Entrevista/ O nómada digital que inventou a hashtag e se cansou de Silicon Valley

Chris Messina, criador da #hashtag

Inventou a hashtag, criou um dos primeiros espaços de coworking, trabalhou na Uber e na Google e começou, há pouco mais de um mês, a viver como um nómada digital. Leia a conversa do Link To Leaders com Chris Messina, um veterano de Silicon Valley que se cansou do ninho de inovação norte-americano.

Chris Messina é um inventor nato. O norte-americano de New Hampshire que passou uma década em Silicon Valley, a trabalhar em empresas como a Google e a Uber e a fundar start-ups, não só inventou a popular e atualmente indispensável “#hashtag”, como também abriu o primeiro espaço de coworking em São Francisco. A juntar a esta panóplia de feitos está a criação do BarCamp, um evento informal que esteve na origem da criação do primeiro espaço de trabalho aberto e que se espalhou para mais de 350 cidades dos quatro cantos do mundo.

TEDx, Google I/O, South by Southwest (SXSW) e Microsoft Future Decoded são apenas alguns palcos mundiais que Messina conhece enquanto orador. Mais recentemente, o empreendedor “aterrou” no Pixels Camp, em Lisboa, o hackaton português promovido pela Bright Pixel que já vai na terceira edição.

O atual nómada digital sentou-se à conversa com o Link To Leaders onde começou por explicar como surgiu a ideia para criar a hashtag.

Como surgiu a ideia para criar a hashtag?
Estávamos em 2007, o iPhone tinha acabado de estrear em junho e o Twitter tinha celebrado um ano de existência. As mensagens de texto (SMS) não eram muito populares nos Estados Unidos e muitos de nós bloggers utilizavam o Flickr para partilhar imagens e coisas do género. Ou seja, estávamos a utilizar a web com um propósito social. [Neste seguimento] a primeira “fornada” de utilizadores do Twitter começou a tentar arranjar uma forma de tornar esta rede social mais útil e personalizada porque, na altura, as notificações das pessoas que seguíamos eram todas entregues via SMS. Houve várias propostas, como grupos ou uma funcionalidade de fórum, mas como o iPhone ainda não estava em todo o lado, e grande parte das pessoas ainda utilizava um telemóvel com teclado físico, surgiu a questão de como é que poderíamos tornar tudo isto possível. Além do mais, se eu quisesse ir sair para ir beber uns copos e quisesse “tweetar”, não queria estar à procura de um grupo para me juntar e só depois poder “tweetar”. Mas como eu utilizava muito o IRC [Internet Relay Chat – onde as salas de conversa eram criadas através do símbolo #] propus uma solução parecida à do chat.

Para mim foi só ganhar vantagem da situação como ela estava e o facto de ter sido o utilizador número 1986 – agora há mais de 320 milhões. Portanto, ao estar lá cedo ajudei a definir os padrões que se tornaram parte do serviço a longo-prazo.

E qual foi a resposta do Twitter?
Escrevi uma publicação de 2 mil palavras num blog, fiz alguns modelos e designs e fui à sede do Twitter. Entrei, dirigi-me ao Biz Stone, um dos cofundadores, e disse-lhe: “Biz, acho que isto vai resolver o vosso problema”. Nessa altura o escritório estava um caos… havia servidores a arder e estava tudo a cair aos pedaços… Ele olhou para mim e disse-me que tinha sido a ideia mais nerd que já tinha ouvido. Retirei-me, mas continuei a achar que não era uma má ideia, portanto comecei a convencer os meus amigos developers que não era uma ideia assim tão má e eles começaram a utilizar a hashtag nas apps que desenvolviam. Aos poucos, o Twitter começou a adquirir estas aplicações, porque não conseguiam desenvolver sozinhos, e a hashtag tornou-se parte do serviço.

O que significa que, para além de crédito, não conseguiu nada com esta invenção?
Sim… Eles a certa altura até tentaram registar a marca “hashtag” quando se queriam alistar para uma oferta pública inicial (IPO). Fiquei “passado” porque, quer dizer, no início, eles nem queriam aquilo e eu tive aquela ideia para que os utilizadores da Internet pudessem usufruir dela, não para uma empresa a registar.

“Cheguei a São Francisco em 2004 e muitas pessoas que tinham estado lá na bolha das dotcom fizeram o seu dinheiro e foram-se embora. Sobraram os geeks e os nerds que adoravam tecnologia e que queriam que as outras pessoas também pudessem beneficiar da sua utilização”.

Inventou a hashtag, criou o primeiro espaço de coworking em São Francisco, ajudou o Mozilla a atingir os primeiros 100 milhões de downloads e trabalhou na Google e na Uber. Como é que consegue ter sempre ideias fora do comum?
Diria que o timing e a sorte são duas componentes muito fortes nisto tudo. Cheguei a São Francisco em 2004 e muitas pessoas que tinham estado lá na bolha das dotcom fizeram o seu dinheiro e foram-se embora. Sobraram os geeks e os nerds que adoravam tecnologia e que queriam que as outras pessoas também pudessem beneficiar da sua utilização. Para mim, como não sou nenhum engenheiro, nem developer, a minha formação é em design, um dos aspetos mais importantes da tecnologia era a facilidade de utilização. Portanto, envolvi-me na comunidade open source e com o Firefox porque acreditava que a web deveria existir como uma plataforma gratuita e aberta que qualquer pessoa podia utilizar sem precisar de uma permissão. O problema é que ainda era muito difícil e confusa. Muitas das coisas em que trabalhei tinham a ver com a tecnologia social, com novas formas de juntar as pessoas e com formas diferentes de o fazer, que fossem simples e fáceis de utilizar e que pudessem ser explicadas numa conversa.

