Opinião
A importância do correto alinhamento entre marketing e vendas

Diversos estudos apontam que quanto maior a colaboração entre os departamentos de marketing e vendas, maiores os benefícios para o resultado da organização.
Para diversos autores existe uma clara relação causal, sendo identificados cinco antecedentes principais que permitem aumentar esta colaboração:
- Uma atitude positiva e construtiva do top management para com o aumento da colaboração marketing-vendas;
- A redução de conflitos inter departamentais;
- A melhoria da comunicação;
- O estabelecimento de formatos de análise e aprendizagem com os resultados;
- A criação de um sistema de inteligência de marketing eficiente, alimentado por ambos os intervenientes dos dois departamentos.
A execução de marketing depende essencialmente da capacidade da equipa de vendas em processar externamente a mensagem pretendida e conseguir recolher valor do mercado, ou seja, um sem o outro dificilmente obterão o sucesso geral pretendido. Neste sentido é imperativo que vendas e marketing trabalhem como um só.
Para implementar a estratégia de marketing, os marketeers devem introduzir e partilhar com a venda os KPIs (Key Performance Indicators) da estratégia, ou seja, indicadores mensuráveis que permitam orientar e medir a eficiência das ações operacionais de cada equipa/elemento. Ao partilhar os mesmos KPIs, ambas as equipas iniciam um mesmo alinhamento de prioridades, facilitando o início de um processo de venda eficiente e em linha com a estratégia: vendas são marketing e marketing são vendas e por isso necessitam de trabalhar sobre os mesmos objetivos. A equipa de vendas é o veículo de transmissão da mensagem de marketing e por este motivo, cada vendedor é não mais do que um verdadeiro marketeer. O marketing deve, assim, suportar e alimentar as vendas constantemente, facilitando o mais possível o ato de venda, criando condições para um fácil e simples acesso a informação sobre produto e mercado. O correto alinhamento das vendas com o marketing e a existência de informação por parte do marketing diminui o ciclo de venda. São quatro os pontos a ter em conta para este alinhamento ocorrer:
- O correto encaminhamento das estratégias da empresa desde o topo de gestão até às equipas de marketing e vendas, conferindo à operação um alinhamento natural com as intenções e objetivos da empresa;
- A criação de procura (consumo) por parte das ações de marketing, no sentido de facilitar o trabalho das vendas na negociação com a distribuição;
- Repensar os investimentos de marketing e o seu contributo no fecho da venda, no sentido em que uma equipa de vendas que se sinta apoiada por um marketing que gera vendas, acaba por estar mais alinhada na estratégia;
- Criar uma mentalidade de medição de ROI (Return Of Investment) de cada ação de marketing.
Existem inúmeros desafios até ocorrer este alinhamento, sendo consensual que o mais importante se resuma ao nível de comunicação e sua qualidade entre ambos os departamentos, seguido por procedimentos e métricas (KPIs) claros e definidos. Existe assim uma necessidade de conectar as equipas através da criação de regras e estruturas que encorajem a colaboração, de forma a que cada elemento, de cada equipa, esteja consciente das iniciativas e necessidades dos demais elementos e possa estar preparado para trabalhar em equipa no sentido de atingir os objetivos comuns à organização.
Neste capítulo, a conexão através da utilização de software de comunicação tornou-se vital para a correta e cadente passagem de informação entre os dois setores, sendo igualmente vital a necessidade de alinhar a compensação financeira proveniente dos sucessos na venda (prémios de vendas/objetivos qualitativos) partilhados entre ambas as equipas, aumentando o espírito de equipa e o reconhecimento individual de cada elemento.
