Entrevista/ “Iniciativas locais e descentralizadas como o SEW são importantes para ativar a economia”

Igor Tasic, fundador e CEO da Startup Europe Week

Igor Tasic concretizou o seu sonho de organizar um evento que liga os principais atores do ecossistema empreendedor em cada região. O Startup Europe Week é uma realidade desde 2016, tendo já passado por mais de 50 países e contado com a ajuda de 200 mil assistentes na organização de sessões e workshops.

Na última década, muitas iniciativas globais foram criadas para celebrar o empreendedorismo, seguindo o formato de Silicon Valley (discursos motivacionais e sessões de networking, por exemplo). Mas quando olhamos para a Europa, a diversidade regional e a criação de políticas locais ainda desempenham um papel na formação das start-ups europeias. Desde ajudar os empreendedores a criar uma empresa, até fornecer subsídios ou incentivos fiscais, as regiões europeias são as principais participantes. Para incluir as regiões nesta conversa, foi criado o Startup Europe Week (SEW), cuja primeira edição decorreu em fevereiro de 2016.

Há dois anos, Portugal também aderiu ao SEW, com Mafra a receber esta iniciativa que conta com coorganizadores em toda a Europa, que dinamizam sessões que respondem a especificações locais e regionais, mas também workshops que visam guiar os empreendedores em temas práticos.

Em entrevista ao Link To Leaders, Igor Tasic, fundador e CEO do Startup Europe Week, fala deste evento como uma oportunidade para os empreendedores aprenderem mais sobre todos os recursos disponíveis na sua região, bem como a nível europeu, e traça o cenário futuro para as start-ups no após Covid-19.

Como surgiu a ideia de criar o Startup Europe Week (SEW)?
Surgiu a partir da minha frustração com o que via no mundo do empreendedorismo. Muita festa. Muitos aceleradores, mentores, eventos…Muita gente a falar que, para ser empreendedor, basta ter uma ideia, coragem, um portátil e trabalhar num “coworking cool”. Quando olhamos para a realidade, vemos que a coisa nao é tao festiva assim. Muito menos é uma depressão total.

Quando olhamos para a realidade das pequenas e médias cidades, o foco de atenção para o mundo empreendedor é minúsculo. Isso é verdade na Europa, mas também no resto do mundo. Hubs importantes como Lisboa, Berlin, Londres, Silicon Valley são a exceção, não a regra. Não podemos pensar que todos vão olhar para os empreendedores que conseguem estar nestas cidades e empreender da mesma forma. Não podem e não vão.

Como resultado, muitas pessoas ficam deprimidas e pensam que o empreenderismo não é um caminho para elas ou que têm que estar em algum destes grandes hubs. Isso não é verdade, ou pelo menos, não é verdade quando um empreendedor está a começar. Se quer criar uma empresa de bolos, faz todo sentido do mundo primeiro tentar vender o bolo à sua família, amigos, vizinhos. Estas pessoas tendem a estar na sua cidade. Você tende a conhecer bem os hábitos locais. E isso é fantástico se está a começar a empreender, porque fá-lo focar-se na única coisa que importa que é o produto. Ou melhor, focar-se no problema em que está obcecado por resolver e criar uma solução.

Então olhar para esta realidade e ao ver a quantidade enorme de recursos disponíveis nas cidades para novos empreendedores, pensei que era importante criar um espaço, uma espécie de “palco” para que as cidades pequenas e médias conseguissem demonstrar que é, sim, possível começar a empreender localmente. Não importa quão pequena seja a cidade, existirá sempre um apoio local, seja na esfera pública ou privada. E para um empreendedor que já iria começar um novo negócio na sua sala, ter esta pequena visibilidade local talvez seja o gatilho que faltava para começar.

Dessa forma, criei o Startup Europe Week para ajudar estes empreendedores locais. Para que eles conheçam quais os recursos que existem localmente (gratuitos, normalmente) e quem são as pessoas da sua cidade que podem tornar-se nos seus primeiros clientes, investidores, mentores ou simplesmente amigos. A minha satisfação é saber que as cidades realmente beneficiam deste tipo de iniciativa. Com isso, conseguimos transformarmo-nos no maior evento global de sobre empreendedorismo local.

