Entrevista/ “Esta pandemia evidenciou que o setor automóvel é vital”

Rodrigo Ferreira da Silva, presidente da ARAN

A associação que representa o setor automóvel pediu ao Governo apoios para atenuar o impacto de uma quebra de pelo menos 41% nas vendas. Redução do ISV, isenção do IUC e aumento das deduções à coleta do IVA são algumas das medidas. Em entrevista ao Link To Leaders o presidente da ARAN fala dos desafios que o setor automóvel enfrenta e traça perspetivas para o futuro.

O setor automóvel representa cerca de 20% das receitas fiscais do Estado, 19% do PIB português e emprega perto de 200 mil pessoas, revelando-se fundamental face ao impacto económico da Covid-19, defende a Associação Nacional do Ramo Automóvel (ARAN) que propôs recentemente ao Governo a implementação de medidas estratégicas para impulsionar a retoma económica do setor.

Rodrigo Ferreira da Silva, presidente da ARAN, afirma que “o setor automóvel entrou nesta crise com problemas estruturais, como um sistema de distribuição muito tradicional, a falta de capital, margens baixas, resultados negativos e um endividamento elevado.  Até agosto o setor registou uma redução de mais de 41%, com menos 10 mil carros novos /mês. Metade dos negócios dos automóveis novos desapareceu até agosto. Uma situação bem pior do que a que aconteceu na crise anterior, a da Troika”.

Qual está a ser o impacto da pandemia no setor automóvel?  Conseguirá o setor automóvel resistir a este “pára-arranca”?
A pandemia teve um impacto bastante negativo no setor automóvel, que já tinha iniciado o ano de forma negativa, com quebras em relação ao ano anterior. O setor acabou por ser muito penalizado pelo impacto da Covid-19, acentuando a tendência de decréscimo.

O setor automóvel entrou nesta crise com problemas estruturais, como um sistema de distribuição muito tradicional, a falta de capital, margens baixas, resultados negativos e um endividamento elevado.  Até agosto o setor registou uma redução de mais de 41%, com menos 10 mil carros novos /mês. Metade dos negócios dos automóveis novos desapareceu até agosto. Uma situação bem pior do que a que aconteceu na crise anterior, a da Troika.

A ARAN está a apelar ao Governo para a urgência de implementação de medidas de estímulo à retoma do setor automóvel, considerando que neste enquadramento torna-se necessário o relançamento de um setor que é estratégico para a economia, representando cerca de 20% das receitas fiscais do Estado, 19% do PIB português, 25% das exportações de bens transacionáveis e que emprega cerca de 200 mil pessoas.

” A criação de um registo profissional de revendedores de veículos automóveis teria forte impacto na tesouraria das empresas, pois seria importante no combate à evasão fiscal e potenciaria a criação de uma base estatística fidedigna referente ao comércio de automóveis usados”.

A ARAN defende que é urgente o apoio do Governo ao setor automóvel na atual crise económica. Que medidas apresentaram ao Governo para a retoma do setor?
A ARAN considera que é urgente e fundamental o apoio do Governo ao setor automóvel na atual crise económica. O pacote de cinco medidas proposto ao Governo é fortemente vantajoso para potenciar a retoma económica do setor, atenuando os efeitos da crise nas empresas e potenciando a sua competitividade, através de um estímulo à recuperação gradual da economia.

A redução do Imposto sobre Veículos é uma das medidas sugeridas, considerada relevante pois permitirá aumentar a tesouraria das empresas (transformando mercadorias em liquidez), apoiar a renovação do parque automóvel e atenuar o impacto da quebra da receita fiscal (ISV e IVA). A criação de um registo profissional de revendedores de veículos automóveis teria forte impacto na tesouraria das empresas, pois seria importante no combate à evasão fiscal e potenciaria a criação de uma base estatística fidedigna referente ao comércio de automóveis usados.

As deduções à coleta do IVA referentes a despesas de manutenção e reparação automóvel é a terceira medida proposta muito relevante para estimular a recuperação do setor, combater a evasão fiscal e a economia paralela. Por outro lado, a exclusão, em sede de tributação autónoma, dos encargos suportados pelas empresas com manutenção e reparação de automóveis é uma medida com vantagens ao nível do apoio à tesouraria das empresas, promoção de justiça fiscal e da segurança rodoviária.

Por último, os incentivos à renovação do parque automóvel são uma medida impulsionadora de modernização e da reconversão e transição do setor e mobilidade.

“É ainda necessário desenvolver medidas de apoio ao estudo da fiscalidade do sector automóvel. Acionar medidas de redução de custos de contexto são outra das recomendações da ARAN”.

