Entrevista/ “O ESA BIC Portugal incubou 30 empresas, criou mais de 100 novos postos de trabalho e gerou 5 M€”
O Centro de Incubação de Negócios da Agência Espacial Europeia abriu esta semana um programa de candidaturas para start-ups com projetos de negócio baseados em tecnologias e dados da indústria espacial. Falámos com Carlos Cerqueira, diretor de Inovação do IPN e coordenador do ESA Space Solutions Portugal, sobre esta iniciativa.
O Centro de Incubação de Negócios da Agência Espacial Europeia (ESA BIC) em Portugal tem um novo programa para apoiar até 12 start-ups nacionais por ano, com um valor alocado de 50 mil euros como incentivo financeiro, num orçamento total de 600 mil euros.
O programa, liderado pelo Instituto Pedro Nunes (IPN), é direcionado a start-ups com projetos de negócio que tenham como base as tecnologias e dados da indústria espacial. Além do apoio financeiro, as empresas terão acesso a suporte técnico e de negócio.
O Centro de Incubação de Negócios da ESA abriu um novo programa para start-ups com projetos de negócio baseados em tecnologias e dados da indústria espacial. Como é que surgiu esta iniciativa e qual o objetivo?
O setor espacial começou por ser, sobretudo, ciência e exploração do espaço, ou seja, a produção de novo conhecimento sobre questões essenciais, como de onde viemos e para onde um dia teremos de ir. Mas como a exploração do espaço lida com tecnologia “estado-da-arte”, cada vez mais atrai a atenção de empresas e investidores privados como nova fonte de crescimento económico e de inovação.
Sob a liderança da Agência Espacial Europeia (ESA), a indústria espacial europeia tem desenvolvido tecnologias espaciais de alto nível para uso no espaço, que encontram o seu “caminho de volta à Terra” para as mais diversas aplicações, desde a saúde aos transportes, do desporto ao entretenimento. É nesse contexto que surge em finais de 2014 o ESA BIC Portugal, coordenado pelo IPN e um dos 21 atuais centros de incubação da ESA a nível Europeu. Nesta estrutura são apoiadas start-ups que empregam tecnologias espaciais em utilizações industriais e comerciais quer para a terra, que para o espaço. Em suma, apoiamos boas ideias de negócios que usem tecnologias do espaço.
Quem pode concorrer?
Toda a gente com uma boas ideias de negócios que use tecnologias do espaço. Podem ser pessoas individuais (mas tem de criar uma empresa se o projecto for aprovado). Também empresas já constituídas, mas com menos de cinco anos.
“Na presente edição (2020 a 2024), aumentámos a rede de três para 15 incubadoras cobrindo todo o território nacional, incluindo os Açores e a Madeira (…)”.
Qual é o envolvimento do IPN no programa?
O IPN coordena desde 2014 as atividades de inovação e transferência de tecnologia nestes programas da ESA, sendo o primeiro Space Solutions Centre da Agência Espacial Europeia, entre os 21 centros existentes na Europa, a congregar os três programas de transferência de tecnologia promovidos pela ESA: o ESA BIC Portugal, a Rede de Parceiros de Inovação para Transferência de Tecnologia (Innovation Partners Network) e a Plataforma de Embaixadores de Aplicações (ESA Business Applications).
Na presente edição (2020 a 2024), aumentámos a rede de três para 15 incubadoras, cobrindo todo o território nacional, incluindo os Açores e a Madeira, com as seguintes incubadoras: IPN Incubadora (Coimbra); NONAGON, TERINOV e Incuba+ (S. Miguel, Ilha Terceira e Santa Maria, Açores); PACT (Évora); PARKUrbis e UBImedical (Covilhã); SANJOTEC (São João da Madeira); Startup Braga; Startup Lisboa; Startup Madeira (Funchal); UA Incubator (Aveiro); UALG TEC START (Faro);UPTEC e CEiiA (Porto e Matosinhos).
Que mais-valias terão as start-ups selecionadas?