A automação no marketing e vendas, com novas ferramentas e estratégias que criam oportunidades acrescidas utilizando auto-estradas de comunicação mais eficientes entre os dois sectores, não confere automaticamente o respeito e apreço entre as duas equipas. Muitos destes atritos estão ligados ao fato de em algumas organizações existirem duas agendas distintas e duas formas de operar diferentes. Apesar de possuírem KPIs idênticos ou comuns, ambas as equipas olham para o mercado de forma diferente: o marketing numa perspetiva de mercado global, segmentado e analisando o consumidor genérico, as vendas numa perspetiva de cliente isolado, conta de vendas, preferências individualizadas do trade. Existem cinco pontos chave que contribuiem para o aumento da qualidade do alinhamento de marketing e vendas:
- Envolvimento das vendas na construção dos conteúdos de marketing. A responsabilização de ambas as equipas no produto final de comunicação através dos inputs das vendas ao marketing e vice versa, constrói melhores resultados para além de materiais/estratégias menos dispendiosos;
- Promoção da colaboração. Uma colaboração real requer discussões regulares, calendarizadas, envolvendo elementos de ambas as equipas;
- Construção de materiais de marketing para suporte à venda que sejam eficientes, os quais a venda acredite e consiga efetivamente utilizar, criando confiança e facilitando o fecho do ciclo de venda;
- Abraçar uma estratégia de Social Media. O novo mundo digital e seu potencial de divulgação de comunicação para o mercado, capaz de gerar mais procura e envolvimento com as marcas e produtos, acaba por facilitar as relações entre marketing e vendas, no sentido em que uma maior procura dos produtos e marcas auxilia o trabalho da equipa de vendas;
- Criação de um ambiente capaz de ouvir ambas as partes, de diálogo aberto e construtivo. Através de reuniões de brainstorming por exemplo, facilitando um espaço de procura de soluções através de todos os ângulos possíveis.
Operacionalizando esta necessidade de alinhamento de estratégias, processos e comunicação deve ser criado um um modelo simplificado de etapas baseado em quatro momentos principais e sequenciais: Estratégia, Capacidades/Recursos, Estrutura e Cadência.
Tudo se inicia com a estratégia global definida, sendo normalmente o ponto de partida a senior leadership. Consequentemente, vendas e marketing devem estabelecer objetivos quantificáveis e mensuráveis, baseados na experiência de valor a transmitir ao consumidor final. É usual se definirem objetivos de vendas e quotas de mercado, o que torna improdutiva a consumação da estratégia, levando apenas a que o marketing se torne o suporte das vendas e não o seu motor de arranque. A forma correta de desenvolver a estratégia do negócio passa por todo o processo se iniciar nas necessidades do consumidor e na missão de valor a entregar ao mesmo pela marca/produto.
O segundo degrau de evolução do alinhamento marketing-vendas passa pela medição das capacidades reais da organização perante os objetivos traçados. Ambicionar conquistar o topo do Evereste sem ter uma equipa de alpinistas seniores devidamente equipada e experiente poderá ser o início do fracasso. Neste sentido, a gestão de marketing e a de vendas devem compreender os recursos humanos existentes e possíveis, o seu grau de adaptabilidade aos objetivos, as equipas de suporte (merchandising, financeira, logística, consumer service, agências de publicidade, relações públicas, etc.) bem como os recursos financeiros inerentes ao esforço de investimento necessário e os recursos existentes e necessários ao nível de automação de processos e suporte às vendas e marketing.
Após esta medição, adaptação e afetação de recursos necessários, devem ambas as equipas definir a estrutura que irá operacionalizar a estratégia e seus objetivos. Nesta fase há que ter em conta as funções, as competências e o sistema de compensação de cada elemento.
Por último, e finalizando o processo, os gestores devem definir com a máxima clareza a cadência e as rotinas que envolve a planificação, operacionalização e medição das métricas do negócio. Esta fase torna-se crítica no desenvolvimento consistente de uma performance eficiente. Marketing e vendas devem seguir um exercício constante de planeamento no qual ambos os lados se coordenam entre si de forma a identificar e criar planos eficientes. A cadência pode ser trimestral, mensal, semanal, tendo em conta as necessidades específicas de cada mercado, organização ou negócio.
