Opinião
Queria ser educadora de infância, mas acabou no mercado financeiro em Londres

O percurso profissional de Ana Luísa Cruz é no mínimo curioso. Depois de se ter licenciado na área da educação, foi no mundo da gestão e finanças que encontrou o seu caminho. Trabalha em Londres há três anos e considera que fez a aposta certa. Ao Link To Leaders contou a sua história e deixou algumas sugestões para os jovens empreendedores.
Durante a licenciatura em educação de infância Ana Luísa Cruz, 33 anos, percebeu que aquela não era a carreira que queria seguir, no entanto decidiu completar o curso. A mudança radical para o setor bancário aconteceu quando no terceiro ano do curso começou a trabalhar no Banco BPI, no departamento de recuperação de crédito. Foi ali o primeiro contacto com produtos financeiros e com a banca. Em 2012 começou a trabalhar em mercados financeiros, no BNP Paribas Securities Services, e em 2015, conjuntamente com o namorado, engenheiro civil a trabalhar na Noruega, procurou um sítio na Europa em que ambos pudessem progredir profissionalmente. Como já trabalhava para o mercado do Reino Unido no BNP Paribas, Londres tornou-se a escolha óbvia. Mudou-se para capital inglesa, em janeiro de 2016, onde foi trabalhar para o London Stock Exchange. Eis a história, em discurso direto, de uma jovem de Mafra que deixou para trás a profissão de educadora de infância para fazer carreira no mercado financeiro londrino.
Há quanto tempo encetou esta viragem profissional?
A mudança de área deveu-se ao facto de não sentir afinidade com educação de infância e ter tido a oportunidade de ingressar no ramo bancário sem formação na área. Quando ponderei desistir a meio da licenciatura, pensei em mudar para gestão ou um curso similar, mas também não tinha a certeza se seria essa a minha vocação, daí a decisão de ir até ao fim.
A oportunidade de contactar com a banca e os mercados financeiros já como profissional, ajudou a perceber que, de facto, era a área com a qual me identificava, pelo que acabou por ser um percurso pouco planeado, mas que se mostrou ser bem sucedido.
O que a levou a fazer uma pós-graduação em análise financeira? Porquê a área financeira?
A escolha pela área financeira deveu-se às circunstâncias profissionais. Após quase três anos a trabalhar no BNP Paribas, onde aprendi a atividade e fui evoluindo, sentia que tinha uma falha de conhecimentos por não ter formação na área. Como pretendia progredir e ter uma ferramenta que me pudesse ajudar, também na busca de outras oportunidades na área financeira, em 2014 ingressei na pós-graduação em Análise Financeira do ISEG.
Quais os seus objetivos quando fez a pós-graduação?
O principal objetivo era complementar o meu perfil com a componente de formação, pois apesar da experiência profissional nos ensinar bastante, considero fundamental adquirir também a parte teórica e os fundamentos da matéria que trabalhamos no dia-a-dia. Para além disso, pretendia, ainda, alargar os meus conhecimentos acerca de finanças e gestão, visto esta área ser tão abrangente. Um dos objetivos era, também ter uma ferramenta que me diferenciasse no estrangeiro caso essa oportunidade surgisse, o que acabou por acontecer.
“(…) fui contactada por alguns “headhunters”. Uma das vagas era para o London Stock Exchange, fui à entrevista e fiquei.”
E como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para Londres?
Quando surgiu a possibilidade de ir para Londres coloquei o meu perfil em alguns sites de emprego específicos da área financeira e fui contactada por alguns “headhunters”. Uma das vagas era para o London Stock Exchange, fui à entrevista e fiquei.
Atualmente, como avalia a sua opção profissional? Foi uma aposta ganha?
O balanço é bastante positivo, e sim foi uma aposta ganha. Inicialmente foi um acaso enveredar pelo setor bancário, mas a partir daí fui traçando os meus objetivos e metas que fui alcançando e assim espero continuar.
De que forma as mudanças profissionais radicais, como a sua por exemplo, podem criar melhores profissionais?
Penso que o facto de ter a desvantagem de não ter formação na área levou a que me esforçasse ainda mais. Senti bastante isso quando comecei a pós-graduação. Sentia-me perdida nos termos utilizados e matérias com as quais nunca tinha contactado, mas a vontade de aprender e ser bem-sucedida gerou um esforço extra que se revelou fundamental.
