Opinião
O que diz o protocolo sobre precedências: as executivas têm ou não prioridade?

António Costa, primeiro-ministro de Portugal, entra na sala onde eu estou sentada a conversar com um grupo de pessoas. Todas se calam e levantam. O primeiro-ministro (que é mais novo do que eu) avança. Estende-me a mão, que eu aperto e respondo à saudação. Quando lhe apetecer, deixará de me dar importância e passará a cumprimentar outras pessoas, que aguardam a sua vez de o poderem saudar.
É um sonho? Uma mentira do 1.º de abril? Não, é um exemplo – que pretende ilustrar as diferenças que separam o protocolo das boas maneiras. Porque, se em vez de António Costa entrasse o irmão dele, Ricardo Costa, ninguém se calaria quando ele entrasse na sala e, sobretudo, eu não me levantaria. Tranquilamente sentada, esperaria que ele me viesse falar e decidiria se lhe estendia a mão ou a cara. Trocaríamos algumas palavras e deixá-lo-ia ir à sua vida. O que me obriga a levantar quando o António Costa entra na sala é o facto de ele ser primeiro-ministro. De ter poder. Tanto poder que altera as regras da cortesia – e impõe outras: as regras do protocolo. Porque é de poder que falamos, quando falamos de protocolo. Seja no protocolo de Estado, seja no protocolo empresarial.
Bem vistas as coisas, a cortesia também obedece a uma hierarquia. Há duas regras básicas: o mais velho precede sobre o mais novo e a mulher passa adiante do homem. São essas «regras», geralmente cumpridas nas sociedades ditas civilizadas, que o protocolo contesta e subverte. A mulher, ou o mais velho, só precede sobre o homem, ou mais novo, se for mais importante do que ele. O que é inteiramente contrário às regras da cortesia – e absolutamente conforme às normas do protocolo.
O protocolo – no Estado como nas empresas – destina-se a afirmar e a encenar o poder constituído. E, como o poder se quer forte e estável, o protocolo é rígido. Mas as suas regras não são imutáveis e admitem exceções.
Por exemplo: o Marquês de Soveral, que foi ministro dos Negócios Estrangeiros e embaixador de Portugal em Londres, era muito apreciado pelo Rei D. Carlos, que recorria algumas vezes ao seu conselho e estimava muito a sua companhia. Um dia, no palácio da Cidadela, em Cascais, conversava-se, diante do Rei, sobre as muitas qualidades do Marquês. E alguém observou que ele nunca fazia gafes. «Veremos», comentou D. Carlos, que nesse dia convidara Soveral para jantar.
O Marquês chegou, o Rei recebeu-o numa das salas e esteve à conversa com ele e alguns dos oficiais da Casa Real até ser anunciado que o jantar estava servido. Encaminharam-se então todos para a porta que conduzia à sala de jantar. E o Rei, quando lá chegou, parou e disse a Soveral: «Passa». O Marquês não teve um olhar de espanto, nem um minuto de hesitação, apressando-se a cruzar a porta à frente do Rei. D. Carlos, sorrindo, deu razão aos que elogiavam as qualidades do Marquês. Soveral sabia que uma ordem de Rei não se discute, cumpre-se sem pestanejar. Manda quem pode, obedece quem deve. Ou, para pormos a questão em termos protocolares, só cede a precedência quem de facto a tem.
Se o Presidente da República me fizer sinal para passar à frente dele numa porta do Palácio de Belém, eu devo obedecer sem hesitação. Se o CEO da sua empresa lhe fizer sinal para passar à frente dele no elevador, entre sem hesitar.
Em regra, as precedências são para se respeitar, quando se trata de atos oficiais ou eventos empresariais. Nestes, ao contrário do que sucede nas reuniões sociais, em que as mulheres precedem os homens e os mais velhos precedem os mais novos, quem passa à frente ou ocupa o melhor lugar é sempre quem tem mais poder, quem é mais importante, independentemente do género ou da idade. É por isso que uma antiga regra de cortesia – a que poupava às mulheres os incómodos lugares nas extremidades das mesas – deixou também de se aplicar. Se elas forem menos importantes do que os homens que nessa mesa também se vão sentar, não têm outro remédio senão ocupar os piores lugares.
A única forma que há para que as normas do protocolo não contrariem as tradicionais regras de cortesia é conseguir que chefe, patrão, presidente, sejam, todos, do sexo feminino. Não é impossível. Mas ainda é altamente improvável.