Entrevista/ “Esquecemo-nos que o empreendedorismo nasce da iniciativa privada e cresce com o investimento privado”

Cerca de um ano e meio depois de ter sido criada, a Investors Portugal orgulha-se da aposta feita e de ser reconhecida “como um dos principais atores do setor”, afirma Lurdes Gramaxo, presidente desta entidade representativa dos investidores early stage em Portugal.
Ontem, a Investors Portugal realizou a sua iniciativa anual para celebrar e discutir o panorama de investimento early stage no país e, na sequência do evento, Lurdes Gramaxo, presidente, partilhou com o Link to Leaders algumas considerações sobre o mercado e sobre a performance da Investors Portugal. Atualmente, representa cerca de 300 business angels individuais, ou através de veículos de business angels, e mais de 26 veículos de investimento e fundos de capital de risco que, globalmente, participam em mais de 500 start-ups e detém sobre gestão mais de dois mil milhões de euros.
Criada em outubro de 2021, esta entidade, recorde-se, resultou da integração da Associação Portuguesa de Business Angels (APBA) com a Federação Nacional de Business Angels (FNABA), uma aposta ganha como frisou a responsável da nova entidade. Lurdes Gramaxo lamenta o facto de Portugal continuar a não ter uma estratégia de médio prazo para a inovação e o empreendedorismo tecnológico definido. E, apesar de prever que este ano, representará, comparativamente com anos anteriores, uma quebra significativa do total do investimento, a sua expetativa é que o pior fique para trás e que 2024 seja já um ano de retoma.
Como vão os investimentos early stage no país? A responder às necessidades do mercado ou longe disso?
O setor do empreendedorismo early-stage foi muito impactado pelas alterações macroeconómicas que têm afetado o mundo pós-pandemia, nomeadamente o ressurgimento da inflação e a subida das taxas de juro, após um período longo em que estas eram irrelevantes e os investidores aceitavam correr mais riscos.
O investimento em early stage teve quedas significativas em todos os ecossistemas desenvolvidos e Portugal não foi exceção. Verificou-se uma queda acentuada no investimento, especialmente nas rondas a partir da Série A, sendo essa quebra também sentida nas avaliações das start-ups, na dimensão das rondas e no tempo que demoram a serem concretizadas.
Mesmo assim, parece-nos que a quebra em Portugal não foi mais abrupta porque há vários fundos, muito ativos no mercado, que levantaram muito capital recentemente – nomeadamente ao abrigo do programa SIFIDE -, que têm funcionado como um amortecedor desta quebra em comparação com o que está a acontecer em outros ecossistemas internacionais.
Como o Governo alterou a legislação do SIFIDE ao ponto de tornar inoperacional o levantamento de capital para investimento indireto em I&D já a partir de 2024, a nossa convicção é que, não se alterando as condições do enquadramento macroeconómico, o financiamento do ecossistema early-stage pode vir a ser ainda mais complicado no futuro.
Como carateriza o perfil dos investidores early stage em Portugal?
Existem essencialmente dois perfis de investimentos em early-stage: os business angels e os fundos de capitais de risco.
Os business angels são pessoas que, em nome individual ou agrupados em veículos e/ou clubes, investem o seu próprio capital diretamente em start-ups. São fundamentais em qualquer ecossistema early-stage desenvolvido porque, muitas vezes, são os primeiros a detetar as oportunidades de investimento e tomam riscos muito elevados nas fases iniciais de atividade de start-ups em que outros investidores não se mostram disponíveis para entrar.
Atualmente, em Portugal, os business angels têm poucos apoios e alavancas à sua atividade, uma vez que não existem linhas de cofinanciamento público ativas nem incentivos fiscais eficazes para promoção do seu investimento (como se verifica em outros mercados mais maduros como o Reino Unido e a Alemanha).
Já os fundos de capital de risco são um investidor de natureza mais institucional, geridos por entidades reguladas que investem de acordo com uma tese de investimento que mereceu o acordo de investidores qualificados (os limited partners) que colocam o seu dinheiro na expetativa de retorno financeiro. É, como o nome indica, uma atividade com risco e com perspetivas de retornos elevados a médio/longo prazo. Em Portugal, o capital de risco é já uma atividade madura e com níveis de performance que comparam bem internacionalmente.
A Investors Portugal nasceu da convergência da APBA (Associação Portuguesa de Business Angels) e da FNABA (Federação Nacional de Business Angels). Hoje, um ano e meio depois, como avalia o papel da Investors Portugal no ecossistema nacional? Esta união resultou?
Olhamos para trás e ficamos orgulhosos desta aposta. O nosso posicionamento com representantes de todo o tipo de investidores em early-stage e o nosso empenho em criar redes de colaboração e networking neste ecossistema, sem nunca assumir posições corporativas tão contrárias ao espírito de empreendedorismo que defendemos, foram os garantes de sermos, apenas um ano e meio após o aparecimento da Investors Portugal, reconhecidos como um dos principais atores do setor.
“Portugal continua a não ter uma estratégia de médio prazo para a inovação e o empreendedorismo tecnológico definido (…)”
Quais os desafios do setor no que respeita a fazer vingar os interesses de investidores e start-ups junto do poder político e das instituições relevantes no mercado?
