Opinião

Reduzir ou não reduzir … as taxas? Eis a questão!

Paulo Doce de Moura, Investment Advisor do Banco Carregosa

O Banco Central Europeu cumpre guião da reunião de abril: reduz as taxas em 0,25% para situar a taxa de depósito em 3,75%. Estamos perante o primeiro corte desta taxa de juro na União Europeia desde 2019 e o ponto final do ciclo de endurecimento monetário iniciado em julho de 2022.

Com isto, o Banco Central Europeu já é o quarto banco do G10, após o SNB, o Riskbank e o Bank of Canada, a iniciar o seu ciclo de flexibilização. A decisão surpreendeu poucos, mas o dado mais relevante da reunião de junho é a alteração que introduziram no comunicado: elimina a referência a futuros cortes.

Se a avaliação atualizada do Conselho de Governo aumentar ainda mais a sua confiança de que a inflação está a convergir para o objetivo de forma sustentável, será apropriado reduzir o atual nível de restrição da política monetária, o texto refere que “o Conselho de Governo vai continuar a aplicar uma abordagem dependente dos dados e de cada reunião”. A declaração sobre a decisão de política monetária foi clara: “o Conselho de Governo não se compromete de antemão a seguir uma trajetória de taxas determinada”.

Christine Lagarde não se quer comprometer de antemão com novos cortes. Está a adotar a abordagem gradual e prudente, como os demais bancos centrais, e vai reavaliar a situação, reunião a reunião. A velocidade e o calendário dependerão dos dados de inflação.

Uma pausa em julho?

O Banco Central Europeu tem elevado as suas previsões de inflação para 2024 e 2025, o que implica que este corte inicial poderá não assinalar o início de um ciclo de flexibilização sustentável. E é uma interpretação de que a previsão implica cortes muito graduais das taxas de juro.

Prevê-se uma pausa em julho, antes de o Banco Central Europeu voltar a fazer cortes em setembro e dezembro. A trajetória das taxas do BCE dependerá da evolução dos dados daqui para a frente e da Fed, que não poderá fazer cortes este ano dada a rigidez da inflação americana. É provável que as recentes surpresas em alta dos salários e da inflação mantenham os membros do Conselho numa posição prudente.

Os riscos inclinam-se para menos cortes, principalmente devido a uma inflação rígida dos serviços, um mercado laboral resistente, condições financeiras menos estritas e considerações de gestão de riscos do Banco Central Europeu, que prevê mais dois cortes em 2024.

Não é o típico ciclo de cortes!

Este não é o típico ciclo de cortes. Não se trata de um regresso ao mundo que conhecíamos, em que a inflação estava consistentemente bem abaixo da meta de 2%. Com os mercados de trabalho ainda tensos e a produtividade fraca, as pressões internas sobre os preços podem manter a inflação próxima ou acima de 2%.

Continuaremos a acompanhar de perto as expetativas de inflação, a evolução salarial e a inflação dos serviços. São indicadores-chave da persistência da inflação que determinarão o ritmo e o alcance do ciclo de corte de juros do Banco Central Europeu.

Inflação e salários.

A decisão dependerá dos próximos dados económicos, principalmente da inflação e da evolução salarial, como Christine Lagarde voltou a afirmar durante a conferência de imprensa. Espera que o cenário económico europeu confirme a tendência de recuperação após a fase de estagnação dos trimestres anteriores, mas não é percebido como forte o suficiente para gerar um risco de inflação.

Alguns membros do comité querem observar avanços significativos no futuro antes de apoiar outro ajuste de taxas de juro. A outros pode agradar que a Reserva Federal dos EUA se una à trajetória da normalização antes de se aventurarem demasiado. E é até que ponto o BCE pode divergir da Fed. A margem de divergência é limitada, visto que os sinais que estão a aparecer sobre o abrandamento dos EUA darão à Fed mais margem de manobra. As últimas semanas demonstraram que, para além das políticas dos bancos centrais e das tendências da inflação, a política interna e o seu impacto nas relações internacionais são determinantes importantes dos mercados financeiros e da orientação económica.

A dinâmica de desinflação continuará a ser acidentada nos EUA, bem como na União Económica e Monetária, mas que permitirá, no entanto, que os principais bancos centrais comecem (Fed, BoE) ou continuem (BCE) a reduzir as taxas antes do final do ano.

O número de cortes dependerá em grande medida dos números da inflação e das perspetivas do mercado de trabalho, uma vez que os bancos centrais estão dispostos a ver pressões decrescentes provenientes dos salários, ou números de produtividade mais elevados que se traduzam em pressões inflacionistas mais baixas. Isto traduz-se num ambiente ligeiramente construtivo para os ativos de risco!

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Paulo Doce de Moura

Paulo Doce de Moura

Paulo Doce de Moura exerce funções no Banco Carregosa e foi diretor do BNP Paribas Personal Finance. Estudou Relações Internacionais-Económicas e Políticas, na Universidade do Minho e Direção Geral de Empresas no Programa Avançado de Gestão para Executivos na Universidade Católica Portuguesa. Foi presidente de Direção da AIESEC (Association Internationale des Étudiants en Sciences Économiques et Commercialles) na Universidade do Minho, Coordenador Distrital Economia, Trabalho e Inovação no Conselho Estratégico Nacional e membro da Assembleia de Freguesia do Lumiar. Escreveu... Ler Mais..

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