Opinião

IA: Catalisador da reinvenção da cidadania

Sérgio Viana, Managing Partner – Customer Experience na Xpand IT

Vivemos um momento de mudança profunda. A Inteligência Artificial, associada a outras tecnologias emergentes, está a transformar de forma acelerada o mundo do trabalho e a sociedade em geral.

É natural que surjam receios sobre o impacto desta transformação: substituição de pessoas por tecnologia, perda de empregos, necessidade de requalificação, entre outros. No entanto, esta mudança deve também ser vista como uma oportunidade — uma oportunidade para repensarmos não só o que fazemos enquanto profissionais, mas também quem somos enquanto cidadãos.

A evolução tecnológica obrigar-nos-á, cada vez mais, a adquirir competências que hoje são pouco comuns. Pensemos, por exemplo, na gestão de equipas de agentes virtuais — sistemas autónomos com os quais iremos interagir e colaborar diariamente, tal como hoje coordenamos equipas humanas. Já hoje se vê esta realidade em funções de atendimento ao cliente, onde humanos trabalham lado a lado com chatbots ou sistemas de recomendação, sendo responsáveis por orquestrar e supervisionar estas “mini-equipas digitais”. Esta capacidade de planear, priorizar e tomar decisões num ambiente com múltiplos agentes será essencial para prosperar num mercado laboral onde a IA assume tarefas repetitivas e nos deixa espaço para tarefas de maior valor acrescentado.

Para além destas competências técnicas, será fundamental cultivar competências profundamente humanas: pensamento crítico, adaptabilidade, capacidade de análise, colaboração e empatia. Competências que não se constroem apenas em contexto profissional, mas que terão de passar a fazer parte do percurso educativo de cada pessoa desde cedo.

Ora, estas mesmas competências são precisamente as que podem ter um impacto transformador noutra dimensão da nossa vida – enquanto cidadãos. Vivemos um tempo marcado pela proliferação de desinformação. As redes sociais e os algoritmos de distribuição de conteúdos têm vários aspectos positivos, mas também contribuem para a propagação de notícias falsas, meias-verdades e narrativas manipuladoras. Basta recordar o que aconteceu durante a pandemia de Covid-19, com a disseminação de teorias da conspiração e curas milagrosas, ou com movimentos anti-vacinação que colocaram vidas em risco. Num contexto político, vimos igualmente o escândalo da Cambridge Analytica, que utilizou dados de milhões de perfis do Facebook para micro-segmentar e manipular votos, interferindo de forma direta nos processos democráticos, seja no Brexit, seja nas eleições norte-americanas.

Estes fenómenos exploram precisamente a fragilidade de quem não possui pensamento crítico nem capacidade de analisar a fiabilidade da informação. Se, como sociedade, investirmos seriamente na formação de competências como o pensamento crítico e a capacidade de análise, não estaremos apenas a preparar melhores profissionais para um futuro tecnológico. Estaremos a construir cidadãos mais conscientes, mais informados e menos permeáveis a tentativas de manipulação.

O desafio que se coloca, por isso, consiste no dever de repensar o nosso modelo educativo, alinhar as empresas, as escolas e os decisores políticos em torno de um objectivo comum — garantir que ninguém fica para trás neste movimento de transformação. A IA pode automatizar tarefas, mas não pode substituir a nossa capacidade de questionar, de reflectir, de ponderar consequências e de agir em consciência. E considerando o estado atual da nossa sociedade, é imperativo agir – até porque este tipo de mudança demora tempo.

Há já exemplos, atualmente, que podemos considerar inspiradores: países como a Finlândia estão a integrar, desde o ensino básico, programas de literacia digital para ensinar crianças e jovens a identificarem fontes fidedignas, questionar argumentos e resistir a narrativas falsas. Este é o tipo de mudança estruturante que pode ter um impacto duradouro, quer na qualidade da democracia, quer na capacidade de cada indivíduo gerir a sua carreira num mundo digitalizado.

Formar melhores profissionais, neste contexto, é formar melhores cidadãos. Não se trata apenas de manter a competitividade das economias, mas de garantir que a tecnologia não nos torna mais frágeis enquanto comunidade democrática. Para isso, precisamos de desenvolver uma mentalidade de aprendizagem contínua e de investir, hoje, em competências que nos ajudem a construir um amanhã mais equilibrado e sustentável.

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Sérgio Viana

Sérgio Viana

Sérgio Viana é Partner e Managing Director da área de Customer Experience na Xpand IT, onde lidera a definição estratégica e a oferta de uma unidade especializada em criar experiências digitais inovadoras de base tecnológica. A sua equipa atua em áreas como User Experience, Customer-Facing Apps, Core Services e Business Process Transformation, e hoje em dia com um foco especial na área da Inteligência Artificial e das arquiteturas multiagente. É apaixonado pelo desenvolvimento pessoal e melhoria contínua, em particular em temas... Ler Mais..

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