Entrevista/ “Queremos ajudar os jovens a tomarem as melhores decisões académicas e profissionais”

“Todos os que convivemos com crianças e adolescentes percebemos que a forma como se relacionam com a tecnologia exige que o modelo de educação seja repensado para os conseguir estimular e envolver”. A afirmação é de Anabela Possidónio, fundadora da Shape Your Future, que em entrevista ao Link To Leaders explica em que consiste o novo projeto que está a apresentar ao mercado.
Depois de alguns anos ligada ao The Lisbon MBA, como diretora executiva, e depois de uma experiência, nos últimos dois anos, como integral coach, Anabela Possidónio aventura-se pela primeira vez na criação de um negócio próprio, a Shape Your Future.
O projeto, que tem como “ambição ajudar as pessoas a tomarem melhores decisões académicas e profissionais, e que quer estar presente na vida dos jovens desde o momento que fazem a primeira escolha (9.º ano) até ao início das suas carreiras, ou sempre que uma mudança se justificar”, começa agora a dar os primeiros passos com um portefólio que abarca todo o ciclo de formação.
Em entrevista ao Link To Leaders, Anabela Possidónio lembra que a pandemia acelerou o recurso às plataformas digitais, mas que isso acabou por se materializar numa réplica do modelo presencial no online, sem benefícios para alunos ou professores. Daí a importância de rever currículos e a forma como se ensina.
Para a fundadora da Shape Your Future, as relações humanas, empatia, capacidade de liderança e influência vão desempenhar um papel crítico no “novo” mercado de trabalho, assim como todas as componentes artísticas, a criatividade e a capacidade de inovação. Anabela Possidónio fala ainda das aprendizagens que conseguiu ao longo da sua carreira profissional, durante a qual percebeu que “o principal papel do líder é estar ao serviço da equipa, desenvolvê-la e tornar-se redundante”.
Como surgiu a ideia de criar a Shape Your Future?
A ideia inicial da Shape Your Future surgiu em 2013. A minha experiência em contexto universitário como diretora executiva do The Lisbon MBA Católica|Nova, assim como a experiência corporativa e a prática de coaching, contribuíram para que os amigos recorressem a mim sempre que necessitavam de ajuda. Um pedido frequente era que falasse com os seus filhos adolescentes (e com os filhos dos amigos), quando os mesmos tinham que fazer escolhas de índole académica. Ao longo dos últimos oito anos tive dezenas de conversas, e acabei por desenvolver metodologias próprias, no sentido de os guiar no processo de decisão.
No final de 2020 comecei a vivenciar a sensação de incerteza e angústia na minha própria casa. Com uma filha de 14 anos, fui-me apercebendo que tanto ela como os amigos se sentiam perdidos com o processo de escolha da área de estudos. Dei-me também conta que tinham um baixo nível de autoconhecimento e que temas como o Futuro do Trabalho e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável lhes eram desconhecidos. E se o cenário já era difícil, tinha-se agravado bastante com a pandemia. Ao deparar-me com esta realidade decidi fazer um programa com alunos dos 8.º e 9.º anos durante o confinamento. Correu de tal forma bem, que tanto os pais, como os jovens me incentivaram a lançar a Shape Your Future.
Para lá da minha própria experiência, quis aprofundar o tema da escolha profissional e deparei-me com o estudo da OCDE “Teenagers’ Career Aspirations and the Future of Work”. Confesso que fiquei bastante preocupada com algumas das conclusões do mesmo. Para se ter uma ideia da relevância deste estudo, trata-se de um subset do estudo PISA que inclui 600 mil estudantes com 15 anos. De entre as principais conclusões há a destacar que 47% dos rapazes e 53% das raparigas concentram a sua escolha em 10 profissões tradicionais do século 20 como médicos, professores, veterinários, gestores, engenheiros e polícias, sendo que muitos jovens ignoram ou desconhecem as novas profissões decorrentes da digitalização e as que estão em perigo de desaparecer.
O que é que a Shape Your Future traz de novo em termos de exploração vocacional?
