Opinião
Portugal trata mal o voluntariado
No final de julho, o Governo lançou, através da CASES e com cofinanciamento do PO ISE – Programa Operacional Inclusão Social e Emprego, a Plataforma Portugal Voluntário (www.portugalvoluntario.pt) e um conjunto de medidas de apoio ao voluntariado “que pretendem tornar esta prática mais dinâmica, mais qualificada e mais responsável”.
Neste contexto, no dia 31 de julho, foi publicada a Portaria n.º 389/18, que cria a medida Apoio ao Voluntariado, a qual consiste na concessão, às organizações promotoras de voluntariado inscritas e acreditadas na referida Plataforma (e que desenvolvam ações de voluntariado de continuidade no domínio da ação social), de um apoio financeiro destinado ao financiamento das despesas em que essas organizações incorram com o seguro obrigatório de acidentes pessoais e de responsabilidade civil dos voluntários. Será ainda disponibilizada, ao que tudo indica até ao final do ano, uma linha de financiamento de ações de formação e sensibilização do voluntariado, para qualificação do trabalho voluntário, na componente de capacitação dos voluntários e das entidades promotoras de ações de voluntariado.
Através destas medidas, serão disponibilizados até 2021 cerca de cinco milhões de euros para o desenvolvimento e promoção do voluntariado.
Até aqui, só boas notícias.
Um olhar mais fundo sobre o tema permite porém constatar que, ao invés do que parece, Portugal não apoia o voluntariado. E, se nada for feito para endereçar aquilo que está estruturalmente errado, estas medidas ad hoc, ainda que bem vindas, de pouco servirão, não permitindo atingir o propalado objetivo de garantir “a consolidação e expansão do voluntariado” ou de assegurar que “o trabalho voluntário não só prossiga, como ganhe um maior dinamismo e um maior reconhecimento”.
Na verdade, o que mais importaria seria alterar a legislação que regula o regime jurídico do voluntariado, profundamente anacrónica, desfasada da realidade do mundo de hoje e muito pouco amiga do voluntariado em geral e do voluntariado corporativo em particular.
Basta, por exemplo, ver o caráter redutor com que a Lei n.º 71/98 de 3 de novembro (que está quase a fazer 20 anos!) define o conceito de “entidade promotora do voluntariado”, para constatar não apenas que esta não é uma lei adaptada aos tempos atuais, como que não é uma lei capaz de atingir os objetivos que o Estado diz querer prosseguir.
Para a lei atual, apenas podem ser consideradas entidades promotoras do voluntariado (i) pessoas coletivas de direito público, pessoas coletivas de utilidade pública administrativa (conceito anacrónico e em vias de extinção) e (iii) pessoas coletivas de utilidade pública, incluindo as IPSS. De fora ficam, assim, de forma tão injustificada quanto incompreensível, milhares de organizações sem fins lucrativos, pela mera circunstância de não serem detentoras do estatuto de “pessoa coletiva de utilidade pública”, o que não faz qualquer sentido. De notar que tal estatuto, sendo atribuído de forma automática a um núcleo reduzido de entidades (como as IPSS), não é fácil, nem rápido, de alcançar pelas demais.
De pouco serve, assim, que a lei proclame que “o Estado reconhece o valor social do voluntariado como expressão do exercício livre de uma cidadania ativa e solidária e promove e garante a sua autonomia e pluralismo”, se depois veda a um sem número de organizações da Economia Social, o seu mero reconhecimento como “entidade promotora do voluntariado”.
É também lamentável que a lei não reconheça, sequer, o voluntário corporativo, apesar do crescente contributo que este tipo de voluntariado vem dando para o fortalecimento das entidades da Economia Social em Portugal e de ser cada vez maior o número de empresas que colocam o tempo (pago) dos seus colaboradores ao serviço da Comunidade.
Consciente da importância de mudar este paradigma, o GRACE lançou este ano o Prémio de Voluntariado Corporativo Elza Chambel. Este prémio pretende, para além de homenagear uma personalidade incontornável da intervenção social, percursora, promotora e grande dinamizadora do voluntariado em Portugal, dar visibilidade e promover o reconhecimento público do voluntariado corporativo desenvolvido pelas empresas, sensibilizar a sociedade para a importância do voluntariado como forma de cidadania ativa, bem como divulgar e promover a disseminação de boas práticas das empresas cidadãs. Podem candidatar-se a este prémio, até 30 de setembro de cada ano, todas as empresas que desenvolvam programas de voluntariado, independentemente de serem ou não associadas do GRACE, e o GRACE espera que este Prémio sirva o seu desígnio, conferindo ao voluntariado empresarial uma dignidade que a lei injustificadamente não lhe atribui.
*Em representação da Vieira de Almeida & Associados – Sociedade de Advogados