E que apoios adicionais crê que deveriam ser criados?
Além das cinco medidas propostas, é necessário o reforço das medidas de financiamento à economia, linhas de crédito, nomeadamente para o reforço das tesourarias e a promoção de soluções que facilitem o acesso ao financiamento bancário, designadamente às micro, pequenas e médias empresas do sector. É ainda necessário desenvolver medidas de apoio ao estudo da fiscalidade do sector automóvel. Acionar medidas de redução de custos de contexto são outra das recomendações da ARAN.

Este é um setor que é composto por todo o tipo de empresas, desde as maiores exportadoras às PME, passando mesmo por microempresas e ENI. Como é possível dar resposta às diferentes necessidades? Qual tem sido o trabalho da ARAN para haver uma maior coesão?
O setor automóvel é composto por diferentes tipologias de empresas, desde as maiores exportadoras, às PME, a microempresas e ENI. Um setor promotor de emprego tão importante em diversas regiões do nosso país. Um dos objetivos da ARAN é constituir e administrar fundos nos termos regulamentares, estudar e defender os interesses das Pequenas e Médias Empresas.

A ARAN tem trabalhado no sentido de promover, defender e apoiar os interesses legítimos das atividades do setor automóvel por si representadas, abrangendo os vários tipos de empresa, fomentando o espírito de solidariedade e apoio recíproco entre os seus membros, bem como o seu desenvolvimento.

Nos últimos meses – e desde que surgiu a pandemia – quais têm sido as iniciativas da ARAN em prol dos associados?
Com o objetivo de contribuir para minimizar os efeitos da grave situação de pandemia por Covid-19 no setor automóvel, a ARAN implementou um conjunto de medidas de apoio com vista à manutenção da atividade dos seus associados e à prevenção da transmissão do vírus.

Promoveu a divulgação de informação diária das medidas extraordinárias de apoio às empresas. Suspendeu os pagamentos de quotas durante três meses. Suportou os custos de transporte de desinfetante multiusos, para qualquer localidade (de Portugal Continental), assim como os custos de transporte de máscaras FFP2. Todos estes apoios foram sendo ajustados e adaptados de acordo com as necessidades dos associados, assim como foi a estratégia de ação para defesa dos interesses dos associados.

A par, a ARAN iniciou também campanha para facilitar a entrada de novos sócios novos, com isenção da joia e do pagamento de quotas até ao final do ano, com oferta de um seguro de acidentes pessoais familiar. O papel das associações foi relevante durante a pandemia e a ARAN queria evitar que empresas perdessem oportunidade de ser já socias, podendo usufruir já das vantagens e parcerias de um associado, antecipando a inscrição em 2021. Assim foi facilitada a entrada enquanto associado a empresas que por questões financeiras não o fariam.

“A pandemia pode ser uma oportunidade de afirmação e desenvolvimento dos transportes eficientes, mais amigos do ambiente dado que têm emissões de dióxido de carbono próximas de zero”.

Enquanto não houver um controlo efetivo da pandemia, acha que pode haver mais procura do veículo privado em contraste com o transporte público?
Sim, tem vindo a ser registada uma maior procura do transporte privado em detrimento do transporte público e os hábitos de mobilidade foram alterados. Na fase de desconfinamento, nos transportes públicos foi exigido que a lotação não excedesse os dois terços da lotação máxima, assim como a obrigatoriedade do uso de máscara e a higienização e limpeza do veículo. Face a este enquadramento, a mobilidade tornou-se mais individualizada e a utilização de transporte individual foi a solução mais imediata.

A exigência do distanciamento social levou a uma maior preferência pela realização dos percursos a pé ou de bicicleta, em deslocações curtas. Já nos percursos médios ou longos, a preferência recaiu pela utilização do automóvel particular. A pandemia pode ser uma oportunidade de afirmação e desenvolvimento dos transportes eficientes, mais amigos do ambiente dado que têm emissões de dióxido de carbono próximas de zero.

Com o regresso gradual da sociedade à normalidade, depois de um período de muitas restrições, está, agora, a procurar-se a reinvenção da vida normal, nomeadamente na escolha de como irão ser feitas as deslocações e os meios escolhidos. Não há dúvidas de que a mobilidade vai mudar substancialmente. O uso de veículo automóvel mais sustentável será, provavelmente, a prioridade nos próximos tempos.

Como tem sido a resposta à crise das empresas e seguradoras ligadas ao setor?
O setor do pós-venda foi muito resiliente e manteve-se sempre a trabalhar para apoiar todos os serviços que estavam a funcionar, desde o serviço de entrega de medicamentos, ao da distribuição, ao apoio dos veículos particulares de médicos e enfermeiros, entre outros. Foi um apoio extraordinário que permitiu que a frota automóvel não parasse.

