Entrevista/ “Podemos ser tão bons ou melhores que outros ecossistemas de inovação no mundo”
Pedro Lopes, secretário de Estado para a Inovação e Formação Profissional de Cabo Verde, fala do primeiro aniversário da Cabo Verde Digital, uma agência que promove o empreendedorismo e a inovação, e que pretende criar um polo de desenvolvimento digital no continente africano. O governante destaca ainda o apoio às start-ups e o foco em atrair e reter talento para o país.
Pedro Lopes organizou o primeiro TEDx em Cabo Verde, foi fundador da organização Geração B-Bright, que tem como objetivo estimular o empreendedorismo dos jovens cabo-verdianos. Em 2017, ganhou o prémio nacional “Somos Cabo Verde“, na categoria de inovação e empreendedorismo, e foi selecionado pelo governo americano para participar no programa The Young African Leaders Initiative.
Em 2018, integrou a lista dos afrodescendentes mais influentes do mundo com menos de 40 anos de idade e foi escolhido pelo ex-presidente americano Barack Obama para integrar a sua primeira iniciativa de liderança em África.
Aos 31 anos de idade foi nomeado secretário de Estado para a Inovação e Formação Profissional e tornou-se no mais jovem membro do Governo de Cabo Verde. O Link To Leaders falou com o governante sobre a Cabo Verde Digital e as principais iniciativas da agência, como a Bolsa Cabo Verde Digital (apoia financeiramente as start-ups e que faz também a sua incubação e aceleração), e a Kode Verde (ensina jovens a programar, em parceria com a Academia do Código), e dos projetos para o futuro que visam atrair empresas nacionais e internacionais.
Como surgiu a ideia de lançarem o Cabo Verde Digital?
A ideia surgiu na necessidade de criar uma plataforma que pudesse capacitar e conectar atores públicos e privados, promover espírito colaborativo e soluções inovadoras. Este foi o objetivo do Governo de Cabo Verde aquando da criação da Cabo Verde Digital, que tem como missão desenvolver o empreendedorismo de base tecnológica e contribuir para a criação de um ambiente propício à inovação em Cabo Verde, ficando sobre a responsabilidade da Pró Empresa – que é o nosso instituto público de promoção empresarial.
O nosso país já há algum tempo que é reconhecido pelo trabalho feito na governação digital e por aquilo que tem sido alcançado no setor público, nomeadamente através da NOSi- Núcleo Operacional de Sociedade de Informação. O que queríamos era que pudéssemos igualmente dar passos em frente no apoio ao setor privado e pudéssemos acompanhar a nova tendência de formação, mas também de criação de oportunidades de base digital. Criámos primeiramente uma comunidade e com o apoio dos nossos parceiros internacionais, como a Startup Portugal que nos apoia desde o início, estamos a dar passos firmes para a consolidação de um ecossistema de que fazem parte os jovens, as universidades, as empresas públicas e privadas, as ONG deste setor e o Governo de Cabo Verde.
Que balanço faz do projeto e quais os momentos mais marcantes deste primeiro ano?
Um balanço bastante positivo, o concretizar de um sonho para muitos cabo-verdianos que trabalham com o setor digital e que acreditam que podemos ser tão bons ou melhores que outros ecossistemas de inovação no Mundo.
Destaque para a nossa presença no WebSummit em 2019, com um country stand – o primeiro país africano a ter presença desta forma no maior evento de tecnologia do mundo, com 20 participantes de Cabo Verde. O governo fez um forte investimentos na participação das nossas start-ups, preparando a sua participação meses antes da data do evento com o apoio do especialista israelita Eli David que se descolou propositadamente a Cabo Verde para uma formação intensiva às nossas start-ups.
No âmbito da nossa ida até Portugal, decidimos abrir o Cabo Verde Digital ao mundo e aproveitar também a larga presença da nossa diáspora em Portugal para fazer o lançamento da nossa plataforma e das ações que se iriam realizar durante todo o ano, um evento que contou com a honrosa presença do grande impulsionador da Cabo Verde Digital, o nosso Primeiro-Ministro Ulisses Correia e Silva e serviu para fazer o anúncio dos nossos Embaixadores CVD : Dino D´Santiago (artista), Arlinda Peixoto (empresária das TIC em Cabo Verde), Elisabeth Moreno (Ministra da Igualdade em França, na altura, Presidente da HP para África) e Victor Barros (empresário da nossa Diáspora nos EUA).
Lançámos o primeiro programa de empreendedorismo digital de Cabo Verde, a Bolsa Cabo Verde Digital que permitiu o apoio/criação de 35 start-ups logo na sua primeira edição. O objetivo é apoiarmos 100 jovens por ano e 50 start-ups, o programa consiste em apoio financeiro até dois jovens por start-up, apoio empresarial e incubação através da nossa parceria com as empresas de telecomunicações – Unitel T+ e CVTelecom – ed as nossas universidades. O Governo apoia financeiramente os jovens e dá o apoio empresarial através de instituições públicas como a Pró Empresa e os parceiros cedem o espaço, dão apoio técnico, mentoria, acesso à internet e todas as condições para que os jovens se concentrem exclusivamente na concretização do seu talento em negócio.