Que iniciativas têm previstas até ao final do ano?
Em 2020 fomos todos surpreendidos pelo coronavírus. Assim como outros grandes eventos, tivemos que suspender a realização do SEW20. Estamos a avaliar novas datas para 2020, se a questão sanitária nos permitir. Mas em paralelo estamos a organizar diversas iniciativas online para colocar em valor todo o capital inteletual dos nossos coorganizadores em todo o mundo.

Por exemplo, vamos lançar nas próximas semanas uma série de entrevistas e vídeos com os nossos parceiros locais para que eles digam como os empreendedores podem ser ajudados nas suas regiões a recomeçar as suas atividades. Ninguém melhor do que os nossos coorganizadores para dar uma mensagem de apoio e informações práticas para que os empreendedores locais recomecem a sua vida.

“Ao longo das quatro edições do SEW, em mais de 50 paises, tivemos mais de 200 mil assistentes e mais de 8 milhões de empreendedores impactados direta ou indiretamente pelos nossos canais de comunicação diretos e indiretos”.

Quantas start-ups já impactaram com as vossas iniciativas?
Ao longo das quatro edições do SEW, em mais de 50 paises, tivemos mais de 200 mil assistentes e mais de 8 milhões de empreendedores impactados direta ou indiretamente pelos nossos canais de comunicação diretos e indiretos. Mas, além dos números, gosto muito dos feedbacks individuais que recebo tanto de coorganizadores, como de empreendedores. Lembro-me com muito carinho, por exemplo, de um empreendedor da Bósnia-Herzegovina que me enviou um e-mail a agradecer pelo fato de que, graças ao evento SEW em que participou, conseguiu o seu primeiro investidor.

Como sabemos a indústria de venture capital ou mesmo os business angels muitas vezes não olham para algumas regiões, o fato de conseguirmos colocar pessoas locais em contato e criar um novo mercado (seja de produtos, investimentos ou conselhos), prova que iniciativas locais e descentralizadas como o SEW são importantes para ativar a economia local.

“Gosto muito da volta que Portugal deu nesta última década, apostando fortemente no talento nacional, mas também abrindo espaço para trocas com talento exterior”.

Qual ou quais os países que são um exemplo ao nível da aposta/apoio ao empreendedorismo?
Muitos países entenderam desde 2008 que empreender não é um luxo, mas uma necessidade. Como dizia Schumpeter, é da natureza do capitalismo a sua destruição criativa. Empreendedores são os que fazem acontecer.

Gosto muito da volta que Portugal deu nesta última década, apostando fortemente no talento nacional, mas também abrindo espaço para trocas com talento exterior. Isso ajuda a criar um ambiente quase socrático de conhecimento espontâneo entre empresas, universidades, empreendedores que só tende a beneficiar a economia no longo prazo de forma agregada.

Vejo também uma grande aposta de vários países no Leste Europeu. Neste países há uma procura reprimida e uma enorme quantidade de talento jovem disposto a criar e a trabalhar para um objetivo global. Governos, universidades e investidores locais entenderam isto e começam a criar um bom ambiente para novos empreendedores.

Está prevista alguma iniciativa do Startup Europe Week para Portugal?
Claro! Portugal sempre esteve presente no Startup Europe Week. Com eventos desde Viana do Castelo até Portimão. Um excelente exemplo do típico evento SEW no mundo foi o que foi organizado em Mafra/Ericeira em 2018.

“Sei que muitas start-ups e pequenos negócios vão fechar as portas com esta crise. Muita gente ficará desempregada e muito valor será destruído”.

Quais os grandes desafios que se colocam às start-ups hoje em dia e em tempos de Covi-19?
Sinceramente, é a sobrevivência. Sei que muitas start-ups e pequenos negócios vão fechar as portas com esta crise. Muita gente ficará desempregada e muito valor será destruído. Não existe mais espaço no mundo para aquela ideia festiva de empreendedorismo. Só vai sobreviver quem tiver fundamentos sólidos, capacidade profunda de não se distrair e procurar a verdade acima de tudo. A maioria não vai conseguir. A minoria que conseguir vai criar os monopólios / oligopólios das próximas décadas.

