Opinião
Evitar o “efeito sanduíche”

Nos países desenvolvidos assistimos a uma polarização das competências profissionais. Trata-se do chamado “efeito sanduíche”, que se traduz numa tendência para o mercado de trabalho privilegiar, em simultâneo, a mão de obra com baixas qualificações e os profissionais altamente qualificados. Consequentemente, há uma redução das oportunidades laborais para os profissionais com qualificações intermédias. Este fosso no mercado de trabalho decorre, em boa medida, da transformação digital das economias.
Em Portugal, o “efeito sanduíche” está mais esbatido e é eminentemente urbano. Devido à dinâmica de criação de emprego pelos setores manufatureiros, a polarização de competências não é sentida nas regiões mais industrializadas do país. Apesar da evolução tecnológica dos últimos anos, a nossa indústria tem conhecido uma crescente necessidade de profissionais com competências intermédias, havendo até escassez de técnicos especializados.
Mas é possível que, também entre nós, o “efeito sanduíche” ganhe maior acuidade à medida que se intensificar e complexificar a tecnologia no tecido industrial. Tal não significa, naturalmente, que a indústria portuguesa não deva procurar aumentar a sua produtividade e competitividade com a introdução de novas tecnologias, em particular de automação. É inevitável uma transformação do mercado de trabalho em Portugal com a evolução tecnológica, mas isso não implica, necessariamente, o sacrifício do emprego de baixa e média qualificação.
Creio ser possível, e já está a acontecer em muitos casos, uma complementaridade entre homens e máquinas num contexto laboral marcadamente tecnológico. Esta complementaridade permite utilizar as tecnologias para aumentar as capacidades e competências dos recursos humanos, com reflexos na produtividade individual. Por outro lado, as tecnologias permitem ganhos de bem-estar em contexto laboral, ao evitar rotinas e ao reduzir turnos, por exemplo. Ora, o nível de comodidade e satisfação de um profissional influencia positivamente a sua produtividade.
Estou, pois, otimista em relação ao impacto da tecnologia no emprego. Concedo que, neste período de transição para um novo paradigma de empregabilidade, haverá certamente profissões que se tornarão obsoletas e postos de trabalho que serão extintos. Mas acredito que, ultrapassado este período, as tecnologias digitais vão criar novas oportunidades de emprego e de realização profissional, como aconteceu nas anteriores revoluções industriais.
A época que estamos a viver tem, porém, a peculiaridade de tudo acontecer a uma velocidade vertiginosa, o que obriga a uma capacidade de reação e adaptação também ela mais célere. Torna-se, por isso, necessário proceder rapidamente à capacitação ou mesmo reconversão profissional de trabalhadores menos qualificados, processo que deve estar centrado nas empresas. Como o emprego repetitivo e pouco especializado tende a extinguir-se, as empresas têm de saber desenvolver nos seus trabalhadores novas competências para continuarem a tirar partido da sua produtividade. Isto faz-se intensificando a formação profissional, instrumento eficaz de especialização do capital humano em função das necessidades das empresas.
Desta forma, a transição digital da economia será uma oportunidade de realização profissional, e não uma via para o desemprego ou para empregos pouco dignos e mal remunerados.
* Associação Nacional de Jovens Empresários