O programa Code for All Cabo Verde, em parceria com a Academia de Código, que já está a formar 22 jovens cabo-verdianos em programação. O nosso objetivo é formar 100 jovens por ano. Para se candidatarem, não precisam de formação académica, apenas vontade de dar um novo rumo à sua vida. Através dos nossos parceiros garantimos também uma taxa alta de empregabilidade dos jovens que participam nesta formação.
Dou destaque também para a visita a Cabo Verde de Paddy Cosgrave, CEO do WebSummit, que a convite do nosso Primeiro Ministro, veio ver in-loco aquilo que está a ser feito no setor da inovação e ficou bastante surpreendido com os avanços do nosso país na formação de jovens e na criação de oportunidades para o Digital.
“No setor do digital já foram apoiados por diversos programas do Governo de Cabo Verde, não só no âmbito desta iniciativa, mas também os programas da NOSi, Pró Empresa e Instituto de Emprego e Formação Profissional desde 2016, cerca de 15 mil jovens”.
Quantos jovens já foram apoiados até agora no âmbito desta iniciativa?
No setor do digital, desde 2016, já foram apoiados cerca de 15 mil jovens por diversos programas do Governo de Cabo Verde e não só no âmbito desta iniciativa. Por exemplo, foram apoiados também através dos programas da NOSi, Pró Empresa e Instituto de Emprego e Formação Profissional.
Que iniciativas têm previstas para o próximo ano no âmbito do Cabo Verde Digital?
Continuar a reforçar os programas que desenvolvemos durante 2020, todos eles são projetos pioneiros que vão precisar de afinamentos nas suas segundas fases, mas vamos continuar a apostar na formação e na criação de oportunidades para os jovens no âmbito do Digital, estando já garantida a segunda edição da Bolsa Cabo Verde Digital e também a segunda edição da formação em Programação. Queremos igualmente continuar a dar visibilidade às nossas start-ups, viabilizando a sua presença em palcos internacionais e realizar um projeto único de ligação à nossa diáspora, projeto esse que ainda está a ser preparado para anunciar no trimestre de 2021.
Quais os setores que mais atraem os jovens em Cabo Verde?
O Turismo é certamente o setor que mais atrai a juventude, até por aquilo que representa para a economia do país, mas também setor cultural pela importância que tem na nossa história e na nossa essência. Os jovens estão a virar-se cada vez mais para as energias renováveis, começam a descobrir também a importância da economia marítima e a transformação de serviços que já rendem de forma analógica e que podem render ainda mais utilizando plataformas digitais, como é o caso dos transportes ou da alimentação.
Que outras iniciativas tem lançado o Governo de Cabo Verde no sentido de transformar Cabo Verde numa plataforma digital?
O Governo fez um grande investimento em dois projetos que já estão na sua fase final e que estarão concluídos no primeiro semestre de 2021. A construção de um novo Parque tecnológico na Cidade da Praia em São Vicente, uma aposta no futuro, feita no presente, para servir não só Cabo Verde, mas também a nossa sub-região. Estamos a fazer igualmente um grande investimento no reforço da nossa conectividade internacional que vai permitir assegurar a nossa conexão com o mundo, mas também Internet mais rápida, o cabo submarino Ella Link que vai ligar a América Latina à Europa e que vai passar por Cabo Verde.
Temos o objetivo de ser a porta de entrada para o continente Africano, o continente do futuro, mas também queremos posicionar-nos como um hub digital no Atlântico, a meio caminho entre Europa, América do Sul, América do Norte e África. Como? Utilizando a nossa posição geográfica, a nossa estabilidade política, a nossa capacidade de atrair talento para um País seguro e que é conhecido pela sua mistura. Queremos que o talento de vários países se localize em Cabo Verde e que as pessoas que aqui estiverem se sintam criativas e livres para a partir da aqui desenvolver ideias para os desafios do nosso mundo.
“É importante entender o Digital como uma ferramenta de escala social e reforçar a literacia digital para que não haja apenas um consumo de dados relacionado com o entretenimento, mas também com a criação de valor”.
Quais os desafios que ainda enfrentam nesta aposta do digital e num acesso de democratizado à Internet?
