Opinião

O Natal não é para todos

Fernando de La Vieter Nobre, fundador e presidente da Fundação AMI
Créditos: Gabriela Nemésio Nobre

É Natal. Uma época em que se procura destacar valores como a fraternidade, o amor e a solidariedade. Tempo de reencontros, de família, de esperança e de sonhos. Mas a azáfama não é a mesma para todos.

As aspirações não são as mesmas para todos. Os sentimentos não são os mesmos para todos. Não é Natal para todos. E é imperativo que todos tenhamos consciência disso ao longo de todo o ano e não apenas nesta quadra.

Em Gaza, na Palestina, um local com um simbolismo tão significativo para os cristãos, luta-se pela sobrevivência; nas montanhas do Atlas, em Marrocos, ainda há aldeias inteiras que sofrem os efeitos do terramoto e não têm como enfrentar o rigor do inverno; na Síria, procura-se sobreviver às consequências da guerra, agravadas pelo sismo do início do ano; em Portugal, há quem não tenha uma casa para viver e muito menos para passar a noite de Natal.

Não pretendo de nenhuma forma com isto quebrar o espírito que nos invade ou a alegria que muitos têm o privilégio de poder sentir, pelo contrário, gostava que prolongássemos essas emoções e as transpuséssemos para as nossas ações de forma permanente.

A Missão Natal da AMI, por exemplo, pretende proporcionar uma quadra mais justa e feliz às pessoas que apoia, não só por ser Natal, mas porque as pessoas precisam de ajuda ao longo de todo o ano. Por isso, quando entregamos um cabaz de Natal a uma família, estamos a assegurar também acompanhamento social, estamos a mostrar-lhes que não estão sozinhos, que têm voz e um lugar na sociedade, como seres humanos únicos e insubstituíveis que são.

É fundamental que a solidariedade, a generosidade, a tolerância e a paz imperem ao longo de todo o ano. É crucial que possamos transmitir isso aos nossos jovens, porque são eles os líderes de amanhã e um líder sem inteligência emocional, sem empatia, sem humanismo, não passará de uma máquina e não será, certamente, capaz de inspirar. E precisamos tanto de líderes inspiradores, que sejam seguidos, mas que não tenham receio de ouvir, que sejam determinados, mas também humildes, que sejam corajosos, mas também prudentes, que saibam defender os seus princípios e convicções, mas que não tenham medo de admitir o erro.

Há poucos dias, tive o privilégio de receber um grupo de jovens estudantes universitários a quem a AMI atribuiu uma bolsa de estudo para este ano letivo e lancei-lhes este apelo: “um dia, quando a vida vos sorrir, lembrem-se de olhar para aqueles que tiveram, ou terão menos hipóteses de lutar pela vida. Não se transformem em lobos, com egoísmo feroz, a olhar para vocês próprios”.

É crucial que os jovens compreendam a importância de retribuir, de participar e de se envolver na sua comunidade. É imperativo que saibam que todos beneficiamos do bem-estar alheio e que só assim o mundo “pula e avança” verdadeiramente.

Precisamos da impulsividade, da ousadia e da capacidade infindável de sonhar dos jovens, porque eles são verdadeiros agentes de mudança. Cabe-nos a nós ajudá-los a acreditar na construção de um mundo melhor. Que possamos refletir sobre isso no Natal e contribuir para isso durante todo ano.


Fernando de La Vieter Nobre, fundador, em 1984, e presidente da AMI (Fundação de Assistência Médica Internacional), é doutor em Medicina e Cirurgia, pela Universidade Livre de Bruxelas (ULB), e especialista em Cirurgia Geral e Urologia. Além do exercício de medicina, é docente universitário e foi administrador dos Médicos Sem Fronteiras, Bélgica. Como cirurgião participou em mais de 250 missões de estudo, coordenação e assistência médica humanitária em mais de 70 países de todos os continentes. Em 2011 foi candidato independente a presidente da República Portuguesa.

Comentários

Artigos Relacionados

Mário Ceitil, presidente da Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas
José Pedro Freitas, presidente da ANJE