Entrevista/ “O mercado de luxo em Portugal tem evoluído de forma significativa”

João Marques, CEO da Huître

“Estejam sempre abertos à aprendizagem contínua e à inovação. Ferramentas digitais como BIM, realidade aumentada e softwares de gestão de obra, bem como tendências emergentes como sustentabilidade e design experiencial, são cada vez mais importantes”, aconselha João Marques, CEO da Huître.

Engenheiro civil e empreendedor, e com mais de 30 anos de experiência profissional, João Marques é CEO da Huître, empresa de referência na conceção e execução de projetos de construção e renovação de excelência nos setores de hotelaria, escritórios, retalho e residencial de luxo. JNcQUOI House, Octant, Portobay Blue Ocean, Fashion Clinic, Hublot ou Hotel Ritz, são exemplos de marcas de luxo onde já deixou a sua assinatura.

Reconhecida pela atenção ao detalhe, inovação e soluções personalizadas, a Huître afirma-se como um grupo de pessoas apaixonadas pelo que faz, e que sempre “procura pessoas que se identifiquem com o nosso ADN, os nossos valores e a nossa missão”.

Ao Link to Leaders, João Marques fala das especificidades de trabalhar no mercado do luxo, da evolução desta área de negócio em Portugal e dos “requisitos” que os jovens engenheiros ou empreendedores devem ter para seguir carreira no segmento de luxo.

Iniciou o seu percurso como engenheiro civil e hoje lidera projetos de luxo de referência em Portugal. Como se deu essa evolução profissional?

Esta evolução está intrinsecamente ligada à minha trajetória profissional. Portugal é um mercado muito pequeno, onde todos se conhecem e onde rapidamente se percebe o que fazemos de bem e de mal. Tive a sorte de ter estado próximo de pessoas e empresas que me conheciam na área dos projetos de retalho em diversos setores. Quando surgiu a oportunidade de trabalhar no setor do luxo, tratei esses projetos com o mesmo rigor, compromisso e profissionalismo de sempre, especialmente na forma como resolvemos os problemas dos nossos clientes.

A diferença do luxo para outros setores está, sobretudo, na escolha de parceiros que compreendam a linguagem própria desta área e na gestão cuidadosa das expetativas, tanto do lado do cliente como do lado dos nossos parceiros. Sempre procurei transmitir à equipa que devemos tratar todos os projetos como se fossem de luxo. É assim que conseguimos manter um patamar de excelência.

Foi uma evolução natural e gradual. A minha atenção ao detalhe e o foco na qualidade criaram uma ligação que nunca mais se quebrou. Sempre gostei de encontrar soluções, o que me levou a rodear-me de pessoas com a mesma visão e forma de estar. Quando dei por mim, já tinha uma equipa montada e totalmente alinhada comigo. Hoje, a Huître é um reflexo da minha personalidade e da forma como encaro cada desafio.

O que distingue a Huître de outras empresas do setor?

Este é um tema sensível, e não gostamos de ser nós a explicar o que nos distingue. O mercado da construção em Portugal está cada vez mais difícil: há muitos projetos e expetativas elevadas, mas cada vez menos profissionais qualificados para concretizá-los. Encontrar as pessoas certas dentro das empresas é um desafio diário.

O que diferencia a Huître é, acima de tudo, a nossa história e a nossa equipa. Somos um grupo de pessoas apaixonadas pelo que fazemos, que se conhecem bem e se complementam. Essa ligação permite-nos manter parceiros que nos respeitam, que sofrem connosco e que, por vezes, encontram soluções quase milagrosas.

A confiança e a fiabilidade que transmitimos a clientes e fornecedores são a base da nossa identidade. Cumprimos e, sempre que possível, superamos expetativas. Somos curiosos e destemidos, e não temos receio de desafios. Procuramos continuamente soluções inovadoras, saindo muitas vezes da nossa zona de conforto para nos superarmos. Se pudesse resumir em duas palavras o que nos distingue: LOUCURA e PAIXÃO pelo que fazemos.

 Olhando para projetos como o JNcQUOI House, o Ritz ou a Fashion Clinic, qual foi o maior desafio em trabalhar com marcas que já são ícones do luxo?

É exatamente como disse na resposta anterior. Os clientes têm os seus sonhos, elaboram os seus business plans, e não querem saber se o parceiro enfrenta dificuldades para concretizá-los. Para este tipo de projetos, não podemos nem devemos recorrer apenas a quem está disponível. Se assim fosse, seria pura sorte… ou sinal de que algo está errado. Os bons parceiros estão sempre ocupados, com trabalhos agendados para os próximos meses. Agora imaginem projetos de retalho de luxo, onde tudo é “para ontem”: encontrar e convencer esses parceiros a juntarem-se a nós nesta loucura não é tarefa simples. O verdadeiro desafio é identificar, dentro de um grupo muito restrito, os parceiros certos, disponíveis no timing necessário, e depois convencê-los a entrar connosco. E, muitas vezes, essa é a parte mais complicada, mas também a que diferencia os projetos de excelência.