Tem como ambição ajudar as pessoas a tomarem melhores decisões académicas e profissionais, e quer estar presente na vida dos jovens desde o momento que fazem a primeira escolha (9.º ano) até ao início das suas carreiras, ou sempre que uma mudança se justificar. Assenta num método inovador em formato de curso, que integra workshops e sessões individuais, desafiando os participantes a conhecerem-se melhor e a perceberem o impacto que causam nos outros. Os jovens recebem ainda informação relevante sobre o futuro do trabalho, os desafios laborais num mundo global e os objetivos de desenvolvimento sustentável. Tudo com o objetivo último de os dotar de ferramentas para uma decisão mais informada relativamente à área/curso que queiram seguir.
Os programas têm uma intensa dinâmica experiencial e de grupo, em que os participantes são expostos a vários desafios, que devem resolver em conjunto. São trabalhadas várias dimensões como o trabalho em equipa, empatia, escuta ativa, capacidade de liderança, criatividade, resolução de problemas, etc. Todas estas competências são consideradas como críticas pelo World Economic Forum.
“Com este portefólio garantimos que abarcamos o ciclo todo, cumprindo com a missão de ajudar jovens e adultos a tomarem as melhores decisões académicas e profissionais (…)”
Que tipo de programas oferecem e a quem se destinam?
Oferecemos três programas para estudantes: o Ready, para jovens que estão a frequentar o 8.º/9.º anos e a escolher o percurso no secundário; o Jump, para jovens que estão a frequentar o 11.º/12.º anos e estão a planear a candidatura à universidade; e o Dive, para jovens que estão na transição entre licenciatura e mestrado ou mercado de trabalho. Para além destes programas temos a Shape Your Future Pro, que inclui coaching, mentoring e suporte a candidaturas MBA fora de Portugal.
Com este portefólio garantimos que abarcamos o ciclo todo, cumprindo com a missão de ajudar jovens e adultos a tomarem as melhores decisões académicas e profissionais, baseadas nas suas competências e preferências. Desta forma, conseguimos ter pessoas mais motivadas, realizadas e felizes, que contribuem de forma positiva para a sociedade e economia.
“Todos os que convivemos com crianças e adolescentes, percebemos que a forma como se relacionam com a tecnologia, exige que o modelo de educação seja repensado para os conseguir estimular e envolver”.
Quais os desafios que enfrenta o ensino em Portugal atualmente?
Creio que a principal dificuldade se associa à capacidade de o ensino se adaptar a um mundo em constante mudança. Ainda temos um ensino muito baseado em decorar, quando na realidade a informação está à distância de um click. Se olharmos para as competências críticas identificadas pelo WEF (World Economic Forum), as mesmas dividem-se em quatro grandes grupos: resolução de problemas, gestão de si mesmo, trabalhar com pessoas e uso e desenvolvimento de tecnologia. As escolas deveriam estar focadas em trabalhar estas áreas, incluindo pensamento crítico, criatividade, resiliência, flexibilidade, código, capacidade de liderança e influência.
Todos os que convivemos com crianças e adolescentes, percebemos que a forma como se relacionam com a tecnologia, exige que o modelo de educação seja repensado para os conseguir estimular e envolver.
Quais as principais transformações que a pandemia veio provocar na forma como se ensina?
A pandemia veio acelerar o recurso ao uso de plataformas digitais. Dito isto, é importante que não nos enganemos e pensemos que foi uma revolução. O que aconteceu foi a replicação do modelo presencial no online, sem benefícios para alunos ou professores. Existiram ganhos ao nível da familiaridade de uso de plataformas, mas tudo indica que não ao nível do conhecimento.
“(….) as componentes que nos fazem humanos são aquelas que vão ser mais valorizadas”.
Que competências devem os mais jovens adquirir nos dias de hoje para estarem preparados para o “novo” mercado de trabalho?
Uma premissa base para estarem preparados para o mercado é a aquisição de competências digitais, como programação e capacidade de uso e de monitorização da tecnologia. A capacidade analítica, o pensamento crítico, a capacidade de resolução de problemas, a flexibilidade e uma atitude de aprendizagem contínua estarão também no topo da lista.