Durante a pandemia o setor automóvel revelou-se essencial e ficou fora dos encerramentos do confinamento, demonstrando ser de uma funcionalidade estratégica. Se dúvidas houvesse, esta pandemia evidenciou que o setor automóvel é vital.

“O setor automóvel é muito penalizado em Portugal, tanto na compra como em toda a sua utilização. É responsável por gerar mais de 25% das receitas fiscais totais em Portugal e 1/4 de todos os impostos que são cobrados em Portugal têm o automóvel envolvido”.

O que pensa da política fiscal para a venda de carros em Portugal?
O setor automóvel é muito penalizado em Portugal, tanto na compra como em toda a sua utilização. É responsável por gerar mais de 25% das receitas fiscais totais em Portugal e 1/4 de todos os impostos que são cobrados em Portugal têm o automóvel envolvido.

A política fiscal em Portugal deveria ser contrária, sendo um país que tem produção automóvel. Neste âmbito, a ARAN defende que a carga fiscal deveria ser reduzida para incentivar a produção.

A nossa carga fiscal alta não tem qualquer sentido, provocando uma forte injustiça na política fiscal, dado que todos os anos os sucessivos governos têm vindo a agravar com os impostos sobre o setor.

No Plano Nacional de Energia e Clima, o Governo ambiciona que, já em 2030, cerca de 30% dos carros, sejam elétricos. Acha possível?
Portugal está numa ótima posição a nível de utilização de carros elétricos na Europa, mas é necessária uma política nacional pensada e estudada, alinhada com o crescimento da quota dos carros elétricos. Importa salientar que falta investimento em infraestrutura para o parque elétrico crescer.A infraestrutura não deve andar a reboque da procura. Muito pelo contrário, deve incentivar e permitir o seu crescimento.

O parque automóvel nacional está envelhecido (14 anos veículos ligeiros de passageiros) e torna-se importante tirar os carros mais poluentes e incentivar a renovação.

Qual a importância das start-ups no desenvolvimento de soluções que contribuam para a mobilidade elétrica?
A área da mobilidade elétrica, partilhada, autónoma tem vindo a ser trabalhada por diversas start-ups que têm potenciado as várias oportunidades que têm surgido. As start-up destacam-se pelas fórmulas disruptivas que apresentam. São empresas emergentes e multidisciplinares que têm trazido empreendedorismo e inovação à área da mobilidade.

“Cabe ao Governo encontrar equilíbrio na implementação dos programas de reconversão e de apoio à transição do setor automóvel e da mobilidade de uma forma integrada para que a transição seja gradual, definitiva e de sucesso, envolvendo toda a sociedade de forma transversal”.

Numa época onde cada vez mais se fala de mobilidade sustentável qual será o futuro dos automóveis?
O futuro trará a maximização da utilização do automóvel, com uma maior aposta nos veículos autónomos, investimento em novas tecnologias e cumprimento das exigências ambientais. O setor automóvel está consciente da necessidade de repensar as suas atividades para criação de valor acrescentado para sociedade em termos de criar melhor qualidade de vida para as gerações futuras.

Os pilares de evolução da mobilidade, que deverão ser prioritários, estão associados à tendência da utilização de automóvel sem condutor, mobilidade sustentável, energias renováveis, como eletricidade, sinistralidade zero, assim como o foco nas preocupações para preservar o ambiente.

Cabe ao Governo encontrar equilíbrio na implementação dos programas de reconversão e de apoio à transição do setor automóvel e da mobilidade de uma forma integrada para que a transição seja gradual, definitiva e de sucesso, envolvendo toda a sociedade de forma transversal.

Encerrar estradas à circulação automóvel e abrir o caminho para ciclistas e peões é a estratégia de boa parte das cidades europeias para ultrapassar as limitações impostas pelo distanciamento social. E esta será também a grande oportunidade dos centros urbanos para desincentivar o uso do carro particular. É, pelo menos, essa a crença de John Siraut, o economista inglês que estuda os impactos sociais e económicos das políticas públicas de mobilidade. Como comenta esta opinião? Haverá ou não lugar para os automóveis?
Haverá sempre lugar para os automóveis. No meu entender, as áreas pedonais dos centros urbanos têm um grande desafio, acelerado pela pandemia, do aumento do comércio digital. Os centros das cidades têm de ser reinventados e o acesso do transporte não deve ser promovido, mas também não deve ser penalizado.

Respostas rápidas:
O maior risco:
falta de liberdade.
O maior erro: não assumir a nossa responsabilidade perante os desafios do futuro.
A maior lição: nem sempre o mundo que temos na cabeça é o que temos à nossa frente.
A maior conquista: ainda estará para vir.

 

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