 Há algum projeto que considere um “cartão de visita” da Huître?

Teria de ser injusto não destacar o projeto JnCQUOI House, pela história que ele representa. Substituímos um empreiteiro que já tinha iniciado a obra, o que trouxe naturalmente um período de grandes dificuldades. E, quando estávamos com quase tudo pronto, aconteceu o inesperado: um incêndio destruiu o edifício em poucas horas. Com muito bom senso, procedimentos rigorosos e profissionais, e com o apoio da nossa companhia de seguros , à qual devo deixar um sincero agradecimento pela forma como geriu todo o processo, conseguimos refazer o projeto desde o início. Acabámos agora de entregar a primeira parte do restaurante e, com muito orgulho, posso dizer que o resultado está espetacular. Quando a parte do hotel estiver concluída, este projeto mostrará a todos — clientes, Huître e companhia de seguros — que, mesmo no meio de um cenário inesperado, conseguimos superar os desafios e provar que juntos somos mais fortes. Sempre.

Como descreve a evolução do mercado de luxo em Portugal nos últimos 30 anos?

Nos últimos 30 anos, o mercado de luxo em Portugal tem evoluído de forma significativa. Nos anos 90, era um segmento discreto, com poucas marcas internacionais e consumo sobretudo local. A partir dos anos 2000, Lisboa começou a afirmar-se como destino de compras de luxo, especialmente na Avenida da Liberdade.

O grande salto deu-se após 2010, com o crescimento do turismo internacional e o investimento estrangeiro no imobiliário, em grande parte associado aos Golden Visa. Este movimento impulsionou não só o mercado residencial de alto valor, mas também a restauração, hotelaria e serviços premium. Hoje, o setor está mais maduro e diversificado, com destaque para os hotéis boutique e turismo enogastronómico.

Desde 2012 até hoje, o ritmo de implementação de projetos foi brutal, refletindo o crescimento e a sofisticação do mercado. O futuro aponta para uma consolidação do “luxo experiencial” e para um equilíbrio entre atrair investimento externo e responder às necessidades e expetativas locais.

“(…) o Porto tem-se afirmado como destino de luxo cada vez mais relevante (…)”

 Portugal está a ganhar terreno como destino e palco para grandes marcas internacionais?

Claramente, neste setor ainda partimos de muito atrás, e há muito por fazer. E não falo apenas das marcas de luxo no retalho. Falo também dos serviços, que estão a evoluir, mas ainda têm um longo caminho.

Hoje, o setor do luxo em Portugal está mais consolidado, o que não só retém marcas que já estão há anos no país, como também atrai novas. Lisboa continua a ser o centro, mas o Porto tem-se afirmado como destino de luxo cada vez mais relevante posicionando-se como palco para o retalho premium.

 Quais são os principais desafios de trabalhar no segmento de luxo cá dentro, comparando com outros mercados internacionais?

O grande desafio continua a ser encontrar pessoas preparadas e com experiência na “linguagem” do luxo. Concorrermos não é só com empresas locais, mas também internacionais, já que muitos talentos qualificados procuram oportunidades fora de Portugal. Por isso, temos apostado em políticas de gestão de pessoas focadas na retenção e no crescimento orgânico da equipa.

Orgulhamo-nos das elevadas taxas de retenção, engagement e satisfação, mas sabemos que é um desafio constante. E o mesmo se aplica aos nossos fornecedores: atrair e manter parceiros que trabalhem ao nosso nível de excelência e qualidade é uma prioridade diária.

 Como se mantém uma equipa motivada quando se trabalha em projetos tão exigentes e de alto padrão?

Como seres humanos, todos gostamos de ser reconhecidos pelo que fazemos. O que procuro transmitir às nossas equipas é o orgulho de sermos reconhecidos como os melhores. Para isso, não basta dizer: é preciso mostrar. Aprende-se a ser o melhor, e nem todos conseguem ou querem, mas isso faz parte da vida. Nós estamos cá para dar sempre o nosso melhor.

É também um dos nossos principais desafios na gestão de pessoas, e abraçamo-lo com gosto. Desde o recrutamento, somos transparentes sobre o que oferecemos e sobre o que esperamos. Procuramos pessoas que se identifiquem com o nosso ADN, os nossos valores e a nossa missão. Uma vez na equipa, todos têm oportunidade de crescer, aprender com os projetos únicos em que participam, partilhar soluções, inovar e até aprender com os erros. É assim que conseguimos motivar e reter mais de 90% da nossa equipa, o que nos enche de orgulho.