O BarCamp, por exemplo, foi uma resposta a um evento que o Tim O’Reilly, promotor do movimento open source, organizava, chamado Foo Camp. A iniciativa tornou-se cada vez mais exclusiva – o que é irónico visto que estamos a falar de uma pessoa que defende o open source. Eu não gostei disto e pensei em criar uma versão própria com alguns amigos. A premissa do evento era não haver programação, as pessoas só tinham acesso a um painel e às salas e escreviam os temas de que queriam falar. Acho que grande parte da popularidade foi criada porque as pessoas – que eram adeptas da Internet – queriam continuar a ter uma interação cara a cara e pelo facto de ser um modelo facilmente replicável noutras situações. O TechCrunch e a Pandora estavam a organizar o seu próprio BarCamp, o que levou as pessoas a querer que organizassemos os seus BarCamps e eu tinha de lhes explicar que não era assim que as coisas funcionavam porque o projeto era em open source. Explicava-lhes como as coisas funcionavam e elas replicavam.

Um ano mais tarde, as pessoas queriam fazer um BarCamp todos os dias, o que me levou a pensar: “OK, se querem fazer um evento todos os dias temos de arranjar o nosso próprio espaço físico onde nos consigamos encontrar e trabalhar juntos”. E isso é o coworking. Com esta ideia, eu queria poder viajar à volta do mundo e ter sempre um espaço onde pudesse trabalhar – algo que está a acontecer, 14 anos mais tarde!

Acho que a parte de ter ideias diferentes é parte de uma narrativa e de tentar perceber quais são as necessidades sem ter tanto foco na tecnologia ou na solução em si.

“Diria que uma boa experiência é aquela que cria uma espécie de ‘caminho de ouro’ em que os utilizadores conseguem chegar onde querem muito rapidamente.”

Da sua experiência pessoal, quais são os erros mais comuns que as pessoas cometem quando tentam criar uma boa experiência de utilizador?
Basicamente, uma grande experiência de utilizador traduz-se em retirar do caminho tudo aquilo que está a mais. Por exemplo, uma das coisas que tenho reparado [que tem uma má experiência de utilizador] são as plataformas de reservas de voos, uma tarefa bastante complexa. Idealmente, aquilo que seria ótimo fazer era eu dizer que queria ir do ponto A ao ponto B e, talvez, parar no ponto C a caminho. Contudo, existem tantas combinações possíveis para esta resposta…

Diria que uma boa experiência é aquela que cria uma espécie de ‘caminho de ouro’ em que os utilizadores conseguem chegar onde querem muito rapidamente e que, no caso de se quererem desviar, a plataforma consiga retorná-los ao ponto em que estavam. E isto pode acontecer em todos os contextos, seja em aplicações mobile ou em websites.

Levou a Molly – uma start-up que cofundou e da qual se afastou mais tarde – à Y Combinator para um programa de aceleração em abril de 2018. O que retirou desta experiência?
Diria que a coisa que eles fazem melhor é ajudar os empreendedores a encontrar a métrica certa, ou seja, a forma como as equipas medem o seu sucesso. E depois é a forma como demonstram o sucesso no caminho, o que é fundamental para uma empresa que esteja à procura de investimento em fase seed.

Resumindo, acho que aquilo que tem mais valor em todo o programa é saber se estamos a ir na direção certa e é por esse mesmo motivo que eles tentam que os empreendedores falem com os potenciais clientes o mais rapidamente possível. Porque se uma equipa passa seis meses a produzir uma coisa que depois não é apreciada pelos clientes são muitos recursos desperdiçados.

Desde que saí da Google que tenho estado neste processo de desmontar a minha vida. Algumas vezes intencionalmente, outras nem tanto.

Sabemos que se tornou um nómada digital recentemente – não tem uma casa e muito menos um endereço. Como é que isto começou?
Desde que saí da Google que tenho estado neste processo de desmontar a minha vida. Algumas vezes intencionalmente, outras nem tanto.Tem sido uma aprendizagem fascinante, tanto sobre mim, como sobre as outras pessoas. Desde que saí da Molly que sinto que não é claro aquilo que vou fazer a seguir. Acho que a minha vida tem sido uma série de ocasiões e oportunidades e eu estava à espera de trabalhar nesta start-up durante os próximos cinco/sete anos. Portanto, quando isso não resultou, não fazia ideia do que ia fazer…

Eu adoro São Francisco, gosto de estar lá, mas também me sentia um bocado alienado do cenário tecnológico. Eu trabalhei na Uber, um sítio muito intenso para se trabalhar. Depois fui trabalhar arduamente para a minha start-up e, com o tempo, acabei por me sentir cada vez mais desconectado dos meus colegas e da comunidade. Entretanto – acho que foi em novembro do ano passado – recebi uma notificação a dizer que a minha renda ia aumentar 20%, o que me levou a pensar que São Francisco estava a tornar-se demasiado cara e eu nem sabia o que estava ali a fazer… Achei que era uma boa altura para partir e continuar o processo de “autodesmantelamento”.

E quando é que acaba a experiência?
Pode demorar um bocado… Não é certo. Mas estou a começar com seis meses. Não tenho voo de regresso a São Francisco e pode ser que encontre um emprego incrível durante o caminho!

*fotografia de Shirley Wu.

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