Opinião
Lidar com as coisas e máquinas é fácil, lidar com as pessoas é sempre o mais complicado

Pediram-me para escrever este artigo sobre liderança, que sendo algo que me é familiar, porque me foi falado e ensinado ao longo da minha carreira em múltiplos cursos e livros, cedo concluí que na realidade só se aprende com a exposição às situações, quando somos desafiados a chefiar/comandar – e onde alguns podem, eventualmente, vir a liderar, se estiverem preparados para tal.
O que quero dizer é que não bastam cursos, licenciaturas, mestrados ou doutoramentos, que são ferramentas importantes que nos podem preparar para sermos excelentes técnicos, com conhecimento (pelo menos teórico), mas para se liderar é preciso mais do que isso, é necessário ter a arte para lidar com as pessoas de verdade, é preciso, acima de tudo, ter VIDA.
E o que é isso de “ter vida”? Para mim é o acumular de exposições a diferentes situações, com pessoas, que nos obrigam a ponderar, a avaliar, onde temos de partilhar aquilo em que acreditamos e saber explicar porquê; de ouvir os outros – os que partilham de uma lógica comum e, ainda com maior atenção, os que têm ideias, informadas, dissonantes; e acima de tudo de serem honestos, coerentes e sinceros, convosco e com os outros – só assim podem ganhar a confiança e a credibilidade, essenciais para fomentar verdadeiras relações de trabalho e até de amizade, onde se forjam as equipas, onde se estabelecem as relações fortes que permitem materializar ideias em realidade, em conjunto.
Depois juntando ao conhecimento, a credibilidade que vos for reconhecida pelos outros, a uma boa dose de abnegação e motivação para fazer, podem vir a ser considerados líderes, de preferência pelo exemplo!
De uma forma mais pragmática, poderíamos dizer que o líder tem de ter uma visão muito clara dos objetivos e de como os atingir (liderança criativa); mas não basta que fique com ele, tem de a partilhar com a sua equipa, para que esta a entenda e a tornem sua (liderança emocional); deve ter em atenção as pessoas, ter noção das suas capacidades e limitações (liderança humana); tem de conseguir transformar a visão em realidade, com ações (liderança técnica); e não pode comprometer os valores e princípios humanos ou da instituição/empresa (liderança ética).
De uma forma mais simplista poderíamos até recorrer aos ditados populares, que são, de facto, a sabedoria empírica acumulada – “duas cabeças pensam melhor do que uma”; da discussão nasce a luz”; etc.
De facto, se pensarmos bem nos sucessos da evolução humana e até nos nossos pequenos sucessos pessoais, acabamos por perceber que raramente são obra de uma só pessoa, mas antes um conjunto de muitos contributos, que estão quase sempre ligados a pessoas mais do que a coisas, que de forma mais ou menos direta, em maior ou menos percentagem, contribuíram para aquele sucesso, ou uma soma de pequenos sucessos que resultaram num maior. Diria mesmo que, salvo raras ocasiões, os sucessos são sempre coletivos, mesmo quando não conseguimos identificar todos ou muitos dos seus contribuintes.
Assumir que qualquer pessoa está concebida para crescer, melhorar e evoluir, e que o coletivo é sempre melhor que o singular, são os primeiros passos para se perceber que um dia se pode ser líder – dentro do ciclo de amigos, nas atividades da escola, numa organização, instituição ou empresa – no que for e quando for – não há um timing definido e pode nem nunca acontecer – ou porque se desiste ou não se está devidamente preparado.
Daí os chefes/comandantes e os líderes serem diferentes, na essência, apesar de não poucas vezes, iguais na posição que conseguem alcançar. A diferença está, essencialmente, no reconhecimento, pelo exemplo, e na credibilidade conferida por aqueles que dele dependem (funcional e/ou hierarquicamente). Alguns exemplos típicos que denunciam, à partida, os líderes dos que têm a pretensão de o ser: o líder sugere à equipa, o chefe manda fazer; o líder não grita para se fazer ouvir, o chefe é o que fala mais alto, mas poucos o ouvem; o líder começa as frases com “nós”, o chefe começa demasiadas vezes com “eu”; etc.
