Entrevista/ “Queremos entregar projetos na área da Saúde Digital com perspetiva de sucesso validada”

“Neste momento estamos a trabalhar em oito projetos relacionados com o tema Digital Health. Alguns destes projetos são liderados por nós, outros são consórcios nacionais ou internacionais onde estamos integrados”, revelou Hugo Maia, diretor da Glintt Inov, que foi criada em 2018 e que já investiu 5,4 milhões de euros, em entrevista ao Link To Leaders.
A necessidade de ter uma plataforma que juntasse ideias e projetos de inovação na área da saúde digital que estavam a ser desenvolvidos internamente levou a que, em 2018, fosse criada a Glintt Inov.
A partir daqui, foi um passo para que o hub de inovação interna da Glintt envolvesse clientes e parceiros para incubarem as suas próprias inovações e, mais tarde, abrisse as portas ao ecossistema internacional.
Em cerca de três anos, o investimento em inovação na área da saúde digital, juntando fundos comunitários, investimento privado e capital colocado pela Glintt, soma mais de 5 milhões de euros. Ao Link To Leaders, Hugo Maia, diretor da Glintt Inov, fala dos projetos que estão a apoiar, do setor da saúde digital e das metas para o próximo ano.
O vosso hub de inovação assumiu como missão revolucionar a área do Digital Health. Estão a conseguir concretizar esse objetivo?
Sim, sem dúvida. Hoje somos uma estrutura incontornável no que respeita à construção de tecnologia relacionada com a área da “Saúde Digital”. Lideramos um conjunto de projetos em consórcios nacionais e internacionais que têm como objetivo desenvolver as diferentes peças do novo ecossistema da saúde, um ecossistema ligado, integrado, que acompanha e monitoriza o estado de saúde das pessoas e em que todos são responsáveis pela sua evolução, desde os profissionais, passando pelos cuidadores, às próprias pessoas.
E, de facto, estes últimos meses têm-nos permitido consolidar o projeto da Glintt Inov. Quer seja através da liderança de mercado com o software de farmácia ou o software das clínicas/hospitais, quer através da integração de novas tecnologias que surgem precisamente de projetos de inovação.
Foi isso que conseguimos fazer com os produtos que nasceram na Glintt Inov e que neste momento já estão no mercado, como, por exemplo, o Knowlogis – um projeto de otimização da logística hospitalar de consumíveis e equipamentos; o H2Farma – uma plataforma de monitorização do circuito dos medicamentos hospitalares que são dispensados em farmácias comunitárias; o Game4Life – uma plataforma de gamificação para doentes crónicos de promoção da adesão à terapêutica; ou a assistente virtual EVA – uma plataforma de apoio aos utilizadores dos nossos sistemas informáticos. Todos estes projetos nasceram, foram incubados e desenvolvidos na Glintt Inov.
“(…) os nossos objetivos são semelhantes: por um lado “espicaçar” todos aqueles que têm espírito empreendedor e querem ter algo a dizer nesta área, por outro, ajudar a passar as ideias do papel à ação (…)”.
Em termos práticos e operacionais, de que forma os programas desenvolvidos pela Glintt Inov podem contribuir para ajudar os empreendedores na área da Saúde a concretizarem as suas ideias?
Desde a criação da Inov que temos desenvolvido diferentes programas, internos e externos, alguns ligados à academia e outros a empresas, PME e start-ups. Mas os nossos objetivos são semelhantes: por um lado “espicaçar” todos aqueles que têm espírito empreendedor e querem ter algo a dizer nesta área. Por outro, ajudar a passar as ideias do papel à ação, ou seja, até ter algo concreto que possa de facto acrescentar valor e resolver questões específicas na área da Saúde.
O nosso papel mais importante na execução destes programas é aquele que realizamos através da mentoria. É o chamado “teste de realidade”, pois o know how de mercado, o conhecimento de clientes e das tecnologias permitem desafiar as propostas e modelos que estão na génese dos diferentes projetos.
Temos também know how específico no acesso a financiamento, know how esse que tentamos partilhar com as equipas e com as empresas com que trabalhamos. Por exemplo, convidámos recentemente um conjunto de start-ups para trabalharem connosco no programa “European Data Incubator – H2020”, que permitiu a duas delas, financiar o desenvolvimento da sua tecnologia com base em fundos públicos. Em resumo, contribuímos com know-how de mercado, com tecnologia e capacidade de desenvolvimento, e com expertise na área de financiamento.
“O Hacking Health, o G-Battle, o EDI ou o IdeaUp têm-nos permitido sermos também nós uma start-up na construção destas iniciativas que têm targets internos e externos à própria Glintt”.
