Opinião
Filantropia estratégica – é do interesse das empresas “devolverem” à sociedade?

Dizia Calouste Gulbenkian – porventura o maior filantropo de Portugal até aos dias de hoje – que há uma função social da riqueza e que a fortuna tem deveres na ordem moral que não pode esquecer nem declinar.
Será assim apenas no que se refere a pessoas individuais, ou deverão também as empresas bem sucedidas compreender que não podem – no limite, que não é do seu interesse – assumirem-se exclusivamente como motores de crescimento económico ou centros de inovação tecnológica, como agentes económicos que apenas geram riqueza e lucros?
O sucesso que as empresas alcançam dificilmente é apenas resultado da sua capacidade interna – nenhuma empresa é uma ilha, pelo que o seu crescimento está necessariamente entrelaçado com o mundo à sua volta, com as comunidades que a acolhem, com as pessoas que nela trabalham, com o planeta que lhe oferece os recursos para existir.
Ora, o reconhecimento de que o sucesso de uma empresa nunca é apenas seu, fundamenta a importância de as empresas devolverem à sociedade parte do sucesso por elas alcançado. Não por uma questão de generosidade mais ou menos ocasional, mas, no limite, por ser do seu interesse, numa perspetiva de longo prazo, que é a única que verdadeiramente interessa às empresas bem sucedidas.
Com efeito, “devolver” (ou melhor dizer, reinvestir?) não é apenas uma questão de responsabilidade social — é um compromisso com o futuro. Porque o sucesso que não é partilhado, esgota-se. Já aquele que se multiplica na sociedade, assume perenidade.
É por isso que a filantropia empresarial deve deixar de ser vista como uma forma de “fazer o bem”, passando a ser encarada, cada vez mais, como uma estratégia de criação de valor partilhado, onde o sucesso das empresas e o sucesso da sociedade em que se inserem dependem crescentemente um do outro – é difícil manter empresas saudáveis em sociedades doentes.
As empresas que investem na resolução dos principais problemas societais, não estão assim apenas a contribuir para uma sociedade mais justa e equilibrada, estão também a construir um ambiente mais favorável para o seu próprio crescimento e para o seu negócio, estão a fortalecer o seu vínculo com clientes, colaboradores e comunidades, um vínculo do qual muito depende a sua prosperidade.
Mas toda a filantropia é igual? Não. Para que a filantropia empresarial seja transformadora para a sociedade e sustentável para a empresa, é fundamental que esteja alinhada com a estratégia global da empresa e com a sua identidade, que seja mais do que um conjunto de donativos isolados, tantas vezes meramente reativos. Que seja, em suma, uma filantropia estratégica.
E esta filantropia não se mede apenas em dinheiro doado. Mede-se em tempo dedicado, em conhecimento partilhado, em talento colocado ao serviço de causas sociais. Cada empresa tem um património único — de competências, de ideias, de pessoas — e é todo esse património que pode ser convocado para ser colocado, também, ao serviço da sociedade.
Em Portugal, enfrentamos, infelizmente, uma cultura filantrópica muito incipiente. O World Giving Index de 2022 coloca o nosso país nos últimos lugares da tabela global, evidenciando a necessidade de uma mudança de paradigma, em que as empresas prosperem ao mesmo tempo que devolvem à sociedade, ou nela reinvestem, parte dessa prosperidade.
A Rede Capital Social – Associação de Filantropia Estratégica nasceu para assumir um papel principal num processo de mudança que se afigura essencial no nosso País.
Uma boa parte do sucesso desta nova rede depende de as grandes empresas portuguesas compreenderem não apenas a importância da filantropia estratégica, mas que esta não é apenas um ato de doar — é um ato de construir e de transformar. E, por isso, não é um custo — é um investimento no futuro. Um investimento que, à medida que for gerando frutos, gerará futuros em Portugal.
*Associação de Filantropia Estratégica