Um dos resultados mais importantes do correto alinhamento das vendas e do marketing passa pela tão mais importante qualidade necessária do plano de aprovisionamento. O S&OP (Sales & Operational Planning) é responsável por alocar a produção, os stocks e sua disponibilidade logística e temporal ao dispor do marketing e vendas. Ao construir um plano de vendas coerente com a estratégia e planos de marketing definidos, o S&OP torna-se mais qualitativo e por consequência, mais eficiente na produção das vendas alinhadas com os planos definidos. Num estudo sobre a relação entre o marketing e a cadeia de supply chain liderado por Ellinger (2000), concluiu-se que existem claros benefícios em termos de qualidade de resultados quando são construídas relações interdepartamentais entre os dois sectores, ou seja, quando o nível de responsabilização é mútuo e dependente entre ambos.
A correlação entre a estratégia de comunicação interpessoal e a qualidade do output é evidente, a qual passa por estabelecer um processo único consensual entre a operação (vendas e marketing) e a parte financeira da organização, através de uma série de reviews normalmente lideradas pela gestão de topo da empresa, no sentido de obter uma visão temporal alargada da estrutura financeira e operacional do negócio. O processo S&OP não é mais do que o desenvolvimento e execução de planos consensuais entre os diversos intervenientes tendo como objetivo que o output (produção, stocks e logística) físico e temporal esteja alinhado com a estratégia e ações operacionais definidas pela venda e marketing. Sucintamente, não é mais do que a criação de condições processuais e suas ferramentas que alinhem todo o supply chain com as necessidades dos clientes/consumidores de forma competitiva. Este aumento de coordenação conduz a um natural aumento da predictabilidade das vendas e sua rentabilidade versus os planos definidos. Os benefícios centrais deste alinhamento passam pelo aumento de vendas e margens, redução de custos de inventário, nivelamento de recursos, maior e mais rápido entendimento de fatores causais de desvios no plano de vendas, aumento do alinhamento de objetivos estratégicos, melhor coordenação do ciclo de vida dos produtos, aumento da eficácia das ações promocionais e aumento da confiança entre equipas (marketing, vendas, planning, produção, finanças, etc).
O tradicional modelo de S&OP resume-se a cinco momentos:
- Product management review: Revisão/input da gestão de produto/categoria, permite um primeiro alinhamento com a estratégia de produto e objetivos da empresa;
- Demand review: nas mãos de vendas e/ou marketing, permite o alinhamento com as ações no ponto de venda e/ou canais de distribuição, alinhando produções e timings de stock com as necessidades financeiras da empresa;
- Supply review: da responsabilidade de supply chain, permite assegurar o alinhamento de produção, stockagem e distribuição com os planos de vendas;
- Reconciliação integrada: detida pela direção financeira e pelo responsável de supply chain, permite alinhar todo o plano S&OP com os planos financeiros, permitindo construir previsões e planos mais perto da realidade;
- Management business review: detido pela gestão de topo, é o momento de alinhamento final e decisão dos planos definidos bem como o assegurar de que estão em linha com as estratégias definidas para o negócio/empresa.
Neste sentido, conclui-se que o alinhamento de vendas e marketing não pode ser visto de forma isolada, ele é parte de um processo de alinhamento geral da operação, o qual envolve grandemente toda a cadeia de supply chain mas acaba por afectar igualmente toda a estrutura da empresa.
Hugo Ângelo da Silva é licenciado em Gestão Marketing e pós-graduado em Comunicação e Psicologia Comportamental do Consumo. Diretor geral da Whirlpool Portugal há vários anos (anteriormente Marketing Manager, Trade Marketing Manager, Key Account Manager e Product Manager), foi também gestor produto na Robert Bosch e na Eru Portuguesa. É professor convidado para lecionar Global Marketing.