Neste momento Cabo Verde é um dos países da África Ocidental com mais acessos por 100 habitantes, 80 acessos, o que é um número importante, e temos igualmente mais de 120 praças digitais de acesso livre à Internet para os nossos cidadãos. O desafio passa por tornar o custo da internet mais acessível para quem quer aprender, formar-se e que quer desenvolver o seu negócio através do digital e estamos a trabalhar para que isso seja uma realidade. Nesse sentido, assinámos recentemente um memorando de entendimento com as duas operadoras nacionais e estamos a dar passos concretos para a sua implementação. É importante entender o digital como uma ferramenta de escala social e reforçar a literacia digital para que não haja apenas um consumo de dados relacionado com o entretenimento, mas também com a criação de valor.
Considera que a pandemia foi uma oportunidade na criação de oportunidades para a economia digital em Cabo Verde? Os empreendedores cabo-verdianos souberem aproveitar?
O Covid-19 veio trazer ao nosso mundo uma transformação digital forçada e Cabo Verde não ficou de fora. Todos tivemos de nos reinventar, foi nesse sentido que decidimos criar o programa Reinventa: Turismo em parceria com o Ministério do Turismo, que deu a oportunidade aos jovens cabo-verdianos de apresentarem ideias novas e concretizá-las com o apoio financeiro do Governo, para o setor do turismo pós-Covid-19. Igualmente com o Ministério do Turismo foi lançado também o visto para Nómadas Digitais, no âmbito da diversificação do nosso turismo e da possibilidade que existe hoje de trabalhar de forma remota – consequência do Covid-19 – apostámos em atrair este tipo de “turistas” para o nosso país.
A própria comunidade digital em Cabo Verde respondeu, criando uma plataforma, onde em época de confinamento as pessoas que habitualmente não estão habituadas a fazer uso de serviços digitais pudessem explorar e conhecer os serviços de start-ups cabo-verdianas em diversas áreas, como, por exemplo, permitir a um cidadão comum poder pagar luz, água, eletricidade, fazer as suas compras de supermercado, encomendar comida dos seus restaurantes favoritos, aceder a cursos de formação e tantos outros serviços.
Existiram vários empreendedores cabo-verdianos que souberam tirar proveito da crise e houve aqueles que também sentiram muitas dificuldades, mas o ensinamento que ficou é a necessidade de criar canais digitais mesmo para os negócios mais tradicionais. Há hoje um protagonismo para o digital e uma forma de desenhar novos processos que incluem sempre o digital, a minha previsão é que esta será uma fase intermédia que levará a que o digital não passe só a estar incluído, mas passe a ser o centro e a condição essencial para desenvolver um modelo de negócio ou qualquer tipo de processo.
Ao mesmo tempo que há oportunidades acentua-se a infoexclusão e iliteracia digital. Como conseguir que ninguém fique para trás em Cabo Verde?
Temos estando a desenvolver um trabalho para preparar as nossas crianças para o futuro. O programa WebLab está presente em todas as escolas secundárias de todas as ilhas de Cabo Verde e permite às crianças aprenderem robótica, programação e não só. Queremos dar ferramentas às nossas crianças para que não sejam apenas espectadores de um mundo em mudança, mas sim protagonistas, queremos que aprendam não só a consumir digital mas sim a criar digital
Cabo Verde entrou pela primeira vez no top 100 do Ranking Mundial de Startups e Ecossistemas de Inovação e no TOP 10 no Continente Africano, do Relatório Global de Rankings da StartupBlink 2020. O que acha que contribuiu para este reconhecimento?
As políticas públicas e o investimento do Governo de Cabo Verde, a visão de futuro do Senhor Primeiro Ministro, Ulisses Correia e Silva, com uma aposta clara no setor da Inovação, a criação da Cabo Verde Digital e o mais importante, a dinâmica das nossas start-ups e a sua vontade de utilizar o digital para contribuir para a sua vida e para a vida do seu país.
“Quem olha no horizonte, nunca chega à meta, continua sempre a correr. Nem o céu é o limite para o nosso país e para quem sonha todos os dias com um Cabo Verde de futuro, já que haverá sempre espaço para melhorar e na conquista de uma meta, outra virá”.
O que ainda lhe falta fazer como secretário de Estado da Inovação e da Formação Profissional de Cabo Verde?
Quem olha no horizonte, nunca chega à meta, continua sempre a correr. Nem o céu é o limite para o nosso país e para quem sonha todos os dias com um Cabo Verde de futuro, já que haverá sempre espaço para melhorar e na conquista de uma meta, outra virá. Quero continuar a dar um contributo importante para o desenvolvimento do meu país, fazendo a ligação entre aquilo que nos caracteriza e que nos diferencia enquanto cabo-verdianos, e aquilo que são as tendências do mundo, uma ligação entre o tradicional e o moderno, dando destaque e capitalizando a força da nossa diáspora e da nossa juventude.
Respostas rápidas:
O maior risco: Procurar fazer de forma diferente.
O maior erro: O nosso tempo não é necessariamente o tempo dos outros.
A maior lição: Não há nada tão forte como a inteligência coletiva.
A maior conquista: Ter a honra de poder servir o meu povo.