 O que é mais difícil: conquistar a confiança do cliente de luxo ou superar as suas expetativas?

Hoje em dia, e com o nosso trajeto, digo que sem falsas modéstia que conquistar a confiança dos nossos clientes já foi mais difícil. Hoje a nossa luta passa por ultrapassar as nossas próprias expetativas.

 Que tendências emergentes (como sustentabilidade, tecnologia, neuroarquitetura, personalização) estão a marcar o futuro do setor?

Claramente, a sustentabilidade e a tecnologia sempre foram temas centrais para nós, assim como a personalização. Agora, com a chegada da inteligência artificial, calculo que vamos ver mudanças significativas nas nossas vidas a muito curto prazo, e na nossa área não será diferente. Temos de nos antecipar, entender estas novas ferramentas e perceber o que podemos receber delas e como podemos tirar o melhor partido para os nossos projetos.

No setor do luxo, cada projeto, seja uma loja, um hotel, um escritório ou uma casa, é uma experiência única. Sustentabilidade, tecnologia avançada e design focado no bem-estar transformam os espaços, emocionam, inspiram e refletem a identidade de quem os visita ou habita, elevando o padrão do luxo contemporâneo.

 Que papel vê para a Huître no desenvolvimento da hotelaria e do retalho de luxo em Portugal nos próximos anos?

Espero continuar a ver a Huître como um parceiro muito importante para os clientes, fornecedores e, principalmente, para a nossa equipa. Queremos ser vistos como uma referência e um exemplo do que é fazer bem.

Ser uma referência em Portugal no setor do luxo significa cultivar rigor, atenção aos detalhes, singularidade e fiabilidade todos os dias. Princípios que orientam a nossa forma de trabalhar há 25 anos. O nosso objetivo é ser reconhecidos não apenas como líderes, mas como a empresa que melhor traduz estes valores em cada projeto, acrescentando consistência, confiança e inovação ao setor do luxo em Portugal.

 Se tivesse de escolher um legado a deixar no setor, qual gostaria que fosse?

Diria que a minha principal motivação é ver sorrisos à minha volta. Isso significa que estamos a fazer bem o nosso trabalho e que quem está connosco percebe e valoriza o esforço. Esse é o verdadeiro legado: ter a ambição de fazer bem hoje, mas amanhã fazer ainda melhor, sempre que possível.

Gostaria que esse legado fosse marcado pelo foco na perfeição, pela atitude e pela determinação, qualidades cada vez mais raras e, por isso, tão valiosas. Na Huître, selecionamos cuidadosamente cada pessoa que integra a equipa, porque acreditamos que todos devem sentir a empresa como sua e ter orgulho no trabalho que realizam. Cada um tem responsabilidades específicas, mas existe sempre um denominador comum: a busca constante pela excelência. O “bom” nunca é suficiente; tem de ser perfeito. É esse espírito de superação diária e compromisso absoluto com a qualidade que queremos deixar como marca no setor.

“Estejam sempre abertos à aprendizagem contínua e à inovação (…)”

 Que conselho daria a jovens engenheiros ou empreendedores que querem seguir carreira no segmento de luxo?

O primeiro conselho é ter paciência, sempre! Experiência e confiança ganham-se com o tempo. Depois, é fundamental rodear-se dos melhores. Nós, engenheiros, somos treinados para pensar e resolver problemas: saber escutar, saber pensar e depois saber tomar decisões é, por si só, um luxo.

Apaixonem-se pelo detalhe e pela excelência. No setor da construção de luxo, a qualidade está nos materiais, nos acabamentos e no rigor técnico, por isso é essencial cultivar um olhar crítico desde cedo. Estejam sempre abertos à aprendizagem contínua e à inovação. Ferramentas digitais como BIM, realidade aumentada e softwares de gestão de obra, bem como tendências emergentes como sustentabilidade e design experiencial, são cada vez mais importantes.

Desenvolver redes de contacto sólidas e adquirir experiência prática é igualmente fundamental. A construção de luxo é muito relacional — parcerias com arquitetos, designers, fornecedores e investidores fazem toda a diferença — e o contacto direto com projetos em hotéis, residências e retail premium é a melhor forma de compreender a complexidade do setor.

Por fim, dedicação e trabalho árduo não podem faltar. No nosso setor, não há atalhos para a excelência: cada detalhe conta, e apenas compromisso diário, disciplina e perseverança transformam projetos ambiciosos em obras únicas que superam as expetativas dos clientes mais exigentes.

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