Para além de um financiamento de 50 mil euros, as start-ups terão acesso a apoio de negócio, suporte técnico e acesso uma rede europeia e mundial de investidores, mentores e grandes empresas, que funciona com casos comprovados. Nos últimos cinco anos, o ESA BIC Portugal incubou 30 empresas, criou mais de 100 novos postos de trabalho e gerou um volume de negócios total de cerca de cinco milhões de euros.
Pelo ESA BIC Portugal já passaram empresas como a Stratio, que aplica tecnologia do setor espacial em veículos pesados para prever e antecipar a ocorrência de desgaste e de avarias graves; a Theia que criou uma aplicação que permite monitorizar o estado de infraestruturas rodoviárias através de dados de satélite; a Tesselo, que desenvolveu uma tecnologia capaz de monitorizar o estado de culturas agrícolas e a saúde de matas e florestas com recurso a imagens de satélite, ou a Undersee, que tem um dispositivo capaz de transformar qualquer barco num satélite marítimo com o propósito da monitorização ambiental.
“Na Europa, cada vez mais empresas usam soluções baseadas em tecnologias do espaço para serem mais competitivas nos seus mercados, desde a agricultura, logística, construção, saúde, pescas e oceano, mobilidade, desporto ou aviação”.
Quais os grandes desafios que enfrentam as novas empresas que pretendam entrar no mercado espacial comercial?
Depende do que espaço falamos. O espaço é um setor cada vez mais presente nas nossas vidas (GPS, veículos autónomos, terrestres e marítimos, 5G, soluções para as alterações climáticas, para a prevenção dos fogos). Na Europa, cada vez mais empresas usam soluções baseadas em tecnologias do espaço para serem mais competitivas nos seus mercados, desde a agricultura, logística, construção, saúde, pescas e oceano, mobilidade, desporto ou aviação. Esse é, em grande parte, o legado de programas espaciais bem-sucedidos, principalmente os de navegação por satélite (Galileo) e observação da Terra (Copernicus).
Ou seja, se é do espaço para a terra, o grande desafio é o de sempre: encontrar uma necessidade, ter uma solução melhor que as actuais e assegurar os 1º clientes. Por isso os 50 mil euros de financiamento são tão importantes, permitem o primeiro protótipo a apresentar a esses primeiro clientes, que por norma são os mais difíceis de conseguir. Já o chamado “new space”, pelo menos nesta fase, ainda exige investimentos de alguma monta e isso obriga a um posicionamento global desde o dia 1. Mas Portugal também se está a posicionar nesse campo. Temos é saber usar as nossas melhores vantagens. Portugal aderiu à ESA em 2000 e já tem uma história importante de participação em missões no espaço, bem como de inovação e transferência tecnologia neste sector. E estamos, como todos, a olhar para o “new Space” e ver de como entrar nesse mercado.
“A tecnologia do espaço vai ajudar a Terra. Portugal quer estar neste desafio, temos o talento e a tecnologia para responder a este desafio. Agora com 15 incubadoras”.
Como é que carateriza a presença portuguesa no setor espacial? Portugal pode trazer uma contribuição enorme para democratizar o acesso ao espaço?
Fala-se hoje cada vez mais da democratização do espaço, no sentido um que já não é apenas acessível pelas grandes potências e suas agências espaciais. Tal deve-se devido à rápida evolução tecnológica, dos pequenos lançadores (foguetões), minissatélites e constelações de satélites mais flexíveis, baratos e amigos do ambiente. A recém-criada Agência Espacial Portuguesa, com a estratégia Portugal Espaço 2030, quer colocar Portugal na corrida aos pequenos lançadores e satélites ao criar uma base espacial na ilha de Santa Maria (Açores) para servir este mercado emergente.
Mas também promover mercados relacionados com o espaço, nomeadamente através da captação e exploração de dados e sinais de satélite para vários sectores de atividade e abordando desafios da sociedade, incluindo na agricultura, pescas e oceanos e monitorização do clima; na monitorização de infra-estruturas, no desenvolvimento urbano, na defesa e segurança interna e no sector d saúde pública. A tecnologia do espaço vai ajudar a Terra. Portugal quer estar neste desafio, temos o talento e a tecnologia para responder a este desafio. Agora com 15 incubadoras.
*E coordenador do ESA Space Solutions Portugal