Opinião
“Gostaria que olhassem mais para o Brasil porque temos muitas soluções, muita oferta e criatividade”

“O brasileiro está cada vez mais a olhar para fora, cada vez mais faz negócios e mostra uma postura profissional. Atende, entrega, faz o que tem de ser feito e isso vai sendo notado e respeitado”. A explicação é de Clarissa Furtado, responsável de Competitividade da ApexBrasil, entidade que este ano trouxe ao Web Summit uma delegação de 70 empresas. Em entrevista ao Link To Leaders, Clarissa Furtado falou do ecossistema brasileiro e do apoio à internacionalização.
Este ano, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos – ApexBrasil, esteve em força no Web Summit. A sua missão de internacionalização incluiu 57 start-ups e 13 empresas inovadoras com potencial para abrir operações em Portugal ou na Europa. O grupo envolveu diferentes setores económicos, fintechs, agritechs, healthtechs, iniciativas voltadas para a biotecnologia, tecnologia da informação e dados, entre outros.
Apresentar os projetos, fazer networking e negócios estavam entre os objetivos da missão da ApexBrasil, que cada vez mais olha para Europa, e Portugal em particular, como um mercado recetor do talento brasileiro. Aliás, a Agência renovou o memorando de entendimento que teve com a AICEP nos últimos dois anos.
Entrevistada pelo Link To Leaders, Clarissa Furtado, responsável de Competitividade da ApexBrasil, falou do ecossistema brasileiro de start-ups, do apoio da Apex à internacionalização das mesmas e de como gostaria que o Brasil fosse percecionado no futuro.
Qual é a missão da ApexBrasil?
A Apex apoia as exportações das empresas brasileiras e a atração de investimento estrangeiro para o Brasil. E a internacionalização de empresas também. Nesse sentido, apoiamos as exportações de mais de 50 setores da economia, que vão do agronegócio a máquinas e equipamentos e serviços de TI, por exemplo.
No caso das start-ups não temos setores específicos fechados. O apoio é geral para as start-ups brasileiras. Mas percebemos que há alguns setores que nos procuram mais, que são mais fortes porque se desenvolvem mais no Brasil.
“(…) o nosso apoio é transversal. (…). É esse trabalho de apoiar a internacionalização dessas empresas e, ao mesmo tempo, de atrair investimento”.
Por exemplo?
Por exemplo Fintech. É um grupo de cresce muito no Brasil. O setor financeiro brasileiro é muito bom e desenvolvido tecnologicamente há muito tempo. Então temos muitas Fintech e que nos procuram. Também temos muitas Agritech por causa da agricultura brasileira que é muito desenvolvida e muito tecnológica, o que deu espaço para aparecimento de muitas start-ups.
A Healthtech, a saúde, também é forte. Pelo menos nos últimos anos, depois da pandemia, também houve um crescimento maior nesse setor. E o setor de saúde brasileiro é muito grande, é muito forte. Temos um sistema de saúde público muito grande, temos muitos hospitais, e é um setor muito desenvolvido tecnologicamente.
E em Educatech também temos visto muitas start-ups a procurarem-nos. Oferecem soluções bastante inovadoras e interessantes na área da educação. Só na delegação do Web Summit temos duas que são muito boas que trabalham com crianças com algum tipo de deficiência, de problema. Temos uma mais voltada para o autismo, para crianças e adolescentes, e que consiste num jogo através do qual vão recolhendo dados que permitem ajudar a fazer o diagnóstico precoce do autismo. Temos outra para problemas motores, indicada para crianças que nascem com paralisias ou com outro tipo de problemas. Então também temos casos muito interessantes na educação, entre outros.
Mas o nosso apoio é transversal. O que fazemos, fazemos para todas. É esse trabalho de apoiar a internacionalização dessas empresas e, ao mesmo tempo, de atrair investimento. São duas pontas e missão no Web Summit serviu os dois propósitos. Temos start-up que estão mais focadas em procurar investimento, em ter reuniões com fundos para escalar, mas sempre a pensar na internacionalização na Europa.
E dentro dos setores atividade que referiu quais são os mais “exportáveis”?
Há oportunidades em todos e trabalhamos para vários mercados. O nosso foco na missão Web Summit foi Portugal, a Europa, mas também temos trabalhado mercados como o Médio Oriente e os Estados Unidos e constatamos que há oportunidades em todos os setores.
Por exemplo, no Médio Oriente temos uma parceria com um parque tecnológico de Sarja, nos Emirados Árabes Unidos. Eles estão interessados em start-ups brasileiras com soluções relacionadas com a água e a energia, que são problemas que eles enfrentam e que querem melhorar.
Em termos de exportações, o Brasil tem vindo a crescer, principalmente na agricultura, mas os outros setores também têm tido bons resultados. Inclusive o dos serviços, que tem aumentado, o setor dos games, TI, tecnologias. O Brasil tem crescido muito nestes setores em termos de exportação e de internacionalização.
