigo, Chief Scientific Office da Axodynamic

“Em vez de estarmos a gerar o conhecimento científico e ficar à espera que alguém pegue nisso para o converter num produto biomédico, estamos nós mesmos a fazer este processo em paralelo”, revelou o Chief Scientific Office da recém-criada Axodynamic, que está a trabalhar num biomaterial que promove a regeneração nervosa em casos de lesão na espinal medula.

A Axodynamic foi criada recentemente e já deu provas a nível internacional, ficando em terceiro lugar na categoria Saúde do EIT Jumpstarter 2020, um concurso europeu desenvolvido por três organizações parceiras – EIT Health, EIT Raw Materials e EIT Foods – apoiadas pelo Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (EIT), um organismo da União Europeia.

A start-up portuguesa pretende “assegurar a translação do desenvolvimento científico para a aplicação clínica de um biomaterial que promove a regeneração nervosa em casos de lesão na espinal medula”, explicou ao Link To Leaders Diogo Trigo, Chief Scientific Office da Axodynamic.

O investigador assistente da Universidade de Aveiro estudou durante quatro anos no Drug Discovery Unit, do King’s College London, mecanismos moleculares que permitem promover a regeneração neuronal após lesão medular, um trabalho que o ajudou a aprovar um fármaco para ensaios clínicos.

Como surgiu a Axodynamic?
Na sequência de uma investigação e trabalho científico, um projeto de aplicação de biomateriais para regeneração nervosa ganhou o Seal of Distinction da Comissão Europeia e foi financiado para testes pré-clínicos de “proof of concept” pelo programa MEDISIS. Entretanto, no início deste ano, fomos selecionados para o EIT Jumpstarter de 2020. Fomos avançando nas diferentes fases de aceleração e durante esse processo começámos a trabalhar com um business developer, que ajudou com o processo de empreendedorismo. Eventualmente percebemos que fazia sentido avançar para o processo de criação de uma empresa.

“O nosso objetivo é assegurar a translação do desenvolvimento científico para a aplicação clínica de um biomaterial que promove a regeneração nervosa em casos de lesão na espinal medula”.

Qual o objetivo?
O nosso objetivo é assegurar a translação do desenvolvimento científico para a aplicação clínica de um biomaterial que promove a regeneração nervosa em casos de lesão na espinal medula. Em vez de estarmos a gerar o conhecimento científico e ficar à espera que alguém pegue nisso para o converter num produto biomédico, estamos nós mesmos a fazer este processo em paralelo.

Ainda estão em fase de desenvolvimento científico?
Exatamente, estamos na fase de ensaios pré-clínicos.

Qual tem sido o feedback por parte das comunidades médica e científica ao vosso projeto?
Como estamos a desenvolver a aplicação médica “real” do projeto a par com a investigação, estamos a envolver o máximo possível a comunidade médica neste processo. Temos tido reuniões com vários especialistas, nomeadamente neurologistas e neurocirurgiões, para ajudar a otimizar os diferentes passos do processo, o que nos tem ajudado a desenhar o protótipo e a otimizar as experiências.

O que representa o 3.º lugar da Axodynamic no EIT Health Jumpstarter 2020?
Acho que foi um excelente marco para nós, porque nos mostrou que não só temos a capacidade científica, mas também um plano de desenvolvimento de negócio e uma organização a que os especialistas reconhecem valor.

A carreira académica do Diogo foi sempre dedicada à neurorregeneração. De que forma a sua experiência está a ajudar a Axodynamic?
A minha mobilidade científica, passando por vários grupos em universidades e países diferentes, permitiu-me ganhar experiência em várias áreas, desde a fisiologia do sistema nervoso, aos ensaios pré-clínicos, passando pelos biomateriais. Assim sendo, adquiri uma série de competências que me tornam capaz de assumir “as rédeas” científicas do projeto.

“Entretanto, vou começar agora em 2021 um novo projeto, em que esse conhecimento é aplicado na doença de alzheimer, procurando promover a regeneração neuronal”.

Atualmente está a estudar a perda de função neuronal relacionada com o envelhecimento, no departamento de ciências médicas, da Universidade de Aveiro, e lidera um projeto que recorre a nanoartículas libertadoras para neuroregeneração. Pode falar-nos mais destes projetos e dos desafios que tem encontrado?
No projeto pelo qual me juntei à universidade, que termina agora no final do ano, tenho estado a estudar o envelhecimento, com um foco no papel do metabolismo. Entretanto, vou começar, em 2021, um novo projeto em que esse conhecimento é aplicado na doença de alzheimer, procurando promover a regeneração neuronal. Os desafios principais têm sido assegurar financiamento científico, que tem sido bastante disputado e irregular, o que torna o planeamento e o agendamento dos projetos bastante sensível.

A Axodynamic foi fundada com capitais próprios ou com a ajuda de investidores?
Foi fundada com capitais próprios.

Qual tem sido o apoio de projetos como o RISE for Impact na concretização dos vossos objetivos?
O RISE é outro programa de aceleração para o qual fomos selecionados, que está a ajudar muito no nosso desenvolvimento, nomeadamente pondo-nos em contacto com especialistas de gestão de IP, de procurement de material hospitalar ou de apoio legal.

Considera que as start-ups portuguesas têm vindo a desenvolver soluções que respondam a necessidades específicas na saúde no geral, e nas diversas áreas terapêuticas, no particular?
Apesar de estar em crescimento, acho que é um nicho ainda muito fértil, já que há muito pouca translação da ciência aplicada para a aplicação biomédica. O processo clássico a que assistíamos até agora era o dos investigadores gerarem o conhecimento científico, que divulgavam via publicação em artigos científicos (e eventuais patentes), mas seria alguém a jusante, num processo independente, que iria pegar nesse novo conhecimento e aplicá-lo no mercado clínico.

As start-ups que têm surgido são precisamente resultado de um processo paralelo, em que estão os investigadores e cientistas envolvidos nas (ou à frente das) start-ups, o que não só agiliza o processo, como garante um conhecimento técnico extremamente competitivo. Mas parece-me haver uma clara falta de capital especializado em life sciences que tenham as competências necessárias para ajudar uma empresa como esta a escalar.

“Temos um conjunto de experiências chave agendadas, incluindo começar estudos in vivo, para o qual estamos à procura de financiamento early stage, e antecipamos resultados de alta relevância”.

Como perspetiva 2021 para a Axodynamic?
Olhamos para 2021 com expectativa. Irá ser certamente um ano de grande crescimento. Temos um conjunto de experiências chave agendadas, incluindo começar estudos in vivo, para o qual estamos à procura de financiamento early stage, e antecipamos resultados de alta relevância.

Respostas rápidas:
O maior risco: não conseguir assegurar o financiamento necessário nas datas chave
O maior erro: o tempo que foi gasto a hesitar se deveria ou não avançar com este projeto
A maior lição: que um cientista não tem apenas de gerar o conhecimento, pode ser ele próprio a aplicá-lo numa solução prática.
A maior conquista: o desenvolvimento de um modelo de negócio válido e aplicável.

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