Opinião

Inovação com Propósito: uma Europa Humana na Era Digital

Miguel Ângelo Silva Pereira, gestor de operações e responsável pelo Departamento de Gestão de Projetos na CaetanoBus

Vivemos num tempo em que a ciência e a tecnologia deixaram de ser apenas instrumentos de progresso económico: são agora pilares da própria coesão social.

A União Europeia tem afirmado, pela voz de líderes como Roberta Metsola e Ursula von der Leyen, que o digital só será verdadeiramente europeu se refletir os valores que nos definem: dignidade, solidariedade, equidade. É este o desafio do nosso tempo: fazer da inovação um motor de impacto social para todos, não apenas para alguns.

A ciência aponta-nos vários caminhos: uns privilegiam a eficiência e a automação, outros sublinham a necessidade de proximidade e empatia. De facto, este não é apenas um debate para especialistas: é uma escolha coletiva que deve envolver políticos, gestores, juristas, médicos, cientistas e cidadãos. A tecnologia que exclui ou fragiliza não é progresso, é retrocesso mascarado de inovação.

No domínio da saúde e do cuidado, esta visão torna-se urgente. A integração de robots assistenciais em lares, residências de saúde e no apoio a pessoas com deficiência mostra o enorme potencial de uma ciência aplicada ao bem-estar humano. São tecnologias que podem reduzir o isolamento, apoiar cuidadores informais, monitorizar a saúde em tempo real e dar respostas onde hoje faltam mãos e recursos. Mas não podemos esquecer que os dados de saúde não são apenas informação, são fragmentos da vida de cada pessoa e exigem o mais elevado padrão de proteção e respeito.

Não podemos, por isso, restringir este debate apenas aos mais vulneráveis. Uma Europa que se quer justa tem de garantir que a inovação serve a todos, desde o idoso isolado na sua aldeia até ao jovem altamente conectado numa grande cidade. A ciência deve unir, não dividir. O digital tem de ser uma ponte de oportunidades e não um novo muro de desigualdades.

Falo a partir da minha própria experiência, tendo nascido numa aldeia, de origens humildes. Aprendi desde cedo a importância de compreender o outro: o que sente, o que acredita, o que o move. Essa lição acompanha-me hoje, quando penso a inovação porque no fim, não falamos de máquinas ou algoritmos: falamos de pessoas. E só percebendo o ser humano na sua totalidade é que conseguiremos desenhar tecnologias que sirvam, de facto, a sociedade.

Os modelos de negócio, digitais ou não, têm aqui uma responsabilidade clara. Já não basta medir o sucesso em faturação ou em número de utilizadores. O verdadeiro indicador de futuro será o impacto positivo que uma empresa gera nas comunidades. Um modelo económico que ignore esta dimensão social será, sempre, incompleto.

Por isso, a mensagem é: a inovação sem propósito é apenas técnica. A inovação com propósito é liderança. Cabe-nos escolher de que lado queremos estar.

E na Europa, onde o humanismo moldou a nossa identidade, a escolha só pode ser uma: ciência e tecnologia ao serviço das pessoas, todas as pessoas!

O futuro será julgado não pela velocidade com que criámos novas máquinas, mas pela coragem com que garantimos que ninguém ficou para trás. É nesta coragem, neste compromisso com o impacto social, que a Europa pode e deve liderar.


Miguel Ângelo Silva Pereira, engenheiro e gestor industrial, é apaixonado por transformar ideias em resultados. Atualmente, é gestor de operações e responsável pelo Departamento de Gestão de Projetos na CaetanoBus, empresa do Grupo Salvador Caetano. Professor do ensino superior e investigador, alia experiência de liderança à visão académica para repensar processos, estratégias e modelos de negócio. Doutorando em Engenharia Industrial e de Sistemas, na Universidade do Minho, e consultor para a Indústria 4.0, escreve para inspirar reflexão, questionar certezas e propor soluções inovadoras para os desafios da indústria e da sociedade. Com passagem por funções de diretor tecnológico (CTO) em grupos empresariais de relevo, liderou e desenvolveu projetos de âmbito nacional e internacional, impulsionando a inovação e a transição digital.

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