Opinião

O superpoder da vulnerabilidade

Belén de Vicente, CEO da Medical Port

Começo o ano com um tema que toca a todos os que gerem pessoas e aos que são geridos –o líder deve ou não mostrar a sua vulnerabilidade? Mostrar não é o mesmo que Ser. Indiscutivelmente, qualquer ser humano é vulnerável.

“Os líderes não são vulneráveis” é uma falácia tão grande como “Os homens não choram”. Vulnerabilidade é a capacidade para nos deixarmos tocar pelas acções e/ou palavras dos outros, ao mesmo tempo que permi?mos que outros o vejam, sem ter medo de ser julgados.

A vulnerabilidade está ligada à emoção, não necessariamente à fragilidade. Essencialmente, está associada a não ocultar as nossas emoções, a permitir que fiquemos mais expostos aos olhos e julgamento dos outros. E, para ser mais específica, neste contexto da liderança, estas emoções não se referem apenas às questões humanas ligadas a eventos da vida, que qualquer líder que tenha sentimentos evidencia de forma natural. São as emoções que revelam sentimentos associados ao negócio em si, aos resultados, à relação com a equipa e às chefias, às mudanças estratégicas, aos próprios erros, ao futuro.

Vários exemplos que tenho vivido no papel de líder ou no papel de liderada mostram o impacto de ser vulnerável:

– No contexto de uma avaliação de desempenho, um líder que não pergunte se houve do seu lado alguma coisa que fez mal e que o avaliado considere que poderia, efetivamente, mudar os resultados da avaliação em causa, é um líder que não se expõe a críticas, e consequentemente, não aprende emocionalmente a lidar com os erros. Fica protegido, mas não aprende. Confesso que já chorei numa avaliação de desempenho e foi a melhor avaliação da minha vida como líder.

– No âmbito de processos de restruturação, onde as emoções estão à flor de pele, a forma como se passa informação às pessoas, sobretudo no caso de informação que pode impactar a vida pessoal, ou se faz de forma transparente e honesta ou o líder perderá todo o respeito da equipa. Mentir, ocultar ou minimizar neste contexto é desastroso. Olhos nos olhos, sem cair na tentação de criar falsas expetativas ou partilhar informação que não é relevante e pode criar mais ansiedade. Sem receio de mostrar preocupação, se é o caso. Nestas situações tenho sempre a tentação de colocar-me do lado mais fraco, mas não é isto que se exige ao líder, é a sua capacidade para gerir a situação de forma racional e humana.

– No report à Administração, o líder que não é capaz de aceitar críticas pelos resultados obtidos, a comparação com os pares e com a concorrência, e manifestar, com tristeza e até com raiva, que não conseguiu atingir os objetivos apesar de todos os esforços, não está ser verdadeiro. Uma vez, um Administrador disse-me: “Admita que não foi possível, era difícil, isso não desvaloriza o trabalho que fez”.

Eu considero que ser vulnerável é fundamental para criar confiança e abertura no contexto profissional. Quanto mais confortáveis estivermos a demonstrar as nossas verdadeiras emoções, mais coerentes seremos connosco próprios e à vista dos outros. Estou convencida, por experiência própria, de que esta forma de estar cria maior abertura para os que trabalham connosco e maior respeito e consideração pela opinião que nos é pedida sobre diferentes assuntos. Ser vulnerável é ser verdadeiro, é ser autêntico. Por isso, pode ser considerado “um poder” do líder.

Mas há sempre um lado menos positivo na vulnerabilidade, aquele que está relacionado com o impacto que a exposição da pessoa causa na imagem que os outros criam dela. Poderiamos considerar que o que os outros pensem não é relevante, e que somos assim e nos mostramos como somos, para o bem e para o mal. Sem fingir, sem representar uma personagem diferente da que somos, colocando limites obviamente quando a partilha emocional só vai implicar uma carga emocional sobre os outros ou vai revelar intimidade desnecessária. Contudo, no caso das pessoas que assumem posições de liderança, existem vários casos nos que a vulnerabilidade, quando exposta, leva à perda de influência, e diminui a imagem da pessoa como líder, tornando-a frágil aos olhos dos outros. Já vi líderes perderem a confiança dos seus superiores e a autoconfiança pelas críticas, opiniões e comentários de pessoas internas e externas à organização após se terem exposto demasiado.

Como sempre, há um ponto de equilíbrio que é desejado, e que neste caso se estabelece entre ser autêntico e dizer-se tudo o que se pensa. A minha experiência confirma que não se deve desistir de ser autêntico, mas tem de se ser capaz de gerir e passar a informação da forma correta. Sem abdicar do poder de decisão e do feedback construtivo, colocando os limites que sejam adequados a cada caso. Recomendo a leitura do artigo “The best leaders aren’t afraid of being vulnerable” da Janice Omadeke na HBR.

Na verdade, este tema da vulnerabilidade em contexto organizacional apenas é tema porque quando os líderes não são autênticos na sua forma de estar e de transmitir informação e decisões, isso afeta quem com eles trabalha, e, consequentemente, a organização. Líderes autênticos ajudam a construir organizações autênticas e que, como consequência, têm clientes e parceiros fiéis. E é isso o que queremos, certo? Por isso, não tenhamos medo de nos mostrar como somos e de partilhar com limites.

A vulnerabilidade é um superpoder.

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Belén de Vicente

Belén de Vicente

Belén de Vicente é fundadora e diretora geral da Medical Port, a porta de entrada para cuidados médicos em Portugal, para quem vem de outros países. É também fundadora da Stuward Health. Foi diretora do MBA Lisbon, contando com mais de 20 anos de experiência em consultoria de gestão na Península Ibérica e na gestão de parcerias internacionais nos setores do Ensino Superior e da Saúde. É apaixonada por projetos desafiantes que envolvam transformações com pessoas e para pessoas.

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