Opinião

“Nem todos temos que ser perfeitos e iguais, a perfeição está na diversidade”

Judit Giró Benet, fundadora de The Blue Box
Judit Giró Benet, fundadora de The Blue Box

Desenvolveu o The Blue Box, uma forma inovadora de detetar o cancro de mama em casa, que venceu prémio James Dyson Award em 2020. Em entrevista ao Link to Leaders, Judit Giró Benet fala sobre o dispositivo que vai chegar ao mercado em 2024 e os seus planos para o futuro.

Pela primeira vez, o James Dyson Award, concurso anual de engenharia com foco na sustentabilidade e design organizado pela Fundação James Dyson, abriu as inscrições a jovens inventores portugueses que tenham ideias para melhorar o nosso planeta.

Até à data, a competição já premiou 390 invenções em todo o mundo com prémios monetários, e mais de 70% dos vencedores estão a comercializar as suas invenções. Um dos projetos vencedores foi o de Judit Giró Benet, de 27 anos, que venceu o James Dyson Award em 2020, depois de ter sido selecionada entre 1800 candidaturas.

A espanhola, que é engenheira biomédica de formação, criou o The Blue Box, um dispositivo médico, baseado em inteligência artificial que procura facilitar a deteção do cancro da mama em casa, de uma forma não invasiva e sem irradiação através de uma amostra de urina, que chegará ao mercado em 2024.

Em que consiste o projeto The Blue Box?
O cancro de mama é o cancro mais diagnosticado entre as mulheres em todo o mundo. A detecção precoce do cancro de mama é crucial para melhorar as probabilidade de sucesso do tratamento e a sobrevivência. No entanto, de todas as 385 milhões de mulheres na Europa, apenas 130 milhões (34%) fazem uma mamografia semestralmente. De todas as 255 milhões de mulheres que não fazem o exame, 81% querem, mas não têm acesso. Isso porque não permite a visualização clara de pequenos tumores em mulheres jovens, que possuem seios densos. Portanto, a maioria dos sistemas de saúde europeus convida apenas mulheres dos 50 a 69 anos para exames baseados em mamografia.

Quando usada em mulheres jovens (com menos de 50 anos), a nossa tecnologia é mais precisa (79,17% vs 58,34%) e sensível (85,19% vs 73,12%) do que a mamografia. Forneceremos às mulheres, de 20 a 49 anos, uma ferramenta confiável para prevenir o cancro da mama.

O que a levou a criar a Blue Box?
As mulheres entre os 20 e os 49 anos não podem fazer o exame do cancro de mama porque as soluções existentes não são confiáveis. No entanto, elas querem fazer o rastreio . Além disso, a maioria dos métodos atuais para triagem do cancro da mama são baseados em radiação. Embora a sua dose de radiação não seja substancial suficiente para ser considerada prejudicial, a mamografia é baseada em radiação, o que significa que apresenta riscos. Em 2024 lançaremos o The Blue Box no mercado, oferecendo o produto a clínicas privadas de ginecologia através de um modelo de assinatura de diagnóstico como serviço e para mulheres através de um fluxo de receita de pagamento por teste, que partilharemos com médicos.

“No ano passado, descobrimos que a nossa precisão era de 75% para prevenir o cancro da mama avançado e, este ano, alcançamos uma sensibilidade de 82% para o cancro da mama precoce”.

Em que fase está o projeto atualmente?
No ano passado, descobrimos que a nossa precisão era de 75% para prevenir o cancro da mama avançado e, este ano, alcançamos uma sensibilidade de 82% para o cancro da mama precoce.

O nosso próximo objetivo é otimizar o The Blue Box para detectar o cancro de mama em estágio inicial. No nosso novo estudo, analisamos a urina de aproximadamente 400 mulheres (sem cancro ou em estágio inicial) e obtivemos a sua “impressão olfativa”. Usamos esses dados para treinar e testar ainda mais a nossa precisão.

Atualmente, estamos a colaborar com sete hospitais em Espanha, que estão a ajudar-nos a recolher amostras de urina: Hospital Universitário Joan XXIII em Tarragona; Hospital Universitário Sant Joan de Reus; Hospital Universitário La Paz em Madrid; Hospital Universitário Infanta Sofia em Madrid; Hospital Universitário Dexeus Dona em Barcelona; Consorci Sanitari de Terrassa (CST) e Hospital Pius em Valls.

A tecnologia que desenvolveu pode ter outras aplicações na medicina?
Não, começamos com o cancro da mama.

A ciência e a tecnologia andam de mãos dadas no combate às doenças e a sua união tem permitido avanços significativos, principalmente na medicina personalizada. É este o futuro?
Sim, é assim que o mundo sempre avançou: o ser humano sempre foi fascinado por ciência e tecnologia. E é por isso que usamos a ciência e a tecnologia quando nos deparamos com um problema, como um desafio de saúde. Isso é o que fazemos e o que tantas start-ups de tecnologia médica ao nosso redor fazem.

“É preciso continuar a comunicar e a divulgar as consequências que os nossos hábitos e decisões quotidianas têm na saúde pública (…)”.

Como vê o futuro da saúde?
Vejo com esperança, se conseguirmos envolver a sociedade como um todo. É preciso continuar a comunicar e a divulgar as consequências que os nossos hábitos e decisões quotidianas têm na saúde pública, o impacto positivo que a integração da IA na medicina está a ter…

É fácil ser-se um jovem empreendedor na área da saúde? Quais foram os maiores desafios que enfrentou?
O ecossistema empreendedor em que me encontro é super positivo e cheio de fundadores que ajudam outros fundadores. Além disso, com a grande equipa que temos agora, tudo fica muito mais fácil!

O que mudou na sua vida desde que ganhou o James Dyson Awards há três anos?
O prémio ajudou-nos muito, deu visibilidade ao nosso projeto. Muitas pessoas escreveram-nos, dizendo que queriam ajudar-nos e que queriam contribuir para o projeto. Isso deu-nos muita força porque vimos o grande apoio de todas aquelas mulheres para quem estamos a desenvolver o The Blue Box.

 Quem são as pessoas que a inspiraram?
A minha família e amigos pela sua resiliência.

É uma das 100 mulheres com menos de 30 anos apresentadas no último volume de Goodnight Stories for Rebel Girls. Qual foi a sensação de ser selecionada?
Eu estava muito animada porque na escola muitas vezes fui repreendida por ser “rebelde”. As pessoas agora finalmente percebem que nem todos temos que ser perfeitos e iguais, a perfeição está na diversidade.

“Vejo-o como um hub de prevenção, um dispositivo médico capaz de detetar múltiplas patologias de forma não invasiva e ao alcance de todos”.

Como vê o The Blue Box daqui a cinco anos?
Vejo-o como um hub de prevenção, um dispositivo médico capaz de detetar múltiplas patologias de forma não invasiva e ao alcance de todos.

Algum plano para o futuro?
Que a vida não seja como eu espero, mas que ela me surpreenda, como diz a canção de Txarango.

Respostas rápidas:
Maior risco: Não viver algo por causa do medo.
Maior erro: Ter dado prioridade ao meu trabalho em vez de me focar em mim (felizmente, as pessoas ao meu redor alertaram-me cedo para isto).
Maior lição: Ideias preconcebidas de coisas e pessoas não ajudam, fecham-nos as portas.
Maior conquista: Conhecer-me muito bem.

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