Entrevista/ “Queríamos (e conseguimos) ser uma marca “born global” desde o primeiro dia”

Criada no verão de 2019, a Unreal Fields é uma marca de calçado feminino contemporâneo “made in” Portugal e que, apesar de muito jovem, já exporta para os Estados Unidos, Inglaterra e Emirados. Inês Lebre, fundadora do projeto, explica como tudo começou.
Inês Lebre, a fundadora do projeto, define-se como uma mulher com espírito empreendedor que gostava de encabeçar um projeto que abordasse de forma criativa e diferenciadora uma industria tradicional portuguesa, o calçado. Com um background em gestão e consultoria, fez todo o sentido, frisou, juntar-se uma desinger portuguesa que desenha os modelos, e a Sofia Lourenço que trabalha a imagem da marca. Assim nasceu a Unreal Fields, uma empresa liderada por mulheres que cria sapatos para mulheres, feitos à mão e 100% “made in” Portugal.
Com pouco mais de seis meses de atividade, exportação é o principal foco da Unreal Fields. Quanto ao futuro próximo, a marca pretende avançar para o mercado chinês e deixa no ar uma dica a potenciais investidores: “precisaremos em breve de investidores que compreendam e tenham sensibilidade para o retalho/moda e que queiram fazer parte de uma marca que poderá ser a primeira marca contemporânea de sucesso em Portugal”, revela Inês Lebre.
Como e quando surgiu o projeto Unreal Fields?
A ideia do projecto da Unreal Fields surgiu há dois anos e demorou um ano a ser desenvolvido. Começou por ser apresentado no início de 2019 ao retalho (feiras, showrooms, etc, em Paris e nos Estados Unidos) e em setembro iniciámos a venda aos clientes finais com o nosso website.
Escolhi o calçado pois com a equipa que formei achei que podíamos oferecer uma marca única, contemporânea e cujo design mais arrojado nos permitisse afirmar em mercados profundamente competitivos como os Estados Unidos e Inglaterra.
Num país onde a aposta no design contemporâneo ainda não é assim tão forte, temos recebido uma excelente critica e ainda nem tínhamos lançado a marca ao público final e já tínhamos clientes (retalho) nos Estados Unidos e Inglaterra com lojas de renome em zonas nobres de Los Angeles (loja Satine), Seattle (loja Baby & Company) e Richmond (loja Curated Woman no Reino Unido).
Fomos referidas na British Vogue como uma marca emergente a ter debaixo de olho e, mais recentemente, nesta senda positiva que nos vai acompanhar no ano de 2020 estaremos na Fred Segal a partir de março que é uma loja de referência nos Estados Unidos, nomeadamente em Sunset Boulevard, Los Angeles.
“Queríamos (e conseguimos ser) uma marca “born global” desde o primeiro dia”.
Os sócios já tinham experiência neste setor de atividade?
Eu tinha experiência em vendas, a Inês em moda e a Sofia em marketing e marcas. Eu com formação em gestão, a Inês em marketing e a Sofia em design gráfico. Somos uma equipa vencedora que tem conseguido fazer vingar o nome da marca lá fora. Queríamos (e conseguimos ser) uma marca “born global” desde o primeiro dia.
Qual o maior desafio que tiveram que ultrapassar para se lançarem nesta aventura?
Eu diria que os três principais desafios são:
A equipa. Conseguir reunir a equipa ideal e que funcione de forma coesa e eficiente. Por norma, a gestão e a criação têm formas muito díspares de encarar o negócio e as prioridades e, por isso, conseguir que a equipa, de forma harmoniosa, respeite os objetivos estratégicos da empresa é preciso muita inteligência emocional. Estou orgulhosa do ponto a que chegámos. Também exigir versatilidade das pessoas é algo necessário numa start-up e estamos a conseguir isso.
Depois o produto. Ter uma ideia em design é muito fácil. Difícil é transformar um desenho em algo exequível, com qualidade superior e, acima de tudo, comercial. Penso que conseguimos encontrar um excelente equilíbrio entre os nossos conceitos criativos e a execução dos mesmos. As nossas parcerias com as fábricas, e o facto de trabalharmos com eles de mãos dados e com muita proximidade, foi essencial e conseguimos o que almejávamos. Resta trabalharmos as nossas margens, que virá naturalmente com a escalabilidade do negócio.
E por fim distribuição. Ter equipa e produto já é um achievement valioso, mas por si só não chega. É preciso conseguir levar o produto além-fronteiras, a mercados com poder de compra e que, por isso, também são muito requisitados por outras marcas. Penso que o caminho que estamos a trilhar é muito bom e o que já conseguimos (vender nos EUA, no Reino Unido, etc) em lojas nobres, permitir-nos-á alavancar ainda mais a expansão e o crescimento do negócio.
Enquanto start-up estão ligados a alguma incubadora?
Não. Nunca estivemos em nenhuma incubadora. Criei, contudo, um Advisory Board – composto por seis membros internacionais e um nacional – que nos apoia nas decisões mais importantes e com quem reunimos trimestralmente e fisicamente uma vez por mês. Os membros do Advisory Board são das mais diversas áreas, e com competências muito diferenciadoras como negociação, branding, marketing, vendas, finanças, etc. e de nacionalidades diferentes também como americana, britânica, suíça, sul-africana, francesa, chinesa e portuguesa.
