Opinião

Qual o fator crucial de sucesso na Indústria 4.0?

Manuel Fradinho Oliveira, CEO e cofundador da KIT-AR

Desde 2010 que assistimos a um movimento de transformação único que visa digitalizar todos os processos produtivos na indústria. Este movimento promoveu o aparecimento de profissionais especialistas na hierarquia das empresas, é ubíquo no planeamento do setor secundário do futuro e a sua designação – Indústria 4.0 – destaca bem a relevância que lhe damos, no âmbito da nossa história económica e social.

Se na primeira revolução industrial, máquinas movidas a água e vapor ajudaram-nos a massificar a produção,  a segunda e terceira revoluções maximizaram esse efeito, ao integrar linhas de produção e computadores nas fábricas. Nesta quarta revolução industrial, os objetivos continuam a ser disruptivos e elementos físicos e digitais coexistem agora no chão de fábrica e, à medida que criamos fórmulas eficientes de colaboração entre eles, viabilizamos uma verdadeira reformulação dos processos de produção e de toda a cadeia de valor na indústria.

O smart manufacturing e smart logistics estão a criar novas cadeias de fornecimento e a integração destes com softwares já existentes, como ERP (Enterprise Resource Planning) ou MES (Manufacturing Execution Systems) aumentou exponencialmente o número de dados recolhidos e tratados – o que cria oportunidades únicas para o crescimento das organizações.

Hoje é possível, com recurso a realidade aumentada, a um operador no shopfloor aceder passo a passo aos procedimentos que irá realizar e pode mesmo beneficiar de controlos de qualidade automáticos ao longo da sua jornada de trabalho, realizados por algoritmos.

Da mesma forma, um diretor de qualidade tem hoje ferramentas para reunir evidências digitais de cada processo realizado em tempo real. Todos os gestores podem obter conhecimento em tempo real das suas operações, otimizar os processos e implementarem de facto os princípios do Lean manufacturing e de melhoria contínua, com recurso a estas ferramentas tecnológicas.

Assim, é seguro afirmar que a evidência das oportunidades e maturidade tecnológicas é incontornável. A digitalização de processos está em curso e a automatização consequente também. Contudo e não obstante as mais-valias fantásticas que a velocidade de dados e tecnologias emergentes nos trazem, acredito que o sucesso ou insucesso de iniciativas de Indústria 4.0 não é ditado por temas tecnológicos.

Isto porque a disrupção de processos leva necessariamente a uma disrupção de comportamentos. Hoje, porque existem as soluções de tecnologias emergentes e algoritmos que referi acima, os trabalhadores de chão de fábrica sentem uma nova necessidade de interagir de forma eficiente e crescente com essa tecnologia; precisam de desenvolver competências adicionais para a interpretação da sua nova função e criar um mindset adequado a esta nova realidade. O papel dos trabalhadores na indústria mudou e ajudar cada um deles a interpretar as suas novas tarefas é o verdadeiro desafio desta quarta revolução industrial.

O fator crucial para o sucesso deste momento na História da Humanidade é – como em todos os outros – a própria Humanidade. A centralização das soluções tecnológicas da Indústria 4.0 no Ser Humano, aumentando-o, servindo-o, acelerando a sua capacidade de interagir com contextos de mudança é o caminho para concretizar o valor desta transformação. Em todas as revoluções industriais anteriores, a tecnologia e os processos de produção assumiram o palco, sem considerar os trabalhadores, quando na verdade são um dos pilares fundamentais deste processo de transformação – a tecnologia só por si não resolve problemas.

Felizmente, estamos num momento em que a tecnologia permite realizar essa focalização na experiência do utilizador e expandir a capacidade dos trabalhadores atuarem integrados no contexto digital da fábrica. Permite enviarem e receberem mais dados, mais rapidamente, de sistemas de gestão e de todos os equipamentos e, sobretudo, desenvolver ferramentas preparadas para facilitar a adoção de novos passos, a interação crescente com novos sistemas.

A esse processo chamamos de Human Augmentation e, a par da formação contínua de competências, permite uma capacitação de cada trabalhador que melhora e amplia as suas capacidades de trabalho. As tecnologias emergentes abrem assim uma oportunidade de transformação não apenas para a infraestrutura, mas igualmente para cada colaborador, que pode agora literalmente ver a informação que precisa quando precisa e tomar as melhores decisões continuamente, numa relação laboral simbiótica com as máquinas ao seu redor. Tanto as organizações valorizarem esse mindset de transformação digital, bem como as pessoas e as suas competências ao longo desta revolução.

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Manuel Fradinho Oliveira é CEO e cofundador da KIT-AR, start-up dedicada a aumentar o conhecimento e capacidades dos trabalhadores na Indústria 4.0 através de tecnologias emergentes. Recebeu o seu doutoramento em Computer Science pela University College of London em 2008, e avançou para uma carreira de investigação aplicada em diversos domínios, desde smart manufacturing e inovação social a smart cities.
É investigador científico senior no SINTEF em temas ligados à indústria transformadora, logística, telecomunicações, formação e aprendizagem. Foi coordenador científico de vários projetos europeus, o mais recente orientado a trabalhadores digitalmente aumentados em ambientes de smart manufacturing.
Em 2012, cofundou a HighSkillz, uma empresa premiada na área da gamificação para o ensino, é autor de diversas publicações cientificas e teve, ao longo do seu percurso profissional, experiência de gestão de empresas e de coordenação de equipas de investigação em centros como SINTEF ou Politécnico de Milão.

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