Entrevista/ “Quero desmistificar a noção de que mulheres ao volante… perigo constante”

Sofia Frazão, responsável pelo projeto C1 Ladies Driving

Sofia Frazão quer fazer a diferença no mundo do desporto automóvel. Apaixonada por carros, a jovem piloto está a batalhar para implementar o projeto C1 Ladies Driving, uma competição automóvel com equipas femininas.

Aos 25 anos, a jovem licenciada em gestão de empresas e apaixonada por velocidade e por desporto automóvel quer incentivar as mulheres que como ela partilham o gosto pelo automobilismo a participarem no concurso C1 Ladies Driving. Sofia Frazão quer provar que o “mito” de que mulheres ao volante… perigo constante, não passa disso mesmo, um mito.

Desafiou André Marques, organizador do Troféu C1 Learn & Drive, a juntar-se ao seu sonho e, em conjunto, criaram o concurso para equipas femininas. A ideia de Sofia é colocar em prova várias equipas exclusivamente de mulheres ao volante de um C1, nos kartódromos de Palmela e Braga. Para já está a apresentar e a divulgar a iniciativa ao mercado. Ao Link to Leaders a jovem empreendedora explicou como irá funcionar a competição que promete colocar as mulheres num lugar de destaque no desporto automóvel.

Como surgiu a ideia de criar o projeto C1 Ladies Driving?
A paixão pelo desporto automóvel não é novidade para mim, no entanto, nunca consegui o apoio necessário para o praticar. Com o intuito de me aproximar deste mundo, aos 22 anos comecei a trabalhar como promotora em eventos de marcas de automóveis. Quis ser instrutora, mas não consegui porque só os homens o podiam ser – “as mulheres não impõem respeito no carro” ou “não percebem tanto de condução e mecânica” foram algumas das desculpas que usaram para justificar tal facto.

Finalmente, aos 24 anos, fui convidada para ser monitora na BMW e ficar responsável pela formação do novo X5. Esta formação foi importante para provar que as mulheres também podem ter um excelente desempenho neste setor e, por isso, achei que era a altura certa para tentar concretizar o meu grande desejo: competir em circuitos.

O Trofeu C1 pareceu-me ideal para começar uma carreira de piloto, pelas caraterísticas “Learn” (formação para os mais inexperientes com tutores de condução), “Drive” (categorias e classificações conforme a experiência das equipas), política de custos controlada e “Igualdade” (viaturas com características iguais para os participantes). Falei então com a organização, que se mostrou bastante disponível em apoiar o meu objetivo, e juntos criámos o projeto “C1 Ladies Driving”.

Mais do que ter uma equipa de mulheres a correr na próxima época, a ideia do projeto é dar a possibilidade a outras mulheres de mostrarem o que valem nas grelhas de partida, criando-lhes condições exatamente iguais às que os homens já possuem e garantindo-lhes o apoio que precisam.

Em que é que consiste o “C1 Ladies Driving”?
É um projeto com duas fases distintas: a primeira é a criação de um concurso para selecionar as mulheres certas para a equipa. Aqui existem duas etapas, nos kartódromos de Palmela e Braga; por localização são criados 18 grupos, de 10 mulheres; de cada grupo sairá uma vencedora e, no final do dia, as vencedoras de cada grupo são postas à prova em duas corridas finais. Depois as duas vencedoras de cada corrida e de cada localização (Palmela e Braga) – quatro no total – são as vencedoras do concurso.
A segunda fase acontece quando estiver fechada a equipa feminina com as quatro vencedoras do concurso, uma figura pública e comigo, e seguem-se as provas do Trofeu C1.

Quem a inspirou?
A paixão pelos automóveis começou quando eu ainda era criança, quando vi o meu pai correr em provas de TT e Karts.  Por ser um desporto tipicamente masculino, nunca fui incentivada a praticá-lo, mas a possibilidade de competir de “igual para igual” com outras pessoas, independentemente do género, idade ou estatura, despertaram em mim uma grande curiosidade.  Assim, acho que a minha inspiração não é direcionada a uma pessoa, mas sim às caraterísticas do desporto em causa.