Ouve-se com alguma frequência que nem todos nascem para ser líderes – é verdade, mas não no sentido lato da palavra – ou seja, não acredito que há os que nascem já líderes e outros não, mas antes vão-se revelando, crescendo, muitas vezes desde tenra idade, com a educação dos seus progenitores ou de quem esteve mais próximo, da escola e do ciclo de amigos, dos colegas de trabalho que o influenciam, etc., enfim, de tudo o que está á nossa volta e acaba por interagir com o eu. Aqueles que nascem e crescem em ambientes com núcleos familiares mais coesos e têm acesso a uma melhor educação, levam uma vantagem à partida, mas a história comprova que há muitas variáveis que alteram esta vantagem inicial e que de facto está ao alcance de todos, apenas poderá requerer mais convicção e dedicação de alguns, que partiram mais atrás.
Mas de todos os influenciadores no processo de crescimento, considero que são os nossos líderes (reconhecidos por nós), aqueles que admiramos profundamente, cujos exemplos queremos seguir e os quais o tempo não apaga – revemo-nos frequentemente nos nossos pais e avós e em muitos heróis e bons exemplos que, de alguma forma, fizeram parte da nossa vida. E, vezes sem conta, quando são precisos, lá estão eles –através do nosso subconsciente que nos diz que “é por ali” – e que racionalmente não conseguimos explicar, mas na verdade é algo que já foi apreendido no passado e nos ficou gravado, a que não poucas vezes apelidamos de intuição.
Depois é preciso não ter medo de errar, reconhecer, melhorar e tentar de novo. Errar é viver, melhorar e tentar de novo faz parte da natureza humana, mas reconhecer e acima de tudo admitir publicamente – ou seja responsabilizar-se perante os outros, é talvez a maior das virtudes de um líder. Ganha respeito e credibilidade – ganha o direito de também chamar a atenção dos outros e de os responsabilizar pelos seus atos, quando não o fazem – ou seja, trata todos por igual, incluindo-se a ele próprio no direito de errar. É óbvio que não pode ser um errante sistémico, mas quando erra tem de ser o primeiro a chegar à frente e admitir que errou. E de preferência partilhar as lições apreendidas para que outros não cometam o mesmo erro.
Este tipo de comportamento, na vossa vida quotidiana, junto daqueles que vos são mais próximos, dos amigos e da empresa ou instituição, torna, inevitavelmente, esses grupos mais fortes e coesos, porque sabem que podem partilhar experiências e ensinamentos, sem serem julgados e condenados, e podem crescer mais rápido, evoluir – como disse Augusto Cury – “uma pessoa inteligente aprende com os seus próprios erros, uma pessoa sábia aprende com os erros dos outros” – na verdade é disto que estamos a falar – daí a evolução da espécie humana com a partilha do conhecimento.
Parte desta partilha, de forma natural, acontece desde os tempos mais remotos com os sábios/chefes das aldeias (os mais experientes, os que tinham mais vida) e que partilhavam as suas histórias e ensinamentos com a restante tribo, ou, já em tempos menos idos, dos netos que ouviam (por vezes repetidamente) os contos e experiências dos avós e que ficaram gravados para sempre, apesar da tenra idade e de tudo o que já esquecemos depois disso.
Vejamos a realidade atual, onde, cada vez mais, os jovens tendem a fechar-se na sua redoma tecnológica, partilhando, de facto, muito nas redes sociais – mas, por norma, o que eles fazem de bom e o que os outros fazem de mal. Nada tem a ver com o que descrevi nos dois últimos parágrafos, é quase o oposto. Não querendo escamotear o que a tecnologia de bom trouxe e a evolução sem precedentes associada, vocês, jovens, não se esqueçam de viver – de partilhar com os outros, de falar, de errar, de assumirem quando erram, de aprender com os erros e de tentar de novo, uma e outra vez – as vezes que for preciso! Não estou a falar de reset, mas de (não ter medo de) cair para depois se levantarem!
Não se esqueçam que uma das maiores características de quem tem sucesso na vida é a perseverança, a resiliência perante as adversidades, enfrentar os “não”, os “vai fazer de novo”, os “foi bom, mas ainda não chega”, que nos obrigam a crescer.
Para mitigar os obstáculos criem rotinas (boas), mas não sejam rotineiros. As rotinas são sinónimo de disciplina e organização. Ser rotineiro, é ficar pelo seguro, não correr riscos, não assumir novas experiências, ter medo de enfrentar os medos, parar de crescer. Não sejam autocomplacentes, acomodados, não baixem os braços.