Finalmente, é importante não esquecer que, com o acelerar da digitalização, as componentes que nos fazem humanos são aquelas que vão ser mais valorizadas. Relações humanas, empatia, capacidade de liderança e influência, vão desempenhar um papel crítico. Assim como todas as componentes artísticas, a criatividade e a capacidade de inovação.
As escolas ditas” tradicionais” estão a fazer bem o seu trabalho?
Creio que não podemos colocar a questão ao nível das escolas, mas sim ao nível das políticas de educação. A escola tem que dotar os alunos das competências críticas mencionadas na questão anterior, por forma a que sejam empregáveis e consigam acrescentar valor. Os currículos e a forma como se ensina têm que ser revistos, para conseguirem cumprir essa missão.
Segundo um estudo da McKinsey sobre o impacto da Covid-19 no contexto laboral, cerca de 25% dos trabalhadores terão de procurar novas profissões até 2030. Esta transformação acontece, sobretudo, nas ocupações que exigem baixas qualificações, em particular em áreas como o atendimento ao público ou de suporte administrativo. Como é possível criar oportunidades para todos?
Vai ser fundamental fazer o upskilling e reskilling das pessoas e as empresas terão que exercer um papel fundamental nessa transformação. Terão que garantir que os seus colaboradores são empregáveis, na sua ou noutra organização.
Embora existam muitas profissões que vão desaparecer, também irão aparecer novas. E a requalificação deverá ser feita para fazer face a essas novas necessidades.
(…) percebi que o principal papel do líder é estar ao serviço da equipa, desenvolvê-la e tornar-se redundante”.
Exerceu cargos de liderança em diversas empresas e países. Qual o principal desafio que enfrentou até agora e que lições de liderança aprendeu?
Na realidade é difícil escolher apenas um desafio, tendo em consideração a diversidade de projetos em que já estive envolvida. Tendo que nomear um, diria que o maior desafio foi assumir a direção de marketing do negócio de retalho da BP no México. Do ponto de vista pessoal, ir viver sozinha para uma cidade de 22 milhões de habitantes e que era a 2.ª cidade do mundo com maior número de raptos, deu-me um conceito completamente diferente do que é segurança. Passei a apreciar muito mais a liberdade de poder passear por Lisboa a qualquer hora do dia.
Do ponto de vista profissional tinha apenas 31 anos e era a primeira vez que assumia um cargo de direção, com uma equipa relativamente grande. O mandato era escolher a marca e a oferta de conveniência com que a BP operaria no México, dado que o mercado era regulado e todos os postos de abastecimento tinham a marca Pemex. Este seria o elemento diferenciador para a BP preparar a entrada no mercado, quando deixasse de ser regulado.
Para além disso, tinha que preparar a equipa para assumir o negócio ao fim de dois anos. E este foi sem dúvida o desafio que mais me fez crescer como líder. Tive que ter a capacidade de entender as diferenças culturais, perceber o papel da hierarquia na cultura e preparar uma equipa para ser mais autónoma, para acreditar no seu potencial e ganhar a capacidade de tomar decisões.
Na minha primeira função como diretora, percebi que o principal papel do líder é estar ao serviço da equipa, desenvolvê-la e tornar-se redundante. Esta foi a grande lição que sempre me tem acompanhado ao longo da minha carreira. Tenho tido a oportunidade de liderar equipas extraordinárias, a quem gosto de dar desafios que lhes permitam crescer e superar-se. Desenvolver pessoas e testemunhar a sua evolução é o que verdadeiramente me energiza.
É a primeira vez que se lança num negócio próprio?
É a primeira vez que lanço um negócio próprio, sendo que nas empresas onde trabalhei sempre assumi o papel de intra-empreendora. Esta minha característica permitiu-me desenvolver projetos e negócios únicos. Nesse aspeto posso dizer que fui uma privilegiada, dado que as empresas por onde passei souberam identificar e potenciar essa minha faceta.
Cabe-me agora perceber como é que se lançam e se desenvolvem negócios sem rede. Estou consciente que será bem diferente e que tenho muito a aprender com os que se iniciaram na aventura do empreendedorismo antes de mim.
Como gere as solicitações e as prioridades entre a sua vida profissional e familiar?
