Opinião
Que Estado Social no pós-Covid-19?
A crise sanitária que o mundo enfrenta catapultou a importância e as funções do Estado, não só nos apoios sociais, mas sobretudo no equilíbrio financeiro do sistema económico.
O financiamento e a gestão da Segurança Social, por parte do Estado e o inerente controlo público garantem, hoje, aos portugueses, respostas e apoios sociais numa economia estagnada.
A proteção social do Modelo Social Europeu, tantas vezes condicionada por um suposto “desenvolvimento harmonioso e equilibrado das atividades económicas”, foi colocada em causa durante décadas, com o pretexto das dificuldades de financiamento dos vários regimes de Segurança Social.
A viabilidade financeira dos regimes de pensões a longo prazo (com o aumento da esperança média de vida e a quebra da natalidade), as taxas crescentes de desemprego de longa duração (com destaque para os jovens à procura do primeiro emprego) e a necessidade de cumprir as metas do défice público têm exigido de Portugal, e dos restantes países da União Europeia, a adoção de políticas fiscais redistributivas a favor dos reformados e de outros beneficiários da Segurança Social.
Alguns partidos e governos, numa clara manipulação política, têm gerado um sentimento de insegurança relativamente ao pagamento das contribuições sociais, com consequências negativas sobre o próprio sistema público, abrindo espaço para, de forma imoral, implementarem sistemas de Segurança Social privados.
Em Portugal evitaram-se essas tentações e reforçaram-se as políticas económicas e sociais, através da criação de emprego e do incremento do ensino e da formação do capital humano. Estas medidas têm permitido qualificar os portugueses, dinamizar a economia, aumentar as receitas do Estado através das contribuições sociais e, consequentemente, diminuir as despesas das prestações sociais. Foi esta a “receita” de combate à crise e à austeridade: criar emprego e pôr a economia a funcionar.
Desta forma reconquistou-se a confiança dos cidadãos. Hoje o Estado apoia os portugueses, paga as reformas, investe no sistema de saúde público e enfrenta, solidariamente, uma grave crise sanitária e económica. Imaginem como estaríamos agora se, a Segurança Social ou o Sistema Nacional de Saúde estivessem privatizados…
A situação atípica que atravessamos reforça a importância social do Estado. O papel do Estado não passa pela obrigatoriedade do controlo de todas as funções de interesse geral e de utilidade pública. Com equilíbrio e complementaridade devemos continuar a confiar na qualidade de um conjunto de serviços que, ao longo de décadas, têm sido prestados por empresas e instituições privadas nas áreas da educação e da formação, por exemplo. Refiro estas por se tratarem de eixos fundamentais para a aquisição de conhecimentos, para o desenvolvimento de competências e valores que permitam obter cidadãos e profissionais criativos, conscientes, comprometidos, colaborativos e comunicativos. Jovens cidadãos habilitados para os desafios presentes e futuros de um mundo em constante evolução, com a educação enquanto pilar estrutural.
O Estado Social do pós Covid-19 não necessita de preconceitos ideológicos, de condicionantes financeiras, teses ou conspirações. Com discernimento, urge consagrar as instituições públicas e privadas que estão a responder aos desafios presentes, de reforçar a confiança no Estado e em todas as empresas que, com fiabilidade, têm comprovado a qualidade dos seus serviços, evidenciado rigor na sua atuação e cumprido com as suas responsabilidades financeiras, laborais e sociais. Desta forma garantiremos solidez às funções sociais do Estado, complementando-as com as restantes atividades económicas que preconizam dinâmica, iniciativa, inovação, empreendedorismo e desenvolvimento para o nosso país.
João Caldeira Heitor é licenciado em Português/Inglês pelo Instituto Jean Piaget, tem um doutoramento em Turismo pela Universidade de Lisboa, é mestre em Educação e Administração Escolar pela Universidade de Évora e pós-graduado em Gestão de Bibliotecas Escolares, pelo Instituto Superior de Línguas Aplicadas.
Paralelamente é investigador colaborador do Centro de Investigação, Desenvolvimento e Inovação em Turismo (CiTUR Leiria). Além das diversas publicações efetuadas também é orador em vários congressos nacionais e internacionais. Ao longo do seu percurso profissional desenvolveu atividades de docência em diversas instituições de ensino superior. Atualmente é o secretário-geral do Instituto Superior de Gestão (ISG).