“(…) na Europa temos feito ações em Portugal e no próximo ano vamos fazer uma ação em Espanha”.
Quais são os mercados mais interessantes para a Apex e para as empresas e start-ups que representam?
Para as start-ups, por exemplo, na Europa temos feito ações em Portugal e no próximo ano vamos fazer uma ação em Espanha. Vemos que os ecossistemas de Madrid e de Barcelona são bastante vibrantes e interessantes.
No Médio Oriente também temos feito bastantes inciativas nos Emirados Árabes. Na América Latina este ano fizemos uma missão no Chile, que é um mercado bem interessante e que tem um sistema de inovação bem robusto e que tem atraído start-ups.
No próximo não vamos fazer uma missão em Singapura. Vai ser a nossa primeira missão na Ásia, e para este mercado, onde temos visto um interesse muito grande. E Índia também. Acabamos de abrir um desk da Apex na Índia. Temos lá um consultor que nos vai ajudar porque vemos que têm um interesse muito grande, principalmente, por start-ups agritech.
Este ano ainda temos um evento em Chicago, nos Estados Unidos da América. Vamos fazer uma missão de start-ups juntamente com parceiros da ApexBrasil, num programa que se chama StartOut, num mercado que também vemos com bastante atenção. E em Chicago temos muitas coisas de Healtech. O próximo ano vai ser um ano de aposta em eventos e missões como esta.
“Temos um memorando de entendimento com a AICEP que é a nossa congénere de Portugal (…). É um parceiro que pretendemos explorar mais, e procurar fazer mais iniciativas conjuntas”.
Têm tido parcerias em Portugal?
Sim, temos um memorando de entendimento com a AICEP que é a nossa congénere de Portugal, e inclusive acabamos de renovar esse memorando que tinha dois anos de duração. É um parceiro que pretendemos explorar mais, e procurar fazer mais iniciativas conjuntas. Aproveitamos o Web Summit para ter encontros com a Startup Portugal e com a Invest Lisboa, e também tivemos apresentações de outras cidades como o Fundão e Braga.
Este ano também já fizemos uma missão juntamente com o Porto Digital, que é um hub de inovação do nordeste do Brasil, de Recife. Fizemos uma missão com eles em Aveiro. Estavam interessados em se instalar em Aveiro e a ApexBrasil patrocinou essa missão. Estamos ainda a ver como podemos apoiar porque há um interesse muito grande dessas empresas de TI e aí estão as start-ups e as empresas de TI mais desenvolvidas de Recife. Fomos recebidos pelos presidentes de Câmara, pela universidade… estamos a desenvolver estas conexões, essas parcerias com as instituições daqui que podem ajudar as empresas brasileiras.
E o que sentimos e que há um interesse grande de Portugal para receber. É um país que está bastante aberto para receber estas empresas brasileiras. Estamos bastante animados.
O presidente da Câmara de Lisboa disse no Web Summit que atrair brasileiros para Portugal era uma das suas prioridades. Que incentivos seriam eventualmente interessantes por parte das entidades portuguesas para facilitar essa relação de proximidade?
É sempre importante oferecer informação e talvez algum tipo de contacto direto para que as empresas possam tirar dúvidas sobre como se instalar porque elas chegam com uma série de dúvidas, na parte dos vistos, do registo da empresa, dos benefícios, dos programas…Por exemplo, quando fizemos a missão em Aveiro, também fizemos várias apresentações sobre os programas e financiamentos que existem em Portugal e na União Europeia e que as start-ups podem aproveitar. Quanto mais informação os parceiros portugueses puderem fornecer melhor. E facilitar as conexões. Não conhecemos todas as pessoas e às vezes precisamos dessas introduções, dessa abertura de portas.
Acho que é um processo que vai acabar por se desenvolver naturalmente. Da nossa parte, vamos fazer o possível para ajudar as empresas brasileiras, apresentá-las a esses parceiros portugueses. E acho que dos parceiros sentimos essa recetividade. Quanto mais conseguirem dar-nos suporte, indicar pessoas que possam receber-nos, melhor.
Tem alguns casos de sucesso nas start-ups da Apex?
Temos vários. Como a Sizebay que veio connosco para o Web Summit em 2018 e que agora já está totalmente instalada em Portugal. E foco dela agora é a expansão nos Estados Unidos. Fez diversas parcerias e cresceu muito. É uma solução de provador de roupa online. Está a trabalhar, por exemplo, Dolce & Gabbana, Benetton. Está super bem-sucedida em Portugal. A Jade Autism, que é uma solução de autismo, também já está instalada aqui, a Key2Enable está a instalar-se também. Já são algumas.
Globalmente, quantas empresas fazem parte do portefólio da ApexBrasil?
Atendemos por ano aproximadamente 14 mil empresas, mas não são só start-ups. A percentagem de start-ups é de cerca de 250 por ano, ainda não conseguimos fazer a contabilidade.