Sendo mulher, sentiu dificuldades particulares neste seu percurso no universo da City londrina?
Sim, nomeadamente com os colegas mais velhos. Talvez não só por ser mulher, mas também por ser mais nova, senti algumas vezes que achavam que eu não era apta para determinada tarefa. Por vezes foi difícil gerir os sentimentos causados por essas situações. Mas procurei dar a volta mostrando-me sempre bastante profissional e ignorando algumas situações menos felizes. Penso que o facto de não ter sentido esse tipo de discriminação por parte das chefias ajudou a que conseguisse ultrapassar essas adversidades.
“Um dos pontos positivos no mercado inglês é a relação próxima com as chefias. Sinto que existe uma relação mais estreita e com menos formalismos.”
Que diferenças encontrou na forma de trabalhar no mercado inglês? Que características, positivas ou negativas, o distinguem do mercado português
Um dos pontos positivos no mercado inglês é a relação próxima com as chefias. Sinto que existe uma relação mais estreita e com menos formalismos. Em Portugal há ainda muito a cultura do patrão como inalcançável e o trabalhador como súbdito.
Outro ponto positivo é a forma como rapidamente se pode progredir na carreira. Por ser um mercado em constante movimento, com muita oferta e procura, é ótimo para quem pretende progredir rapidamente. Basta mostrar trabalho, competência e profissionalismo e as oportunidades surgem. A outra vantagem é que caso a pessoa não esteja satisfeita e não encontre a oportunidade que procura na empresa onde se encontra, pode mudar de empresa com maior facilidade.
Um dos pontos que considero menos positivo, em comparação com Portugal, é que as pessoas se cingem exclusivamente às suas funções, ao “by the book”. Há pouco espírito de aventura e iniciativa. Sente-se alguma resistência à mudança, ao fazer diferente.
Que conselhos ou sugestões pode partilhar com os jovens empreendedores que estejam a planear uma mudança nos seus trajetos profissionais ou mesmo abraçar novas oportunidades noutros países?
Diria para serem persistentes e resilientes e não desistirem perante as adversidades, que são inevitáveis. Não é fácil mudar de país, qualquer mudança é sempre assustadora, e o período de adaptação por vezes é moroso, mas aos poucos o que era estranho e diferente passa a ser familiar e deixa de ser tão difícil. Quando nos apercebemos aquela já é a nossa vida, e tudo o que era estranho já é normal. Quando olharem para trás e para o caminho que percorreram vão sentir orgulho do que construíram e alcançaram.
“Penso que Portugal ainda está longe de oferecer aos jovens o que eles merecem pelo seu trabalho e pelo seu esforço quando terminam os seus cursos e vão para o mercado”.
À distância, como vê agora o mercado nacional no domínio do empreendedorismo e das oportunidades dadas aos jovens?
Penso que Portugal ainda está longe de oferecer aos jovens o que eles merecem pelo seu trabalho e pelo seu esforço quando terminam os seus cursos e vão para o mercado. Ainda existe muita exploração de jovens recém-licenciados. Piores condições são dadas àqueles que já estão no mercado de trabalho há anos, que não são nem recém-licenciados nem experientes. Parece-me que quem estará a dar melhor resposta e oferta a estes jovens são as empresas estrangeiras que têm estabelecido na sua maioria escritórios em Lisboa e no Porto.
Que perceção têm os ingleses do ecossistema empreendedor nacional?
Os ingleses têm pouco conhecimento do que se passa em Portugal e no mercado português bem como nos restantes países da Europa. Têm ideia de que durante a crise tivemos a intervenção do FMI, mas pouco mais do que isso. São bastante virados e fechados para eles próprios e para o que se passa no seu país, especialmente agora com a questão do Brexit.
Respostas rápidas:
O maior risco: Que o esforço seja em vão
O maior erro: Não ter seguido mais cedo o ramo de finanças/gestão
A lição mais importante: Não desistir, manter o foco nos objetivos
Maior conquista: Ter concluído a pós-graduação sem repetir nenhuma cadeira
* Senior Corporate Actions Account Manager na equipa de UK Custody no BNP Paribas Securities Services