Desde que nasceu a minha primeira filha percebi que ia precisar de ajuda. Nessa altura tinha uma função internacional e estava fora de Portugal entre dois a três dias por semana. Optei por uma babysitter, na altura com 18 anos, e que ainda hoje nos acompanha na logística e apoio escolar ao final do dia. Na realidade a Inês é quase a terceira filha, sendo que entre a família a batizaram carinhosamente de baby sister.
Tirando a questão logística, faço questão de acompanhar as minhas filhas em todas as atividades estruturantes e importantes. Nesses momentos elas ganham prioridade relativamente a tudo o resto. Tenho também uma agenda partilhada com o meu marido, por forma a podermos assegurar que as nossas atividades profissionais se conseguem conciliar uma com a outra, bem como com a nossa vida familiar.
“Uma das grandes falhas dos líderes reside na gestão de si próprios. Muitos deles não conseguem cuidar da mente e corpo de forma equilibrada, ficando muitas vezes exaustos. Isso tira-lhes energia, foco e criatividade”.
Onde mais tendem a falhar os líderes e em que competências devem apostar para um melhor exercício das suas funções?
Falar de forma genérica sobre falhas de liderança é sempre difícil dado que cada pessoa é única. Dito isto, creio que existem algumas falhas que são mais transversais e que vou tentar elencar. Uma das grandes falhas dos líderes reside na gestão de si próprios. Muitos deles não conseguem cuidar da mente e corpo de forma equilibrada, ficando muitas vezes exaustos. Isso tira-lhes energia, foco e criatividade.
Uma outra falha comum é estarem muito focados nos números e não darem a devida importância à cultura e às pessoas. O sucesso de implementação vai depender das equipas e há que garantir que o plano é corretamente comunicado, que as pessoas o percebem e que lhe são dadas as ferramentas (incluindo delegação) para o fazer acontecer. Finalmente não posso deixar de mencionar que alguns líderes ouvem pouco e que não estão abertos à crítica por parte das suas equipas.
Em termos das áreas em que devem apostar, gostaria de mencionar três: cultura de aprendizagem contínua, aposta no desenvolvimento de competências digitais e gestão de talento.
O mundo está a andar demasiado rápido e para conseguir desenvolver um negócio tem que se estar continuamente a aprender, e nessa linha há que destacar o papel da tecnologia. É fundamental perceber as potencialidades e riscos que a tecnologia abre.
Finalmente, gostaria de mencionar que num mundo cada vez mais digitalizado, o que vai fazer a diferença são as pessoas. Ter a capacidade de atrair e reter talento vai ser um dos maiores desafios das lideranças. Vão ter que ter a capacidade de perceber o que motiva as pessoas, dar-lhes projetos que lhes interessem e dar-lhes espaço para serem criativas. Com o aumento da gig economy, reter pessoas vai ser um desafio cada vez maior.
“Temos a ambição de poder contribuir para que as pessoas (…) possam tomar decisões académicas e profissionais mais informadas, independentemente do seu local de residência”.
Como projeta o futuro da Shape Your Future?
A Shape Your Future começa agora a dar os seus primeiros passos e nasce como uma empresa global. Temos a ambição de poder contribuir para que as pessoas, com ênfase nos jovens, possam tomar decisões académicas e profissionais mais informadas, independentemente do seu local de residência.
Os programas serão online, com versões em português e inglês. Com a evolução positiva da situação pandémica estamos também a considerar vir a ter formatos híbridos ou presenciais. Para lá da abrangência geográfica queremos conseguir chegar a um leque mais alargado de jovens, além dos que conseguem pagar. Nesse sentido estamos a trabalhar no desenvolvimento de modelos que sejam passíveis de ser mais facilmente escalados.
Temos também a ambição de ir lançando novos produtos que promovam o desenvolvimento de competências dos estudantes, mas para já estamos focados na implementação dos programas que já mencionei.
Respostas rápidas:
O maior risco: ter ido viver sozinha para a Cidade do México.
O maior erro: nunca ter encontrado tempo para fazer uma sabática.
A maior lição: efeito borboleta aplicado à liderança – quando um líder toma uma ‘pequena’ decisão, pode gerar um tsunami.
A maior conquista: poder escolher os projetos onde quero estar.