Opinião
Marketing em tempos de divisão cultural e incerteza política
A globalização, a revolução digital e as recentes mudanças políticas trouxeram uma nova dinâmica para a sociedade: uma polarização cultural evidente e uma crescente incerteza política.
Estas condições desafiam as marcas a reposicionarem-se, a comunicarem com mais clareza e a navegarem num mundo onde as divisões culturais e as crises políticas moldam tanto o comportamento dos consumidores quanto as decisões empresariais.
Com a reeleição de Donald Trump, por exemplo, assistimos a uma intensificação das divisões ideológicas. Este contexto é amplificado pelo efeito de echo chamber nas redes sociais, onde os indivíduos são expostos quase exclusivamente a opiniões que confirmam as suas crenças, afastando-se de qualquer debate. Ao mesmo tempo, crises económicas, mudanças climáticas e conflitos geopolíticos reforçam a imprevisibilidade do ambiente político.
Divisão cultural: identidades opostas e tensões visíveis
Num mundo cada vez mais dividido, as marcas enfrentam o desafio de se posicionarem entre audiências com valores opostos. A fragmentação cultural e ideológica exige que estas sejam extremamente cuidadosas ao comunicar mensagens, pois qualquer erro pode resultar em boicotes ou danos reputacionais.
Um exemplo marcante foi a controvérsia em torno da Nike quando a marca apoiou Colin Kaepernick, um atleta que se tornou um símbolo da luta contra o racismo e a brutalidade policial nos EUA. Embora a campanha tenha gerado boicotes entre consumidores mais conservadores, também fortaleceu o vínculo com audiências progressistas, especialmente jovens e minorias, resultando num aumento das vendas totais.
Por outro lado, o caso da Dolce & Gabbana na China demonstra como a insensibilidade cultural pode amplificar tensões. Em 2018, a marca colocou cidadãos chineses a tentarem comer pizza com pauzinhos. Imediatamente se levantaram vozes no país contra a perpetuação de estereótipos racistas e de inferiorização da cultura chinesa. A reação foi massiva: consumidores chineses boicotaram a marca, eventos foram cancelados e as vendas da marca no maior mercado de luxo do mundo caíram para níveis ínfimos. Este episódio reforça a importância da compreensão profunda dos contextos culturais e da necessidade de evitar mensagens que possam ser interpretadas como desrespeitosas.
Incerteza política: riscos e posicionamentos estratégicos
A incerteza política agrava as dificuldades de comunicação das marcas. Num ambiente global instável, onde crises como a guerra na Europa e no Médio Oriente, as tensões comerciais entre as maiores potencias mundiais, a Europa, os EUA e a China, sobretudo, e o aparecimento em força do chamado Sul Global, e onde a polarização ideológica é também constante, as empresas e os seus veículos, as marcas, precisam decidir cuidadosamente se devem ou não tomar posições públicas.
O exemplo da Goya Foods ilustra este dilema. Quando o CEO da empresa expressou apoio a Donald Trump, a marca foi alvo de um boicote por consumidores progressistas. Por outro lado, essa mesma posição aumentou o apoio de consumidores conservadores, resultando num crescimento pontual das vendas. Este caso demonstra como as marcas, ao se alinharem com figuras ou ideologias polarizadoras, enfrentam tanto riscos quanto oportunidades, dependendo da dimensão dos públicos-alvo afetados.
Spotify Wrapped: personalização e conexão cultural
Em tempos de polarização, campanhas que se focam na individualidade, mas promovem conexão, são especialmente eficazes. O Spotify Wrapped é um exemplo icónico. Todos os anos, a campanha apresenta aos utilizadores um resumo personalizado das suas estatísticas musicais: géneros, artistas e músicas mais ouvidas.
O Wrapped celebra a singularidade de cada utilizador, permitindo-lhes partilhar as suas preferências nas redes sociais, mas também cria uma sensação de comunidade ao destacar tendências globais. Esta abordagem combina personalização e relevância cultural, oferecendo um espaço neutro para interação num contexto onde outras mensagens podem ser mais divisivas.
Estratégias para um mundo dividido
Para operar num mundo marcado pela divisão cultural e pela incerteza política, as marcas precisam de ser ágeis e estrategicamente conscientes. Adotar narrativas que respeitem a diversidade cultural, não no chamado sentido “inclusivo”, mas antes de reconhecimento da diferença e na consciência de que não há apenas uma forma de se posicionarem. O posicionamento será sempre interpretado e estará na mente de cada pessoa sendo, por definição, subjetiva a sua análise que terá que ser respeitada.
No entanto, o mesmo posicionamento não pode ser construído com o sacrifício dos chamados valores universais e fundamentais: o racismo será sempre condenável, como a xenofobia, a homofobia, o desrespeito pelos direitos humanos tal como proclamados e aceites por todos desde há muito. Empresas ou marcas que esquecerem estes – como outros – valores encontrar-se-ão inevitavelmente do lado errado da História. Um momento no tempo é apenas isso, não é o próprio tempo.
Além disso, é crucial reconhecer que as marcas não podem agradar a todos. Identificar nichos e estabelecer conexões autênticas com eles é mais eficaz do que tentar ser universal. A análise de dados e a escuta ativa ajudam as empresas a compreender as necessidades e os valores dos diferentes grupos de consumidores, orientando estratégias que sejam significativas e impactantes.
Num cenário de divisão, as marcas têm o poder de atuar como mediadoras, promovendo mensagens que inspirem diálogo, confiança e conexão. Mais do que uma estratégia de mercado, esta abordagem representa uma oportunidade de liderança ética num mundo em transformação.