Porque é que o “pertencer ao sexo feminino” tem sido uma barreira nesta área?
Admito que até há uns anos não havia muitas mulheres a mostrar interesse por automóveis ou a gostar realmente de conduzir, e isso é a principal causa do pensamento normal da sociedade atual: este deporto é para homens.

Pessoalmente, tenho sofrido as consequências desse pensamento: nunca fui incentivada a participar em corridas. Durante quase três anos a trabalhar em eventos de automóveis só tive uma oportunidade de ser monitora de condução. Quando falava com outras pessoas deste meio sobre a participação em corridas a resposta era “és mulher, achas que tens hipótese?” e algumas empresas com as quais falei para patrocinarem uma equipa onde eu entrasse diziam “não querer apostar em algo que não fosse para ganhar”. É importante referir que todas estas ideias sobre o meu possível desempenho a conduzir foram faladas por aqueles que nunca testaram as minhas capacidades nesta disciplina, ou seja, a única razão para não acreditarem em mim era o meu género.

O que é preciso fazer para que as mulheres possam ter lugar nas grelhas de partida das competições atuais?
O mais difícil é mudar a mentalidade da sociedade em geral, fazer com que as pessoas – homens e mulheres – valorizem as capacidades de condução do sexo feminino e desmistificar a noção de “mulheres ao volante… perigo constante”.  Acredito que projetos como o “C1 Ladies Driving” sejam o primeiro passo para que as mulheres assumam o seu gosto por este desporto e se sintam confiantes e apoiadas para participar nele.  A mudança começa com mulheres que lutem pela igualdade de direitos, quer seja nesta ou noutra disciplina.

O que lhe falta para pôr o projeto que tem em mente a andar?
Neste momento já conto com a empresa organizadora do Trofeu C1, que assumirá a gestão das etapas do projeto, com a ajuda de pilotos que estão dispostos a dar formação à equipa e com a colaboração de outras mulheres que se reviram na minha história e que querem ser mentoras do “C1 Ladies Driving”. Por isso, neste momento, a minha prioridade é garantir a cobertura das despesas do concurso e das três provas para poder continuar este projeto.

De quanto investimento precisa?
O valor global que preciso para assegurar a cobertura das despesas da segunda etapa do “C1 Ladies Driving é de 25 mil euros, o que envolve áreas como as inscrições nas provas, assistência técnica, equipamentos, comunicação e divulgação do projeto, entre muitas outras. Este valor pode ser investido por uma ou várias entidades, dependendo da intenção dos nossos parceiros.

Conta com o apoio da Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting?
Acredito que a Federação seja um parceiro-chave para esta iniciativa, no entanto, ainda não tive oportunidade de estabelecer o contacto com a mesma. Este é um passo que vou dar muito em breve.

Recentemente houve uma porta que se abriu ao ser convidada para ser instrutora num evento da BMW Portugal. Como correu e como foi aceite pelo público masculino?
Ter sido a primeira mulher instrutora numa formação técnica da BMW foi um desafio muito gratificante.  A primeira reação do público masculino era, quase sempre, um misto de surpresa e desconfiança: “uma menina aqui?”, “o que é que nos vai ensinar?”; “isto é para pessoas que sabem conduzir” ou “agora é que vamos adormecer a conduzir”.

No entanto, no final da etapa (off road) pela qual fui responsável, recebi vários elogios, quer pela condução, quer pelos conhecimentos sobre a mecânica e automóvel em questão. O evento acabou com chave de ouro e fui convidada pelo diretor do centro de formação da BMW a desempenhar as mesmas funções no evento seguinte. Reconheceu o meu mérito e esforço durante as semanas de trabalho.

