Opinião
Falamos por WhatsApp
Recordo-me há alguns -vários – anos quando se dizia que o presidente Obama utilizava exclusivamente um Blackberry para as suas comunicações, nomeadamente tendo em conta os sistemas avançados de encriptação de mensagens que aquele equipamento possuía e que, como tal, garantia uma fiabilidade acrescida no que dizia respeito a assuntos de Estado sensíveis.
Na sequência dessa moda, mas também antecipando um pouco as conclusões a que os departamentos de segurança dos Estados Unidos chegaram, foi possível ver em Portugal um boom nas vendas deste tipo de equipamento, difundido em ampla escala junto de serviços como os escritórios de advocacia, banca e seguros, tudo áreas onde a confidencialidade da informação trocada assumia um papel crescente.
Virou a década deste novo milénio e com ela apareceram cada vez mais opções que, inevitavelmente, levaram ao declínio dos Blackberry. Tivemos um período Skype mais ou menos breve e de repente generalizou-se o WhatsApp. Inicialmente criado como uma plataforma gratuita de chamadas e mensagens online (gratuita mas exigindo acesso à internet, claro), este fenómeno tomou conta da generalidades dos smartphones atuais e é difícil hoje em dia encontrar alguém que não recorra ao mesmo numa base diária, tendo-se tornado efetivamente uma ferramenta de trabalho que veio colocar em causa muitos dos métodos tradicionais até então utilizados.
Pouco a pouco fomos confrontados com toques diferentes no nosso equipamento, de início não reconhecíveis mas, com o hábito, lá fomos percebendo quando alguém nos fazia um telefonema “normal” e uma chamada pelo WhatsApp. Estranhámos de início, podia ser só uma questão de poupar algum dinheiro nas chamadas, mas era fácil perceber que não era esse o motivo.
De facto, começou a ser normal distinguir uma chamada coloquial de uma chamada mais sensível pelo método utilizado pela mesma. Quando alguém queria falar de algo relativamente ao que teria preocupações com a sua confidencialidade, lá vinha o toque do WhatsApp. E depois as mensagens, essas tantas que pouco a pouco começaram a acabar com os emails, alegadamente menos seguros e mais fáceis de aceder por parte dos hackers.
Esta revolução deu-se a nível privado e a nível profissional, não tenho dúvidas. Hoje em dia fazem-se reuniões – claro, não podemos passar sem isto neste nosso país -, sendo certo que mesmo essas começam pouco a pouco a deslocalizar-se dos locais habituais (salas de reunião) para paulatinamente vermos alguns dos maiores negócios a serem feitos nos locais mais insuspeitos (um restaurante – isto mais tradicional -, um café, um estádio de futebol, um evento de crianças onde se reúnem pais, enfim, qualquer local onde ninguém ache que se vai falar de negócios… eles lá estão). E o WhatsApp por trás, sempre.
Estamos em 2018 e confesso que é complicado não admitir o quão a vida profissional mudou. As minhas reuniões são cada vez menos frequentes, já ninguém me pede o número de telefone, a utilização do email acaba por ser escassa. Mas o ícone do WhatsApp, esse, está sempre a indicar mensagens, chamadas, notificações. São as conversas de negócios, é a discussão de termos de acordos, são os agendamentos de ações, os grupos privados dos pais nas escolas, isto para não falar de outros fins talvez menos prosaicos que acabam por ser também decorrência destas novas tecnologias.
A confidencialidade parece, assim, ter vencido nesta época de incertezas e insegurança, para o melhor e para o pior. Não há cá Regulamento Geral de Proteção de Dados nestas ferramentas, só a certeza de podermos falar e comunicar sem que ninguém saiba. Pelo menos até a Google ter avisado que as conversas guardadas na cloud não tinham o mesmo sistema avançado de encriptação ponta-a-ponta que o WhatsApp tem. Mas isso agora é uma questão e escolha de cada um, confiar ou não na Google.