Opinião

Falso alarme? Há mesmo falta de água?

Eugénio Viassa Monteiro, professor da AESE-Business School

De vez em quando aparecem profetas das desgraças. Houve tempos em que a terra não produziria o suficiente para alimentar a sua população. Depois, veio o buraco do ozono e vários outros maus agoiros, e agora a iminente falta de água.

Todos os anteriores alarmes ficaram superados pela própria dinâmica dos acontecimentos, talvez chamando a atenção que tudo quanto nós utilizamos para nosso proveito tem um volume finito e não podemos malbaratar. Pelo contrário, devemos utilizar tudo com ponderação, peso e medida, sem esbanjamentos.

Escrevi há pouco um artigo sobre o tema da iminente falta de água em muitos locais da terra, em concreto na Índia. Falei nele de duas experiências muito bem-sucedidas: uma no Estado de Rajasthan, no Norte da Índia, e a outra começada no Estado de Maharastra, com a capital em Mumbai, que se está a alastrar por alguns outros Estados, com resultados brilhantes.

São iniciativas bastante simples, com alguma tecnologia, mas cheias de ensinamentos para todos os países que queiram aprender.

Na Índia há monções que originam chuvadas intensas, de junho a setembro. E nos restantes meses do ano as temperaturas, que se vão elevando gradualmente, originam fortes secas.

Qualquer um de nós pode entender facilmente e perguntar-se: quando chove muito, o que é feito da água? É toda utilizada? A verdade é que vai escorrendo pelas encostas e vai-se infiltrando. E a maior porção vai alimentando os rios, que depois desaguam no mar. Quer dizer que esse excesso de água se perde, sem ser utilizado. Pode haver nos cursos dos rios algumas barragens para produção de energia, tanques para reserva de água, açudes ou lagoas para conter alguma água destinada a rega das áreas próximas, com canais feitos com esse propósito.

Mas a verdade é que apenas 8% da água das chuvas é recolhida para usos posteriores, quando a época seca se vai tornando mais exigente. Imagine-se que em vez dos 8% maior quantidade de água é recolhida e conservada para o uso nos momentos apropriados e o problema iria sendo resolvido. O volume médio das águas pluviais na Índia é de 1180 mm. A recolha pode satisfazer até 70% das necessidades de uma casa de família (Cf. Dep. Met, Maio de 2023).

É o que os dois exemplos escolhidos a funcionar na Índia mostram: com algum trabalho feito para retenção, evitando que tudo escoe para o mar ou para os rios, sem aproveitamento, consegue-se abundância de água para a agricultura e consumo em geral das pessoas e dos animais, amenizando o clima com algumas medidas adicionais, bem pensadas e ditadas pela experiência.

Imagine-se o que será com um aproveitamento descentralizado, com pequenas ou grandes obras de retenção para consumo das casas e para a agricultura em geral, em cada um dos Estados da Índia.

Da primeira iniciativa referirei brevemente algumas características. Chama-se Barefoot College (Universidade de Pé-Descalço), originada em Tilonia, no Estado de Rajasthan, em 1972.

Essa Universidade é uma organização de base fundada por Sanjit Bunker Roy, orientada para “temas que respeitam as comunidades marginalizadas e pessoas, nomeadamente mulheres, as pessoas exploradas e os pobres rurais, vivendo com menos de $3/dia. O trabalho foi iniciado em domínios práticos como abastecimento de água, educação, painéis solares, saúde, advocacia, ambiente, comunicações, ocupações para sobreviver, incluindo artesanato”.

“Nas décadas passadas, muitos Estados na Índia tinham níveis continuados de secas, em várias regiões. E mesmo nas áreas com chuva adequada havia crises relacionadas com a falta de água, porque nenhumas medidas tinham sido tomadas para reter e/ou conservá-la. Recolhendo a água quando é abundante, e armazenando-a convenientemente para tempos de escassez, é a solução. O Programa do Barefoot College de recolha de água foi lançado em 1986, como resposta às crescentes necessidades de água potável”.

Até hoje, Barefoot construiu 1600 tanques de recolha de água das chuvas, em depósitos subterrâneos, sob as escolas e edifícios comunitários, beneficiando mais de 2 milhões de pessoas. A recolha nas escolas proporciona água a todos os alunos e pessoal. Começaram depois as plantações, criando um ambiente cheio de vegetação pujante. Tilonia conta hoje com uma miríade de oásis que se estão a espalhar por todo o Estado.

Em 2006 o Barefoot College estabeleceu a primeira instalação de dessalinização das águas, totalmente alimentada pela energia solar, na aldeia de Kotri, no distrito de Ajmer. Utiliza a tecnologia de osmose inversa para o efeito (cf. BC no Google).

Escreverei um artigo, na sequência deste, sobre a outra experiencia riquíssima na Índia para ajudar os agricultores “marginais”, com pequenas extensões de terra, a aumentarem sensivelmente as suas receitas, mediante o que se poderia chamar a “inovação disruptiva”. Um passo intermédio necessário foi a solução do problema da falta de água, genialmente ultrapassado pelo GVT-Global Vikas Trust, possibilitando hoje a mais de 23.000 pequenos agricultores multiplicar entre 4 a 10 vezes as suas receitas por acre de terreno.

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Eugénio Viassa Monteiro

Eugénio Viassa Monteiro

Eugénio Viassa Monteiro, cofundador e professor da AESE, é Visiting Professor da IESE-Universidad de Navarra, Espanha, do Instituto Internacional San Telmo, Seville, Espanha, e do Instituto Internacional Bravo Murillo, Ilhas Canárias, Espanha. É autor do livro “O Despertar da India”, publicado em português, espanhol e inglês. Foi diretor-geral e vice-presidente da AESE (1980 – 1997), onde teve diversas responsabilidades. Foi presidente da AAPI-Associação de Amizade Portugal-India e faz parte da atual administração. É editor do ‘Newsletter’ sobre temas da Índia,... Ler Mais..

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