Como é que uma mulher que se forma em Gestão de Empresas e tem um mestrado em Gestão Internacional também se vê ao volante de um C1?
Curiosamente, consigo ver uma evidente ligação entre o meu interesse profissional e o meu gosto pelos automóveis. Profissionalmente nunca tive dúvidas de que queria seguir uma carreira na área de gestão e nas corridas de automóveis, esta componente está sempre presente: desde a pré competição (gestão de parceiros, treinos, preparação da viatura, cumprimento de prazos, etc.); passando pelos os dias da competição (gestão de pilotos e mecânicos, a prova, etc.); até ao pós competição (com a gestão de todas as partes envolvidas com vista a poder melhorá-las na corrida seguinte). Ou seja, estas três etapas são partes de um ciclo onde todos os detalhes contam e uma boa gestão das mesmas pode fazer toda a diferença.

O mestrado acrescentou-me a componente internacional que faz toda a diferença quando estamos num mundo cada vez mais global e onde as fronteiras tendem a desaparecer. É importante compreender as várias culturas e aproximarmo-nos delas para que possamos viver em igualdade. Esta noção de igualdade pela qual luto profissionalmente passa para os automóveis quando procuro um troféu como o C1 com viaturas totalmente iguais para todos os participantes e onde os fatores de distinção entre equipas passam apenas pelo talento que elas conseguem demonstrar.

Como e quando é que descobriu esta sua paixão pela velocidade?
Há já vários anos que acompanho a Fórmula 1, o campeonato mais emblemático de velocidade a nível mundial, e isso também despertou este interesse para as corridas. No entanto, a minha primeira experiência neste mundo foi aos 10 anos, quando andei pela primeira vez num kart e percebi o que me fascinava realmente era a ideia de superarmos os nossos limites lutando contra o relógio.

O que sente quando corre?
As únicas corridas que fiz foram nos karts e, mais recentemente, fiz treinos em autódromo com amigos e profissionais da área. Em todas estas experiências saí de pista com vontade de melhorar o meu tempo e a saber exatamente quais eram os meus erros. É esta ideia de melhoria continua e superação que me fascina e que me leva a ambicionar voltar à grelha de partida.

Esta é uma paixão que conjuga com outra, a da moda. Dois mundos diferentes, mas uma mesma pessoa…
Um mundo associado aos homens (automóvel) e outro associado às mulheres (moda), são aparentemente opostos e completamente incompatíveis. No entanto, eu tenho conseguido conciliá-los, colocando-os em momentos diferentes da minha vida.

Normalmente, os automóveis estão associados a um hobby meu e a moda faz parte da minha profissão: sou gestora de produto numa marca de roupa de homem. Mesmo assim, quando tenho tempos livres, trabalho em eventos de automóveis e exploro a moda feminina. A minha grande ambição é conseguir colocar estes dois mundos num só e, quem sabe, o meu próximo projeto poderá focar-se na aproximação destes setores, posicionando-os num só negócio.

A não ser em pista, onde podemos encontrar a Sofia no dia a dia?
Considero-me uma pessoa dinâmica e gosto de quebrar a rotina, por isso, apesar da minha profissão ocupar a maior parte do meu tempo, tento arranjar espaço na agenda para fazer outras coisas que gosto, como estar com a família e amigos ou praticar desporto (surf e equitação).

Além disto, viajar é um dos meus hobbies favoritos e faço-o regularmente, já que acredito que esta é uma forma muito interessante de aprender e crescer como pessoa. As viagens que mais me marcaram foram aos EUA, aos 18 anos, quando os meus pais me disseram para escolher um país e me desafiaram a passar lá as férias de verão, sem nada planeado a não ser a data de ida (para Miami) e volta (por Nova York). Ou a viagem ao Sudeste Asiático, para a qual só tinha bilhete de ida (para o Qatar) e onde visitei 10 países com uma amiga, durante 5 meses

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