Entrevista/ “Ser uma marca portuguesa nos dias de hoje é uma vantagem”

A Just Burel é um projeto familiar que nasceu na região da Covilhã para dar vida ao tradicional tecido nacional que dá nome à marca, o burel. Aplicou-o no calçado e criou uma linha de ténis e acessórios que reinventam a utilização desta matéria-prima, como explicou Nuno Andrade, fundador e CEO da Just Burel ao Link To Leaders.

Com pouco mais de um ano e meio de atividade, o projeto Just Burel consiste numa linha de calçado (ténis) e acessórios concebidos com um dos mais tradicionais tecidos de lã nacionais, o burel. 100% portuguesa e de origem familiar, a marca vive apenas no online e, apesar da crise gerada pela pandemia, esta acabou por ser uma oportunidade para potenciar a vendas, que acabaram por superar as expetativas, como referiu ao Link To Leaders, Nuno Andrade, fundador e CEO da empresa.

A versatibilidade da matéria-prima, as suas características biodegradáveis e sustentabilidade do produto são fatores distintivos dos ténis desenvolvidos pela Just Burel que, depois de consolidar o mercado nacional, quer apostar na internacionalização, em particular nos mercados do Norte da Europa.

Como surgiu a Just Burel e quem esteve na origem da criação deste projeto?
A Just Burel surgiu com a ideia de reinventar a utilização dos tecidos em lã.Trata-se de um projeto familiar e com uma ligação bastante próxima à indústria de lanifícios da Covilhã de onde sou proveniente. A nossa ligação profissional à indústria de lanifícios, calçado e têxteis técnicos para o setor automóvel incrementou a nossa vontade de empreender, inovar e iniciar este projeto com o objetivo de dar uma utilização diferente a um material genuinamente português que, ao longo dos tempos foi apenas utilizado na manufatura de vestuário.

Quem são os investidores do projeto?
Trata-se de um investimento privado, com capitais próprios.

Porquê esta matéria-prima em particular, o burel?
A ideia de aplicar o burel no calçado surgiu pelo facto da lã ser um produto natural, biodegradável e com características físicas e químicas de grande qualidade, mas também por questões de sustentabilidade. A lã é um produto muito versátil, nomeadamente a sua capacidade higroscópica; é um isolante do calor e do frio (liberta e absorve humidade), tornando-se fresca no verão e quente no inverno.

Além destes atributos, o Burel é um tecido tipicamente português e a sua origem remonta à Idade Média, pelo que a Just Burel pretende também preservar a utilização deste produto.

“Apostamos em pequenos produtores (artesões) com décadas de experiência na arte de produção de tecidos e calçado (…)”.

Quem assegura a produção dos vossos produtos? Como funciona a vossa rede de fornecedores?
Apostamos em pequenos produtores (artesões) com décadas de experiência na arte de produção de tecidos e calçado, privilegiando a qualidade. A Just Burel concebe os produtos, define as matérias-primas (lãs e fios), escolhe os padrões e as cores dos tecidos e também todos os componentes utilizados na produção do calçado.

Os nossos parceiros acabam por se identificar com o projeto e dessa maneira conseguimos capitalizar muito do saber desta cadeia de produção. Existe também um conhecimento técnico por parte da Just Burel de todas as etapas do processo de fabrico, tanto ao nível do têxtil como do calçado, tornando a ligação desta rede mais articulada e eficaz.

“(…) a Just Burel aposta nos tecidos em lã como fator diferenciador”.

Quais são os verdadeiros fatores diferenciadores da marca?
A exclusividade, qualidade e conforto assente num princípio de sustentabilidade. Aproveitando a elevada qualidade e tradição portuguesa da manufatura de calçado e chapelaria, os artigos da marca Just Burel são produzidos por “artesões” onde cada peça produzida é única e exclusiva.

Os nossos artigos são produzidos em pequenas séries limitadas alterando padrões e combinações de cores. A indústria do calçado, tradicionalmente utiliza peles de origem animal e a Just Burel aposta nos tecidos em lã como fator diferenciador. É também diferenciador pela qualidade dos materiais que utilizamos no interior do calçado. Utilizamos um têxtil técnico que é anti-odor, antibacteriano e respirável.

Este material é utilizado na produção de calçado ortopédico de alta gama, nomeadamente para diabéticos e exportado para os mercados nórdicos. O conforto não é deixado ao acaso e por essa razão as nossas palmilhas são semi-ortopédicas garantindo um conforto efetivo ao andar. Ao apostarmos neste segmento de calçado (ténis), que é utilizado cada vez mais por um maior número de consumidores e de todas as faixas etárias, queremos oferecer um produto de qualidade e exclusivo.