“Estamos próximas de atingir o break even em breve”.
Quanto investiram na Unreal Fields? Capitais próprios ou de investidores?
Sempre capitais próprios na ordem dos 150 mil euros. Estamos próximas de atingir o break even em breve. Conseguimos ter uma estrutura de custos apelativa para investidores que pretendam fazer agora um investimento e ter um excelente retorno do mesmo.
Que tipo de produto propõem ao mercado? O que distingue a vossa proposta?
O nosso produto/calçado é contemporâneo com um design único, arrojado e com forte aposta na cor. É feito à mão em Portugal por fábricas que só trabalham com as melhores marcas. Somos uma marca também que defende que as mulheres devem sentir-se confortáveis na sua pele, sem medo para se afirmarem como personalidades vincadas e fortes.
Vão continuar a apostar apenas na oferta de calçado feminino ou planeiam diversificar?
Para já vamos focar-nos no calçado feminino, mas criámos uma marca que tem o potencial de criar outros produtos no futuro, como ready to wear (roupa), etc.
Qual é o vosso cliente tipo?
O nosso cliente tipo é uma cliente fashionista, que está atenta às últimas tendências e que pretende ter uma “peça”/par de sapatos que a distinga dos demais. Entre os 28 e 40 anos de idade, o nosso target é jovem e com poder de compra, maioritariamente americano ou inglês.
Qual vai ser o vosso volume de produção e quantas referências planeiam colocar no mercado por coleção?
Por colecção fazemos cerca de 18SKU´s no total quatro modelos, cada um com variações de cor. Para já fazemos duas coleções por ano, verão e inverno. De futuro faremos drops, lançamentos de modelos continuamente sem estação vincada.
“Portugal perdeu inquestionavelmente muito poder nos últimos anos e as pessoas não conseguem comprar calçado premium como o nosso”.
Sapatos “made in Portugal”, feitos à mão… temos mercado em Portugal para este tipo de produto?Infelizmente não. Portugal perdeu inquestionavelmente muito poder nos últimos anos e as pessoas não conseguem comprar calçado premium como o nosso. Esperemos que isso venha a mudar. Seria um orgulho conseguimos calçar mais portuguesas, mas é um elemento que não depende de nós.
Qual o vosso modelo de negócio? Loja online ou espaços físicos?
O nosso modelo de negócio é híbrido, ou seja, claro que apostamos na loja online onde vendemos 100% para os Estados Unidos, mas também estamos inseridas em plataformas e lojas estratégicas que reforçam a notoriedade da marca e do produto. Um exemplo é a Fred Segal, em Los Angeles, ou a Garmentory, uma plataforma que vende primordialmente produtos premium de marcas emergentes.
“(…) constatámos muitas dificuldades com o pouco brio profissional que as fábricas têm muitas vezes com as marcas”.
Quais as principais “dores e crescimento” que têm sentido até à data?
Eu diria que apesar do entusiasmo com uma indústria que deveria à data ser moderna, constatámos muitas dificuldades com o pouco brio profissional que as fábricas têm muitas vezes com as marcas. Falo de falhas nos tempos de entrega, na proatividade na sugestão de matérias-primas, etc. Conseguimos, no entanto, com esta aprendizagem mudar para uma fábrica que trabalha com os melhores e estamos confiantes que com eles vamos conseguir ultrapassar esses obstáculos.
Em segundo lugar, ser born global é um processo muito doloroso cujo esforço nos sai mesmo da pele. É um esforço enorme nascer aqui e tentar vingar num mercado que está tão longe de nós, mas estamos contentes com o progresso e certas que vamos vingar.
Como é que em menos de seis meses conseguiram colocar a marca à venda nos Estados Unidos, Inglaterra e Emirados?
Foi fruto de muita dedicação do lado das vendas, na medida em que levei a marca tipo vendedor caixeiro até aos Estados Unidos, visitando lojas, feiras e potenciais compradores fazendo uma abordagem pessoal, intimista e inspiradora. Depois fizemos uma feira em Paris onde conhecemos mais compradores de Inglaterra. E para além disso é muita persistência e follow up de emails e telefonemas. Numa era em que estamos todos tão ocupados a viver na nossa “bolha” conseguir atrair a atenção de alguém não é fácil.
Quais são os vossos mercados estratégicos no plano de internacionalização?
Estados Unidos, sem dúvida. Inglaterra apesar de termos abrandado desde o Brexit. E China no futuro.
Que metas têm previstas para 2020?
Escalar as vendas, expandindo principalmente para um dos nossos mercados estratégicos: Estados Unidos.
“Precisaremos em breve de investidores que compreendam e tenham sensibilidade para o retalho/moda e que queiram fazer parte de uma marca que poderá ser a primeira marca contemporânea de sucesso em Portugal”.
Quais os maiores riscos/entraves que se adivinham para a Unreal Fields?
A escalabilidade deste negócio precisa necessariamente de capital. Apesar dos capitais próprios investidos inicialmente nos terem permitido traçar os primeiros passos com força, precisaremos em breve de investidores que compreendam e tenham sensibilidade para o retalho/moda e que queiram fazer parte de uma marca que poderá ser a primeira marca contemporânea de sucesso em Portugal.