Opinião
Reflexões sobre a alegria

Partindo de três textos do Cardeal Tolentino Mendonça, gostava de fazer uma reflexão sobre o que condiciona a nossa capacidade de nos sentirmos felizes.
“… A nossa maior crueldade é o tempo. Como um fabricante de armadilhas desajeitado que acaba sempre prisioneiro das engrenagens que produz, também nós inventamos o tempo e nunca temos tempo. Os nossos relógios nunca dormem. Quantas vezes o tempo é a nossa desculpa para desinvestir da vida, para perpetuar o desencontro que mantemos com ela?…”.
“… A rotina não basta ao coração do homem. O grande desafio é, em cada dia, voltar a olhar tudo pela primeira vez, deslumbrando-se com a surpresa dos dias. É reconhecer que este instante que passa é a porta por onde entra a alegria…”.
“…Vivemos numa sociedade dominada cada vez mais pelo mito do controlo. E o seu postulado dogmático é este: a receita para uma vida realizada é a capacidade de controlá-la a 360 graus… Isto para dizer como somos pouco ajudados a lidar com a irrupção do inesperado que hoje o sofrimento representa. Sentimos a dor como uma tempestade estranha que se abate sobre nós, tirânica e inexplicável. Quando ela chega, só conseguimos sentir-nos capturados por ela, e os nossos sentidos tornam-se como persianas que, mesmo inconscientemente, baixamos…” – Cardeal Tolentino Mendonça
Rotina que nos tira a capacidade de nos deslumbrarmos com o inesperado, controlo a 360º que nos desprepara para as más notícias, tempo que não temos e nos leva a desistir. Conseguiremos, de alguma forma, repensar os nossos dias para contrariar as engrenagens em que nos colocamos e conseguir aproveitar o que a vida nos dá?
“Se a vida te dá limões, faz limonadas” pode ser o caminho. Mas para o seguir temos de conseguir reconhecer a surpresa que os limões nos trazem com espírito aberto para encontrar o que deles podemos retirar, ver no amargo dos limões uma oportunidade para fazer algo que não fazemos habitualmente e encontrar tempo para os descobrir.
Obrigamo-nos, tantas vezes, a correr atrás do que por vezes já esquecemos ou não lembramos o motivo. E enchemos as nossas Vidas de obrigações, desafios, necessidades, compromissos e tantas outras formas de pressão que nos tiram a capacidade de nos sentirmos felizes.
Se somos como nos proclamamos seres racionais, se não temos espaço para sentir estes momentos de alegria que todos juntos nos fazem ser felizes, por que motivo não paramos para pensar no que podemos (ou devemos) fazer para os deixar chegar?
Muito do que teremos a fazer é difícil, complicado, não acontece do dia para a noite. Mas se não começamos o caminho, nunca chegaremos ao destino!
As decisões estruturais, que levam a alterações profundas nas nossas vidas…, um novo emprego, uma mudança de casa, uma separação de quem já não nos sentimos próximos, e até, quem sabe, uma mudança de clube de futebol.
A aceitação de que não conseguimos controlar nem tudo nem todos, e que não conseguimos evitar que alguma coisa corra mal, que alguém nos desaponte ou que cheguem as más notícias, não nos deixando engolir pela tristeza ou pelo desespero que elas provocam.
A tomada de consciência das nossas limitações e da escassez dos recursos que temos, levando à descoberta de escolhas que temos de fazer na forma com os utilizamos.
E tanto mais…
Mas podemos, no imediato, fazer coisas simples, fáceis, que só não fazemos porque não tomamos o tempo para fazer acontecer, não nos libertamos das rotinas para encontrar espaço ou nem pensamos nisso!
Reduzir o tempo que passamos nas redes sociais;
Deixar cair o jantar a que vamos “porque é chato não aparecer”;
Fazer variar o que comemos ao pequeno-almoço;
Ir dar o passeio à beira-mar que adiamos há semanas;
Sentarmo-nos numa sala de cinema ao fim da tarde;
Ir ver montras só porque nos apetece;
Assistir ao vivo a um jogo do nosso desporto favorito;
Inscrevermo-nos naquele curso que há anos queremos fazer.
Estar aberto a visitar novos lugares, ouvir novas músicas, descobrir novos autores ou conhecer novas pessoas (ou simplesmente ir aos sítios do costume, estar com as pessoas de que gostamos, reler aquele livro que nos marcou ou ouvir as nossas músicas…).
Se quisermos de facto encontrar os nossos momentos de alegria, temos de fazer por isso. Já!