Numa frase e utilizando um lugar comum, adaptado – vocês podem ser aquilo que estiverem dispostos a ser – isto porque o vosso grau de realização pessoal é diretamente proporcional ao vosso grau de compromisso e de sacrifício que estão dispostos dar, tão simples quanto isto!
Depois, àquilo que muitos chamam de sorte, é estarem preparados e terem a coragem para aproveitar as oportunidades quando elas vos surgirem – e quanto melhor estiverem preparados, mais oportunidades vão surgir. Depois cabe a cada um de vós fazer as vossas escolhas – no final da viagem, a nossa vida foram as nossas escolhas!
Nunca deixem de aprender, de estudar, porque o vosso/nosso futuro começa hoje, todos os dias, no sentido de fazermos o caminho, de construirmos o conjunto de todos os “hoje”. Aproveito este repto para transmitir uma palavra de agradecimento à Associação Começar Hoje, que com as suas múltiplas iniciativas, mesmo nestes tempos difíceis de pandemia, continua a contribuir para que os jovens possam estar melhor preparados, para terem mais e melhores oportunidades (mais sorte).
Deixo-vos, por fim, com um pensamento de Tensin Gyatso (Dalai Lama) – “viver é apostar no que se deseja e correr o risco de que aconteçam coisas. Sobreviver é agarra-se ao que é seguro e não permitir que aconteça mais nada de interessante” – permitam-se viver! Vocês são o futuro de Portugal e espero que muitos de vós venham a ser, de facto, bons líderes!
Versão do texto em inglês
I was asked to write this article on leadership, which is something that I’ve become familiar with throughout my career, as well as in multiple courses and books. Nevertheless, I soon realized that you can only learn from exposure to situations, when we are challenged to lead, to command, to be in-charge – and then, some may eventually become leaders, if they are prepared to. What I mean is that courses, academic degrees, master’s or doctorates are not enough – they are important tools that can prepare you to be excellent technicians, with knowledge (at least the theoretical part), but to lead, you need more – it is necessary to have the skills to deal with real people, but above all, to have LIFE.
And what does it mean? For me, means to be exposed to several situations, with people, that compel us to evaluate, to find where we are; to share our believes and be able to explain why; to listen to others – those who have the same mindset, but more importantly those who have different ideas, the informed dissonant ones; and above all, to be honest, coherent and genuine, with yourself and with the others – that’s the only way can you gain the trust and credibility, essential to foster a working crew and even friendly relationships, where the real teams are forged – the ones that will transform ideas into reality, together.
Adding knowledge and the credibility, recognized by others, a good amount of generosity and motivation, you may become a leader, preferably by example!
In a more pragmatic way, we could say that the leader must have a very clear vision of the objectives and how to achieve them (creative leadership); but it is not enough keeping them to yourself, you have to share it with your team, so that they understand it and make it theirs (emotional leadership); must pay attention to people, be aware of their abilities and limitations (human leadership); it has to be able to transform the vision into reality, with actions (technical leadership); and it cannot compromise human or institutional values and principles (ethical leadership).
In a more simplistic way we could even use people’s wisdom – “two heads think better than one”; “discussion brings light” … In fact, if we think about the achievements of human evolution and even our small personal successes, we end up realizing that they aren’t a product of a single person, but rather a set of many contributions, which are almost always linked to people, that directly or indirectly, in a greater or lesser percentage, contributed to that success. I dare to say that, except for rare occasions, successes are always collective, even when we are unable to identify all or many of its contributors.
Assuming that everyone has the capacity to improve and evolve, and that the collective is always better than the singular, are the first two steps to grow as a leader – within your cycle of friends, in your school activities, within an organization, institution or company – anytime and anywhere – there is no set timing, and it may or may not happen – either because you give up or you aren’t prepared, yet.
Another misperception is to believe that “boss”, “chief” or “commander” means “leader”. In fact, they might be different persons, in essence, although not uncommonly, equal in post or position, that they managed to achieve. The difference is essentially in the recognition, by example, and the credibility given by those who depend or work for them (technically and / or hierarchically). Some typical examples which distinguish leaders from those who claim to be: the leader suggests to the team, the boss tells them to do it; the leader does not shout to make himself heard, the boss is the one who speaks the loudest but just a few hear or understand what he says; the leader starts the sentences with “we”, the boss starts (way) too often with “me”; and so on…
It is also common to heard that “not everyone is born to be a leader” – it is true, but not in the verbatim sense of the word – I do not believe that there are those who are already born leaders and others that are not, but rather the ones that reveal themselves, during the growth process, often from a young age, starting with the education of their parents and close ones, at school and with their friends, co-workers, etc. In short, everything around you that ends up interacting with yourselves, the YOU.