Dessas 14 mil, atendemos 2 mil, por ano, em treino para exportação, inclusive às vezes até tem start-ups. Essas 14 mil são empresas que participam de programas de capacitação, para comércio exterior, para aprender a exportar, ou em ações de promoção comercial que fazemos em parceria com setores privados. Por exemplo a associação brasileira de calçado que faz um projeto com a Apex e levas estas empresas para feiras de calçado no mundo inteiro. É por isso que este número é grande. Agora para as start-ups temos coisas mais de nicho, focadas e também mais recente. A Apex tem 25 anos e com as start-ups trabalhamos há cerca de cinco anos.
Tendo em conta panorama político que se vive no Brasil, isso pode condicionar o investimento externo?
Prefiro não fazer essa previsão neste momento. É tudo muito recente. Posso falar sobre o último ano, em que houve um resultado muito bom em termos de atração de investimento. O Brasil atraiu um volume muito significativo. Houve crescimento e captação de investimento estrangeiro, em termos globais foram investidos alguns milhões. Mas não posso fazer nenhum prognóstico neste momento.
Está otimista quanto aos próximos tempos?
Estou otimista. Nos últimos anos, o Brasil construiu muita coisa. Vem-se desenvolvendo, os empresários brasileiros procuram cada vez mais a internacionalização, estão a fazer mais negócios fora. Recentemente, por exemplo, fizemos uma pesquisa de diagnóstico de imagem do Brasil e surpreendemo-nos positivamente. A imagem do país não está ruim. Tem problemas, como é lógico, como todos os países, mas temos uma economia muito forte e, portanto, não há como não continuar a crescer. O Brasil é um país muito forte, muito grande, por isso não fico muito pessimista.
Quais têm sido os maiores desafios das start-ups que vos procuram? Que problemas enfrentam atualmente?
Varia muito de start-up para start-up. Há algumas mais maduras que já estão mais prontas e a atividade delas é captar investimento, para poderem dar o salto, ou conexões. Depende muito de caso a caso. O nosso desafio é entender a especificidade de cada start-up, de cada negócio. Procuram dinheiro e também o chamado “smart money”, ou seja, não só o dinheiro puro mas o dinheiro juntamente com conexões e apoios para crescer.
Como gostaria que o mercado internacional olhasse para oferta brasileira dentro desta área de empreendedorismo? Qual seria o cenário ideal para si?
Como um país inovador. Acho que o Brasil tem uma oferta muito diversificada, muito boa em muitas áreas, porque, realmente, somos uma economia forte, temos uma indústria forte em muitas áreas. E isso acaba por se refletir na tecnologia, em inovação e start-ups.
Mas gostaria que olhassem para nós. Primeiro que olhassem porque acho que há muitos que ainda não olham. Muitos não imaginam a quantidade de coisas que o Brasil tem. Que comecem a olhar cada vez mais.
“Gostaria que olhassem mais para o Brasil, porque temos muitas soluções, muita oferta e criatividade”.
Há preconceito do mundo para com a América Latina?
Talvez. Mas acho que cada vez menos. O brasileiro está cada vez mais a olhar para fora, cada vez mais faz negócios e mostra uma postura profissional. Atende, entrega, faz o que tem de ser feito e isso vai sendo notado e respeitado. Nas pesquisas que temos feito fica muito claro que a perceção geral do Brasil é muito boa. Em quem conhece o Brasil, quem faz negócios com o Brasil, compradores internacionais, etc, a perceção é muito boa.
O brasileiro mostra que é correto com os contratos, que cumpre prazos, que cumpre o que é prometido. Gostaria que olhassem mais para o Brasil, porque temos muitas soluções, muita oferta e criatividade. O brasileiro tem muita criatividade e muita flexibilidade também.
Pela nossa cultura, pelo facto de sermos um país miscigenado historicamente e que conviveu com muitas culturas ao longo dos anos, temos muita facilidade de lidar com várias culturas. Adaptamo-nos bem à Europa, aos Estados Unidos e até à Ásia.
Poderão haver parcerias de cooperação com start-ups portuguesas que queiram ir para o Brasil?
Sim. Também temos esse trabalho de atração de investimento para o Brasil, de start-ups que queiram instalar-se. Temos inclusive um programa voltado para start-ups mais consolidadas, e atualmente temos com Israel e Singapura. Essas start-ups fazem uma imersão no Brasil.
O trabalho que fazemos fora também fazemos ao contrário porque isso também fomenta o nosso ecossistema, porque chegam lá start-ups com projetos muito interessantes e que querem conectar-se. É bom para todo o ecossistema brasileiro e também estamos abertos para isso.
Qual acha que será a área em que, no futuro, o Brasil pode vir a ter um papel de relevo a nível internacional?
O Brasil é muito bom em Fintech, em soluções para marketplace, retalho… os nossos unicórnios são dessas áreas. São áreas em que realmente nos destacamos, mas no futuro não sei. Também há a questão da sustentabilidade em que Brasil é muito bom e a que as empresas de fora estão cada vez a dar mais atenção. Pode ser também algo em que o Brasil vá surpreender o mundo.