Sem querer entrar em detalhes porque há, na realidade, muito a fazer e a mudar, há um ponto fundacional para fazer com que a inovação, em geral, e o empreendedorismo tecnológico, em particular, ganhem a dimensão e a importância que é necessária para transformar a economia nacional. Portugal continua a não ter uma estratégia de médio prazo para a inovação e o empreendedorismo tecnológico definido com base num acordo alargado entre policy makers, stakeholders do ecossistema early-stage e as empresas. É necessário mudar isso.
Olhando para o mercado nacional como um todo, quais os setores que atividade que a têm surpreendido mais em termos de inovação – fintech, agrotech, etc, etc…- e quais as áreas onde vê mais potencial de investimento?
Pela sua capacidade de desenvolver talento tech internamente e de atrair talento tech internacional (pelas excelentes condições de vida no país), Portugal tem-se conseguido destacar ao nível do desenvolvimento de projetos com uma forte e profunda componente tecnológica. A aplicação dessa tecnologia depois varia muito conforme as tendências mundiais e o apetite do mercado e dos investidores. Em 2023, tudo o que esteja relacionado com Inteligência Artificial tem ganho uma enorme projeção.
“(…) em Portugal, por vezes, esquecemo-nos que o empreendedorismo nasce da iniciativa privada e cresce com o investimento privado (…)”
Globalmente, o que ainda falta fazer para que a competitividade nacional no universo das start-ups e das scale-ups seja verdadeiramente uma realidade?
Para além da estratégia a médio prazo para a Inovação e o Empreendedorismo Tecnológico referida atrás, em Portugal, por vezes, esquecemo-nos que o empreendedorismo nasce da iniciativa privada e cresce com o investimento privado, e continuamos espartilhados em políticas públicas e legislações, muitas vezes confusas, mas também asfixiados em burocracia e em regulamentos pouco ajustados a um setor que se quer flexível e adaptado à mudança.
Quantos business angels e entidades representa a Investor atualmente e que montante tem sob gestão?
Orgulhamo-nos do nosso crescimento ao longo deste ano e meio de existência e, atualmente, já representarmos a maioria dos investidores e os mais ativos do ecossistema. A Investors Portugal representa cerca de 300 business angels individuais ou através de veículos de business angels e mais de 26 veículos de investimento e fundos de capital de risco que, globalmente, participam em mais de 500 start-ups e detém sobre gestão mais de dois mil milhões de euros.
“A nossa expetativa é que o pior fique para trás e 2024 seja já um ano de retoma”.
Com que expetativa de investimento/crescimento olha para o próximo ano?
O ano de 2023 representará, comparativamente com anos anteriores, uma quebra significativa do total do investimento. A nossa expetativa é que o pior fique para trás e 2024 seja já um ano de retoma.
Como avalia a Lei das start-ups? Um elemento potenciador da atividade ou, pelo contrário, mais um entrave ao sucesso da mesma?
Já tudo foi dito sobre a Lei das Startups e, agora que ela foi aprovada, consideramos que foi um passo importante para a definição do setor, especialmente no que respeita ao regime de stock-options, que compara muito bem com outros regimes europeus, mas que têm aspetos que precisam de ser melhorados a muito curto prazo.
Há um aspeto menos falado da Lei das Startups relacionado com as alterações aos benefícios fiscais ao investimento, especialmente no que respeita ao SIFIDE, na sua vertente de investimento indireto ao I&D, com as quais discordamos profundamente porque tornaram inoperacional um regime – o SIFIDE – que tem sido um dos instrumentos mais utilizados para o levantamento de capital para os fundos de capital de risco que atuam em early-stage. Na nossa opinião, deveria ser reduzido o nível de benefício fiscal e limados alguns aspetos mais propensos ao abuso, mas o regime deveria ter continuado porque tem sido muito útil especialmente em fases, como a atual, onde há escassez de financiamento.
“Atrair talento feminino para este ecossistema, seja como founders ou como investidoras, é para nós fundamental como potenciador do crescimento e enriquecimento do ecossistema”.
Homens versus mulheres no setor do investimento. Há mudanças nesta equação, desde sempre dominada pelos homens?
Desde a tomada de posse desta direção que a diversidade, nomeadamente a de género, está no topo das nossas prioridades. Atrair talento feminino para este ecossistema, seja como founders ou como investidoras, é para nós fundamental como potenciador do crescimento e enriquecimento do ecossistema. Temos investido muito da nossa atividade em programas específicos dedicados ao tema, em copromoção com parceiros internacionais, como é o caso do projeto “The Inspiring Women early-stage investors” – que visa promover a participação de mulheres em investimentos early-stage -, e o “Women and Money” – que pretende fortalecer a literacia económico-financeira de mulheres empreendedoras -, ambos realizados no âmbito do programa Small Scale Partnerships do ERASMUS+.
Enquanto mulher e presidente da Investors, quais são as suas maiores lutas neste momento?
Não consigo distinguir esses dois papéis, sou sempre mulher em qualquer função que desempenhe. Enquanto presidente da Investors Portugal, quero continuar a merecer a confiança que os meus pares depositaram em mim quando me elegeram e contribuir para o reconhecimento da importância fundamental dos investidores para o sucesso do empreendedorismo em early-stage.
*E partner da Bynd Venture Capital