Those who are born and raised within a good family core and have access to a better education, might have an advantage at the beginning, but history proves that there are many variables that change this initial advantage and it is, in fact, available to all – it may only require more conviction and dedication from some, who started further behind.
But of all the influencers in the growth process, I consider the main one to be our leaders (recognized by us), those we deeply admire, whose examples we want to follow and which time does not erase. We often recognize ourselves in our parents’ and grandparents’ values and in many heroes and good examples that somehow are part of our lifes. And, again and again, when they are needed, they are there – through our subconscious that tells us “that’s the way” – even when we cannot rationally explain it, was in fact something already learned and recorded, but perceived as intuition or instinct.
Don’t be afraid to make mistakes, as long as u improve and learn from them. Mistakes come with choices and to choose is to live; improvement by tryal and error is part of human nature; but recognizing your mistakes and, above all, to admit in public, is perhaps the greatest quality of a leader. He gains respect and credibility – he gains the right to also draw the attention of others and to hold them accountable for their actions – which means that everyone is valued equally, including himself. It is obvious that you cannot be a systemic fiasco, but when you make a mistake you have to be the first to come forward and admit it, without excuses. And preferably, share the lessons learned, so the others do not need to make the same mistake.
This type of behavior, in your daily life, towards those closest to you, friends or co-workers, certainly makes these groups stronger and more interconnected, because they know that they can share experiences and lessons identified or learned, without being judged and condemned, can grow faster and evolve – as Augusto Cury said – “an intelligent person learns from his own mistakes, a wise person learns from the mistakes of others” – in fact, this is what we are talking about – hence the evolution of human kind.
Part of this sharing, naturally, has been taking place since ancient times with the wizards and tribe leaders (those with more life experience), that shared their stories and lessons. Same applies to recent decades, where grandchildren used to listen (sometimes repeatedly) to their grandparents’ stories and experiences that stayed in their memories forever, despite their young age.
Let’s look at nowadays, where, young people tend to close themselves in their technological dome, sharing, in fact, a lot, on social networks – but, most of the times, share what they do well to look good and criticize what the others do bad. It has nothing to do with what I described in the last two paragraphs, it is, in fact, almost the opposite. Despite what technology has brought to society and the associated unprecedented evolution, you shall not forget to live – to share with others, to speak to others humans (face to face), to make mistakes, to assume when you make mistakes, to learn from those mistakes and to try again and again, as many times as needed! I’m not talking about a reset, but about (not being afraid to) fall and then stand up again!
Do not forget that one of the greatest characteristics of success in life is perseverance, resilience in the face of adversity, facing the “no’s”, “try again”, “it was good but not enough”. To mitigate obstacles, create (good) routines, but don’t be a routine. Routines are synonymous of discipline and organization. Being a routine means staying safe, not taking risks, not trying new approaches, being afraid to face your fears, to stop growing. Do not be self-indulgent, complacent, do not give up. In a sentence and using a common saying, adapted – you can be what you are willing to be – because your degree of personal fulfillment is directly proportional to your willing for commitment and sacrifice!
What many call luck, is simply having the preparedness and courage to grab the opportunities when they arise – but the better you are prepared, the more opportunities will come your way. Then it is up to you to make your choices – at the end of the trip, our life was our choices!
Never stop learning, studying, because your and our future starts today, every day, to build the life of all “today’s”. I take this challenge to convey a word of appreciation to the “Associação Começar Hoje” (“Starting Today Association”), with its multiple initiatives, independent of difficult pandemic times, to continue to find ways to help the youngsters to be well prepared, to have more and better opportunities (to be luckier in life).
Finally, I share with you a thought by Tensin Gyatso (Dalai Lama) – “To live is to bet on what you want and to take the risk to let things happen. Surviving is to hold on to what is safe and not allow anything more interesting to happen” – allow yourself to live!
You are the future of Portugal and I hope that many of you will, in fact, become good leaders…