“Damos grande importância à sustentabilidade, maximizamos a utilização das nossas matérias-primas, aproveitando a versatilidade das mesmas (…)”.

Até agora o vosso foco é a criação e produção de calçado casual, chapelaria e acessórios em lã de produção artesanal. Pretendem alargar a oferta de produtos?
Neste momento queremos consolidar os produtos que estamos a produzir sendo o nosso principal foco o calçado (ténis). Estamos a estudar a utilização de outros materiais ao nível das solas principalmente biodegradáveis ou com materiais reciclados.

Damos grande importância à sustentabilidade, maximizamos a utilização das nossas matérias-primas, aproveitando a versatilidade das mesmas, é o caso dos fios de lã que utilizamos na produção dos tecidos que também utilizamos na produção das mantas de viagem. Com os “resíduos” do corte do calçado e chapelaria produzimos um porta-chaves a que chamamos “Burelitas” promovendo desta forma uma economia circular.

“Recorremos às potencialidades da tecnologia sempre que seja possível ou rentável”.

Sendo a marca sustentada numa base artesanal, qual a relação da Just Burel com a tecnologia e as potencialidades que esta oferece quer na conceção dos produtos, quer na própria comercialização?Efetivamente existe uma grande componente de trabalho artesanal no processo de fabrico, mas temos alguns processos mecanizados e informatizados. Recorremos às potencialidades da tecnologia sempre que seja possível ou rentável. É o caso da modelação do calçado que é feita em CAD o que nos permite otimizar e melhorar o produto final.

Qual tem sido a reação dos consumidores ao vosso produto?
A reação tem sido bastante positiva e os clientes acabam por ser os verdadeiros embaixadores da Just Burel. Apesar das redes sociais serem importantes na divulgação da marca, o passa a palavra é sem dúvida importante para nós, temos conseguido atrair clientes desta forma.

A nossa experiência mostra-nos que quando é efetuada uma venda e o cliente recebe o produto, temos o feedback de que as suas expetativas são superadas. Um reflexo disso são as segundas vendas que fazemos para o mesmo cliente. O mercado está aberto a este tipo de produtos, os consumidores hoje em dia querem produtos diferenciadores e inovadores.

Quais os produtos mais procurados?
Os ténis em lã são o produto mais procurado e há uma enorme curiosidade em saber as características dos ténis.

“Ser uma marca portuguesa nos dias de hoje é uma vantagem”.

Que dificuldades sentiram para conseguir vingar no mercado sendo uma marca 100% portuguesa?
A principal dificuldade não está no facto de ser uma marca portuguesa, mas sim por ser uma marca nova, desconhecida e estar só disponível na nossa loja online. Ser uma marca portuguesa nos dias de hoje é uma vantagem. Talvez a dificuldade esteja em passar a mensagem de que os nossos produtos são na realidade de qualidade. Como o nosso único canal de vendas é o online o cliente não consegue ver o produto fisicamente.

O mercado internacional está nos vossos objetivos?
Sim, a internacionalização é um dos nossos objetivos, principalmente os mercados do norte da Europa.
Também temos como objetivo chegar à comunidade portuguesa no exterior, que valorizam bastante o que é produzido em Portugal.

Quais os objetivos de expansão e inovação da marca para os próximos anos?
A estratégia é consolidar o mercado nacional pois existem bastantes consumidores com interesse em produtos sustentáveis, exclusivos e de qualidade. A inovação irá passar certamente pela incorporação de um maior número de componentes sustentáveis.

Enquanto empreendedor como avalia o percurso do seu projeto? Correspondeu ao esperado?
A Just Burel é um projeto com um ano e meio de existência, iniciámos a comercialização do calçado na nossa loja online em outubro de 2019 e, inesperadamente em fevereiro / março de 2020 surgiu a pandemia. Contudo a nossa estratégia de vendas sempre foi o online e nunca estivemos dependentes das lojas físicas como canal de venda. Na realidade esta anormal situação veio facilitar e potenciar as vendas.

Estávamos conscientes que a entrada no mercado de uma nova marca, um produto diferente e apenas com vendas online não seria uma tarefa fácil. Na realidade não o é, mas trata-se de um desafio muito interessante. Há ainda um longo caminho para percorrer, mas estamos certos de que irá superar as nossas expetativas.

Respostas rápidas:
O maior risco:  o maior risco aconteceu, a pandemia, o que para a Just Burel foi uma oportunidade
O maior erro: o maior erro seria não ter avançado com o projeto
A maior lição: o apoio e ajuda veio de quem menos esperávamos
A maior conquista: desenvolver e implementar um projeto do “zero”