Quais são os vossos programas mais emblemáticos?
Nestes dois últimos anos realizámos programas de grande dimensão que tiveram como objetivos promover a geração de ideias, o desenvolvimento de protótipos e ou o acompanhamento de start-ups. O Hacking Health, o G-Battle, o EDI ou o IdeaUp têm-nos permitido sermos também nós uma start-up na construção destas iniciativas que têm targets internos e externos à própria Glintt.
O trabalho interno permite que as pessoas da Glintt tenham um espaço dedicado para a experimentação e para a validação de provas de conceito, algo que é difícil de conseguir no desenvolvimento do trabalho do dia a dia. O trabalho que temos realizado com a academia permite que os estudantes tenham contacto desde muito cedo com a realidade do empreendedorismo e com a realidade do mercado corporate.
Desde o Instituto Politécnico do Porto, passando pela Universidade Nova de Lisboa, pelo Instituto Superior Técnico, Faculdades de Farmácias, Engenharia Biomédica, e até estruturas como a UbiMedical na Covilhã, às empresas na área da Saúde e da Tecnologia, às empresas juniores, incubadoras nacionais e consórcios como a EIT Heatlh, entre outras, temos sempre trabalhado no sentido de reunir massa crítica importante para entregar projetos na área da Saúde Digital com “perspetiva de sucesso validada”.
Quantas start-ups já passaram pelos vossos programas? Algumas foram “absorvidas” pelo grupo?
Já passaram várias start-ups pelos nossos programas, pelo menos numa lógica de scouting, mas até agora trabalhámos de forma mais próxima com seis delas. Investimos diretamente na aquisição de 50% do capital de uma, outra foi absorvida num produto interno e duas apresentaram propostas de desenvolvimento de ideias para a hmR – Health Market Research, uma das empresas do Grupo ANF, do qual a Glintt faz parte.
As restantes estamos a acompanhar de muito perto e esperamos, em breve, poder trabalhar em conjunto, num âmbito ibérico, aproveitando sinergias com as empresas da Glintt em Espanha e com os parceiros locais também.
“O setor da Healthtech (…) já era o setor com maior crescimento no que respeita ao investimento em recursos para o desenvolvimento de novas soluções e tecnologias”.
No último ano e meio o setor da saúde tem estado no centro das atenções mundiais devido à pandemia. De que forma essa realidade alterou o setor da Healthtech?
O setor da Healthtech, antes da pandemia, já era o setor com maior crescimento no que respeita ao investimento em recursos para o desenvolvimento de novas soluções e tecnologias. Com a pandemia, a importância desta área foi claramente reforçada. Já vínhamos a assistir à utilização das novas tecnologias no apoio ao diagnóstico e no apoio à terapêutica. A utilização de IA e Machine Learning nestes processos é hoje visto como algo não só desejável, mas obrigatório, e esta noção nasce do sentido de “urgência” que a pandemia nos trouxe. Sentido de urgência e de “geração de eficiência”.
Na nossa perspetiva, percebemos de forma unívoca, e à escala global, que temos que utilizar melhor os recursos ao nosso dispor e que a tecnologia é um aliado na geração desta eficiência. A utilização de algoritmia e assistência virtual em processos de triagem, a maior utilização de telemedicina, a confirmação de diagnóstico por recurso a IA, a criação de novos dispositivos médicos ou a partilha de informação, são alguns dos exemplos na área de “Digital Health” que foram massificados um pouco por todo o mundo.
Outra realidade que se alterou com a pandemia foi a captação de benefícios de larga escala, decorrentes de processos de cocriação ou de inovação colaborativa. A vacina desenvolvida em colaboração entre a BioNTech e a Pfizer é o melhor exemplo disso. Ainda destacaria algo que me parece relevante e que está relacionado com a partilha e o acesso à informação. Em Portugal, à semelhança do que aconteceu um pouco por todo o mundo desenvolvido, assistimos ao primeiro processo de gestão da saúde populacional, com base em informação atualizada a cada 24h. Foi o primeiro processo deste género, em que os decisores puderam tomar decisões com base em dados reais e em tempo real, algo inédito na história da humanidade.
Como avalia a inovação nacional no vosso setor de atividade? Têm aparecido projetos disruptivos?
Com uma nota muito positiva. No último ano e meio temos assistido ao surgimento de um conjunto de novos projetos nesta área. Neste momento estamos a trabalhar em oito projetos relacionados com o tema Digital Health. Alguns destes projetos são liderados por nós, outros são consórcios nacionais ou internacionais onde estamos integrados.
