Intermediários de crédito movimentam mais de metade do crédito habitação em Portugal

Intermediários já são “responsáveis” por 57% do crédito à habitação em 2024. Portugal foi o segundo país da União Europeia em que a margem financeira mais aumentou. A informação foi avançada na 2ª Conferência da Simplefy.

Os intermediários de crédito controlam atualmente 57% do crédito habitacional e cerca de metade do crédito especializado em Portugal, de acordo com a DECO Proteste e os relatórios do Banco de Portugal, consolidando-se como protagonistas incontornáveis do sistema financeiro nacional. Os dados, revelados pelo economista Pedro Brinca, economista e professor na Nova SBE, durante a 2ª Conferência da Simplefy, evidenciam uma transformação profunda num setor que há uma década tinha um papel marginal no mercado português.

“São vocês que guiam os consumidores num percurso muitas vezes complexo feito de decisões cruciais, orientando-os com conhecimento, ética e responsabilidade”, afirmou Rui Lopes, CEO da Simplefy, empresa portuguesa que se afirma enquanto Comunidade de Intermediários de Crédito.

Pedro Brinca revelou ainda que “Portugal foi o segundo país da União Europeia em que a margem financeira mais aumentou”, segundo dados do Banco Central Europeu (BCE) sobre margens bancárias, estabelecendo uma “correlação incrível, negativa, entre os níveis de literacia financeira de cada país e quantas margens financeiras aumentaram”.

Dados norte-americanos provenientes de um estudo académico sobre discriminação no mercado de hipotecas e de uma análise ao mercado de empréstimos automóveis, apresentados pelo economista mostram que, em média, cada consumidor paga mais 340 dólares por cada 100 mil euros de empréstimo por ano do que a melhor proposta disponível no mercado. “Se 20% dos consumidores tivessem pedido uma cotação adicional, a poupança agregada atingia 4 mil milhões de dólares por ano nos Estados Unidos“, exemplificou, sublinhando o potencial económico da comparação de propostas.

Em Portugal, a situação é agravada pela baixa cultura de procura ativa de crédito. “Temos pouca cultura de procurar crédito, de comparar propostas e ter a capacidade de conhecimento para as comparar”, diagnosticou Pedro Brinca, recordando situações em que consumidores desconheciam conceitos básicos como o spread bancário.

A consolidação dos intermediários coincide com uma reconfiguração estrutural do setor bancário português. “Temos observado uma reconfiguração das redes das agências, otimização de recursos, uma diminuição das agências e muitos bancos que recaem cada vez mais nos intermediários de crédito como parceiros para a originação de novos empréstimos”, explicou Pedro Brinca.

Esta parceria estratégica reflete uma evolução profissional significativa para o CEO. “Os intermediários de crédito começaram com uma missão muito mais monolítica, que era encontrar o crédito mais barato. Com o passar do tempo, também os intermediários têm de trazer mais do que isso para cima da mesa”, explicou Ricardo Chaves, vice-presidente da Data Science Portuguese Association e diretor-executivo do BPI, ao destacar que “um crédito de habitação é o início de uma relação duradoura de um cliente com um banco”.

Proteção do consumidor como missão

Vinay Pranjivan, consultor da Deco Associação, posicionou os intermediários como defensores ativos dos direitos dos consumidores: “O intermediário de crédito é um aliado do consumidor. É alguém que está ali para o proteger, para o defender, para garantir que os seus direitos são respeitados”.

Esta função ganha relevância particular num mercado onde a complexidade dos produtos financeiros contrasta com a baixa literacia da população. “O intermediário de crédito é o guia, é o GPS que ajuda o consumidor a navegar neste mercado complexo. É ele que esclarece as dúvidas, que compara as propostas, que negocia as condições”, sublinhou o representante da Deco Associação.

Susana Duarte, Partner na Abreu Advogados e Fátima Palma, CFO da Simplefy, reforçaram a importância de os intermediários de crédito estarem atentos às implicações fiscais das suas operações, e destacaram que “a Autoridade Tributária tem cada vez mais formas alternativas de validação, o que exige que tudo esteja muito bem documentado para evitar problemas futuros”. A especialista alertou ainda para cuidados específicos com benefícios oferecidos aos trabalhadores, como seguros de saúde e fundos de pensões, que devem seguir critérios objetivos para manter isenções fiscais e evitar reclassificações que possam gerar custos adicionais. “Não é que não seja possível oferecer pacotes atrativos aos trabalhadores, mas é preciso cautela para evitar riscos fiscais e sociais no futuro”, concluiu a advogada.

Inteligência artificial como ferramenta

A integração de tecnologias emergentes, particularmente a inteligência artificial, surge como fator diferenciador no setor. Ricardo Chaves desmistificou receios sobre a automatização: “A inteligência artificial não retira a pessoa do centro da relação. Hoje podemos chegar ao ChatGPT ou Copilot e ter uma conversa que nos dará uma resposta muito mais clara sobre como explicar àquela pessoa”.

O representante da Data Science Portuguese Association explicou como a tecnologia potencia o trabalho dos intermediários: “A tecnologia permite-lhe três coisas muito importantes: ganhar respostas mais rápidas, obter respostas mais precisas, mas sobretudo ganhar tempo. Tempo para estabelecer relações próximas e duradouras”.

Emília Vieira, CEO & Founder da Casa de Investimentos, defendeu uma visão mais abrangente do futuro da profissão: “O futuro do intermediário de crédito passa por ser um gestor de patrimónios. Passa por ser alguém que ajuda o cliente a tomar as melhores decisões financeiras, não só no crédito, mas também no investimento”.

Esta perspetiva ganha relevância face aos dados sobre poupança em Portugal apresentados pela especialista. “A Casa de Investimentos analisou mais de 5.000 Planos Poupança Reforma (PPR) transferidos de outras instituições financeiras. Os resultados revelaram que 29% destes PPR registaram perdas nos últimos 10 anos, com uma rentabilidade média de apenas 1,16% – um desempenho inferior ao dos depósitos a prazo no mesmo período”.

Rita Piçarra, ex-diretora financeira da Microsoft Portugal e atual empresária, participou na conferência e reforçou a importância da dimensão humana: “A cara que vai estar presente a falar com o cliente é a vossa, e a empatia que vocês vão demonstrar isso vai capturar a atenção”. A empreendedora, que se ‘reformou’ aos 44 anos, sugeriu áreas de expansão como seguros e câmbios, especialmente relevantes “com tantos imigrantes que temos agora no nosso país”.

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