Opinião

Quando a confiança se sobrepõe à competência

Tiago Rodrigues, CEO da AEDL, Auto-Estradas do Douro Litoral

Governar um país é, a meu ver, uma das funções mais nobres, mas também mais complexas, difíceis e desgastantes que alguém pode desempenhar. Atrair mais pessoas competentes, sofisticadas, com “mundo” e experiência diferenciada parece-me fundamental para o seu sucesso.

Governar um país é, a meu ver, uma das funções mais nobres, mas também mais complexas, difíceis e desgastantes que alguém pode desempenhar. Digo-o por mera perceção pessoal e sem conhecimento de causa, não tendo eu qualquer experiência de natureza política ou governativa.

Aos elementos, controláveis ou não, que a gestão na esfera privada está normalmente sujeita, acrescem alguns outros que me parecem mais aplicáveis ao exercício de uma função governativa, como sejam:

(i) A multiplicidade de dossiers e a correspondente complexidade e dimensão administrativa e organizacional (horizontal e vertical) sob gestão;

(ii) Uma maior burocracia processual, em benefício (na teoria, pelo menos) da rigorosa gestão pública, mas com prejuízo da agilidade e da rapidez de execução;

(iii) Uma menor amplitude para a implementação de medidas e incentivos que permitam a (tão importante) defesa e valorização da meritocracia;

(iv) Uma maior dificuldade na execução de iniciativas ou projetos impopulares, seja pela saudável (quando construtiva) oposição política, ou pela resistência ou aversão à mudança de um povo que me parece marcadamente conservador;

(v) O constante escrutínio público, desejável e compreensível, mas nem sempre com o nível de tolerância que deveria existir;

(vi) O elevado mediatismo, por vezes demasiado intrusivo na esfera pessoal;

(Vii) O desgaste físico e emocional associado a uma função que exige uma disponibilidade quase permanente, em prejuízo da vida pessoal e familiar;

e, por último, quiçá o elemento mais importante, porventura resultante do cúmulo dos pontos anteriores,

(vii) A evidente dificuldade em atrair mais gente competente, sofisticada, com “mundo” e experiência diferenciada, para o que também contribui, além dos pontos acima elencados, uma remuneração manifestamente desequilibrada face à complexidade e responsabilidade inerentes à função 1.

Em suma, gerir múltiplos dossiers (i), trabalhar num contexto burocrático ou que não valoriza a meritocracia (ii e iii), enfrentar dificuldades na execução de projetos (iv), ser continuamente escrutinado (accountable) (v), ter exposição mediática (vi), ou sofrer com o desgaste profissional (vii), será algo a que os gestores na esfera privada estarão habituados e não necessariamente nefasto para as respetivas organizações, talvez excetuando os pontos (iii) e (vii).

Por outro lado, tentar gerir uma organização com escassez de gente capaz e à altura das responsabilidades que lhe estão confiadas (viii) é meio-caminho andado para o desastre.

Além dos vários pontos acima listados, existe um outro que, a meu ver, contribui igualmente para limitar a atração de mais gente capaz para a nobre causa pública.

Quando uma grande empresa privada contrata alguém até então desconhecido para o seu executivo, acredita que uma diligência prévia adequada, aliada ao perfil e experiência do executivo serão suficientes para este ser bem-sucedido na respetiva função, com isso contribuindo para o sucesso da empresa.

A referida diligência visa minimizar, na medida do possível, os riscos de incompatibilidade entre a empresa, considerando as suas características (setor de atividade, abrangência geográfica, cultura organizacional, estágio financeiro, etc.) e variáveis exógenas a que está sujeita (contexto de mercado, condicionantes económicas, etc.), e o novo executivo, tendo em conta o respetivo perfil e aptidões técnicas e comportamentais.

Regra geral, a maior ou menor eficácia nesta diligência, neutralizando aspetos não controláveis, acabará por determinar o grau de sucesso na relação entre as partes.

Mas qual será, afinal, o nível de confiança intrínseca que a empresa tem nesse seu novo executivo, desconhecido até então, quando o acolhe nos seus quadros?

Diria que bastante limitada – com efeito, a confiança entre o novo executivo e os seus pares, chefias, subordinados e a empresa em geral far-se-á de forma progressiva e ao longo do tempo.

Claro que a empresa tem ao seu dispor um conjunto de ferramentas e incentivos no sentido de promover um adequado alinhamento de interesses entre as partes, fazendo com que o fator confiança, ainda que evidentemente imprescindível, não o seja tanto numa fase inicial.

Por outras palavras, quem conduz os destinos da empresa entende que a competência, a capacidade e a experiência do novo executivo, aliada a objetivos funcionais claros e bem definidos, se sobrepõem ao fator confiança, não que este não seja crucial, aceitando-se que o mesmo será natural e progressivamente fortalecido ao longo do tempo.

Ora, esta abordagem contrasta com a muitas vezes adotada na escolha de pessoas para o exercício de funções governativas, em que a confiança política (assente num alinhamento ideológico comum ou numa lealdade partidária), tende a assumir uma primazia quase absoluta, em detrimento (em alguns casos) da competência e da experiência verdadeiramente diferenciada que outras pessoas poderiam seguramente oferecer.

Talvez a mudança que muitos ambicionam para o nosso país possa, também, começar por aqui. Assim haja gente disposta a sujeitar-se aos elementos e circunstâncias inicialmente elencados.

P.S. – Este texto é politicamente apartidário e resulta de uma perceção pessoal, preocupante a meu ver, de uma progressiva dificuldade em atrair pessoas capazes e com experiência diferenciada para funções governativas (ou para a por vezes muito complexa gestão pública). Este fenómeno também se verifica na esfera privada, mas aí o problema é de quem o pratica.

  1. Mesmo admitindo, como me parece justo reconhecer, que o fator remuneratório não estará no topo das preocupações ou exigências de quem aceita exercer funções governativas.
Comentários
Tiago Rodrigues

Tiago Rodrigues

Tiago Rodrigues conta com mais de quinze anos em funções de gestão e administração em empresas de energia, infraestrutura, turismo e imobiliário e oito anos como consultor, com experiência de vida, profissional e académica em Portugal, Brasil, Reino Unido e EUA. Concluiu um programa de liderança em Harvard, uma pós-graduação em finanças, uma licenciatura em economia e um bacharelato em contabilidade e administração. Foi palestrante em dezenas de eventos de negócios na Europa e em programas de universidades portuguesas. Gosta... Ler Mais..

Artigos Relacionados