Um exemplo é o projeto WoW (Wireless biOmonitoring stickers and smart bed architecture: toWards Untethered Patients), que resulta de um consórcio internacional com a Universidade de Carnegie Mellon e o Hospital Universitário de Coimbra, entre outras entidades, e que tem como objetivo desenvolver um conjunto de biossensores para monitorização wireless de pessoas em contexto de internamento hospitalar.
De facto, a transformação digital tem acelerado um pouco por todos os setores, motivada por um sentido de urgência, mas também porque os desenvolvimentos em matéria de sensores, baterias, comunicação e o próprio acesso à tecnologia é cada mais fácil e a baixo custo. Temos também um conjunto muito importante de pessoas formadas em áreas de engenharia, matemáticas, medicina, entre outras, que têm manifestado espírito empreendedor e têm optado por criar os seus próprios projetos na área da Saúde Digital como forma de vida.
Temos acompanhado algumas destas pessoas e start-ups e, inclusive, já premiámos algumas através do nosso evento anual HINTT – Health Inteligent Talks & Trends. Sem querer falar em nenhuma com destaque especial, mencionaria a NEVARO, a HEARTGENETICS, a VR4NEUROPAIN e a BIOSURFIT.
“Acredito, sim, que nos falta guidance para garantir que construímos modelos colaborativos de inovação e também que nos falta alguma agilidade. Ainda somos um país burocrático”.
Que ferramentas faltam para fomentar ainda mais a inovação e o empreendedorismo em Portugal? Financiamento?
Acredito que o ecossistema português de inovação e empreendedorismo está bem acima da média do que se vai fazendo pelo mundo e a principal razão tem a ver com os recursos humanos, com as pessoas e com a sua formação. Seja ela autoformação ou formação académica, a verdade é que temos dos melhores recursos na área de tecnologia e em várias outras áreas também, como a engenharia ou a saúde.
Não é por acaso que as grandes empresas de tecnologia se têm instalado no nosso país, assim como não é por acaso que a WebSummit é realizada em Portugal, ou ainda não é por acaso que estamos a construir um dos maiores empreendimentos na área das start-ups, a “fábrica”, de que tanto se tem falado nos últimos tempos. Assim sendo, diria que o financiamento não é a principal questão. Quer seja através de financiamento público ou de financiamento privado, as empresas e start-ups têm conseguido aceder a este recurso.
Acredito, sim, que nos falta guidance para garantir que construímos modelos colaborativos de inovação e também que nos falta alguma agilidade. Ainda somos um país burocrático. Quer seja pela forma como conseguimos ou não aceder aos recursos, aceder à informação, quer seja pela forma como interpretamos o RGPD, a verdade é que os processos que dependem de organizações grandes, muitas delas públicas, são exageradamente demorados. O tempo, a demora, esse sim é o grande problema, principalmente quando falamos no acesso a fundos públicos.
“Não basta ter boas ideias ou iniciativas, se depois não as conseguimos concretizar”.
Quais as metas da Glintt Inov para 2022?
Desafiar e consolidar. O espírito inquieto e irreverente, que nos caracteriza, é algo que não podemos perder nunca. Vamos continuar a fazer aquela que é a pergunta mais importante da inovação: “Porque não…?”. E com isso poder pensar em novas formas de fazer coisas diferentes, ou novas formas de fazer as mesmas coisas, mas com menor custo ou melhores processos, criar novas iniciativas de inovação, envolver cada vez mais pessoas internas e externas nos projetos de Digital Health e contribuir para uma melhoria na vida de todos.
Como referi, estamos a acompanhar o desenvolvimento de oito projetos de inovação, que temos de garantir que cumprem o seu planeamento e entregam o que foi pensado inicialmente. E esta parte é critica. Não basta ter boas ideias ou iniciativas, se depois não as conseguimos concretizar.
Assumiu a liderança da Glintt Inov em 2019. Como tem sido esse desafio?
Esta é uma questão complicada, pois é sempre difícil sermos nós a avaliar o nosso próprio trabalho. Devemos ter uma consciência atualizada do que fazemos, mas temos sempre de garantir que temos feedback regular sobre o mesmo. Assim, o que posso dizer é que o desafio tem sido constante! A Inov é uma das áreas mais dinâmicas da Glintt, que tem o papel de desafiador, interno e externo. Temos uma equipa multidisciplinar, em que todos têm valências e competências distintas, mas com um grande espírito de entreajuda, algo que valorizo em todas as organizações onde trabalho.
Na minha perspetiva o desafio passa essencialmente por conseguir juntar mundos diferentes. O mundo empresarial de quem é pressionado diariamente para atingir resultados, e o mundo do empreendedorismo, muitas vezes ainda muito académico, em que o wishfull thinking é muitas vezes uma variável que nos afasta da realidade.