De acordo com as previsões da CB Insights, o financiamento desacelerará durante os próximos trimestres, com alguns a mostrarem um “desinvestimento” mais frequente nos países mais atingidos. Como poderão as start-ups mitigar as perdas?
Existe uma corrida global por liquidez. Toda as empresas, grandes e pequenas estão a aumentar as suas reservas de caixa com o objetivo de sobreviver. Entao, haverá, sim, muito desinvestimento, como está a acontecer nos mercados de ações. No caso das start-ups, os fundos de venture capital e private equity terão mais dificuldades em desinvestir pela falta de liquidez deste mercado.

Provavelmente haverá uma grande consolidação em alguns setores, incluindo o tecnológico. As grandes empresas, com caixa, sairão às compras. Mas isto não vai dar aos investidores a segurança de que as novas empresas vao conseguir sobreviver. Um caso emblemático é o Airbnb, que certamente vai adiar o seu IPO e provavelmente vai enfrentar uma crise por sua sobrevivência. É uma crise global de oferta e procura. O ponto de equilíbrio de todos os setores e empresas vai mudar e ainda não sabemos onde vai se situar.

As start-ups e todas as empresas, na verdade, têm pouco o que fazer a não ser garantir que os seus balanços saiam o mais fortalecidos possível. E isto requer decisões duras e rápidas, todas na linha da preservação do capital financeiro (caixa), capital inteletual (produtos, serviços, processos) e capital humano (pessoas). Digo decisões duras, porque haverá muitos cortes nas três linhas e a atenção estará voltada para os fundamentos. Quais são as ações, produtos, serviços, processos e pessoas que são cruciais para que o meu negócio continue a existir, mesmo que menor?

“(…) existe uma necessidade de revisão profunda de produtos, serviços e processos com o objetivo de ganhar máxima eficiência e impacto com o mínimo de recursos necessários”.

Quais são as maiores necessidades de uma start-up, além de investimento, neste momento difícil?
Como disse antes, “cash is king”, a preservaçao da sobrevivência do empreendedor, quase no nível pessoal, é uma tática de guerra que deve ser aplicada já. Na sequência, existe uma necessidade de revisão profunda de produtos, serviços e processos, com o objetivo de ganhar máxima eficiência e impacto com o mínimo de recursos necessários.

Tudo isto, obviamente, deve ser completado por uma comunicação fluída, constante e transparente para com as pessoas, sejam funcionários, clientes e investidores. Nao dá para “dourar a pílula”. A verdade sobre o que está a acontecer tem que ser colocada na mesa de forma imediata e as decisões tomadas com racionalidade e firmeza.

Faz parte do Startup Europe Week levar o projeto para outro continente que não o Europeu?
Já somos globais desde 2017! Fizemos eventos em mais de 50 países, nas Américas, África, Ásia e Médio Oriente. Com a experiência tão bem-sucedida na primeira edição em 2016, vimos que os problemas que enfrentam as regiões europeias são iguais aos de qualquer região do mundo. Obviamente, na Europa, temos mais recursos disponíveis, mas ainda assim o “mindset” de que inovação e talento estão em todos os lugares é um fato global.

Que conselhos daria a um fundador de uma start-up?
Foco total na única coisa em que pode controlar: a sua obsessão em resolver um problema e criar um produto ou serviço como solução para este problema. Negócios são abertos e fechados todos os dias, mas inúmeros problemas continuam sem resolução. Esta é a inspiração de um empreendedor, sempre. Levantar dinheiro, sair nos meios de comunicação, ficar famoso é uma consequência de algo muito, muito superior, que é resolver o problema de alguém. Empreender é criar algo que alguém queira. Seja um bolo, seja a descoberta de vida em outro planeta.

Respostas rápidas:
O maior risco:  Não procurar a verdade em todas as coisas.
O maior erro:  Fazer o que os outros querem que faça.
A maior lição: Não existe certo ou errado, tudo que acontece na tua vida ensina-nos algo.
A maior conquista: Chegar ao destino das visões que estabeleci para mim mesmo.

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