Opinião

Ensino Superior: o espelho das escolhas e dos desafios do país

Anabela Possidónio, fundadora da Shape Your Future

Todos os anos, por esta altura, o Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior traz-nos mais do que números. É, na verdade, um retrato do país. Um mapa das aspirações da juventude, mas também um espelho das assimetrias que insistem em marcar o nosso território.

Os resultados de 2025 revelam tanto os lugares onde brilham a excelência e a procura, como aqueles onde faltam estudantes, deixando a descoberto as desigualdades que ainda persistem.

No topo, a história repete-se. Cursos como Engenharia Aeroespacial na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (194,3 valores), no Minho (188,5) ou no Instituto Superior Técnico (185,0) continuam a ser escolhas de eleição. O mesmo acontece com Engenharia e Gestão Industrial no Porto (186,5) e Medicina na mesma universidade (185,3). A Universidade do Porto coloca seis cursos no top 10 das médias mais altas, consolidando-se como um farol de excelência académica. Vê-se aqui uma clara aposta nas áreas STEAM (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática), sinal de que os jovens portugueses se interessam por inovação e tecnologia.

Mas este mapa não se faz apenas de picos. Olhando mais de perto, encontramos dezenas de cursos, sobretudo em institutos politécnicos do interior, onde a média do último colocado ronda os 95 valores – o mínimo para entrar. Em alguns casos, a realidade é ainda mais dura: cursos sem um único aluno. É o retrato de um país a duas velocidades, onde o litoral concentra prestígio, procura e recursos, enquanto o interior luta para atrair estudantes.

E as Humanidades e as Artes? Nas minhas conversas com jovens, percebo que muitas vezes são vistas como segunda escolha. No entanto, os números mostram que continuam a ser relevantes e competitivas. Direito na Universidade de Lisboa fechou com 163,3 valores, enquanto no Porto alcançou 177,8. Psicologia no Porto fixou-se nos 174,0. Na Universidade de Lisboa, Design chegou aos 173,5 e Arquitetura aos 178, 8 na Universidade do Porto. Estes resultados provam que a procura por estas áreas não desapareceu. E ainda bem. Porque acredito que tecnologia sem humanidade não nos leva longe. São as Artes, as Ciências Sociais e as Humanidades que nos ensinam a pensar criticamente, a comunicar com empatia, a criar com originalidade e a compreender o mundo em toda a sua complexidade.

Num tempo em que a inteligência artificial ganha cada vez mais espaço, estas competências humanas tornam-se insubstituíveis. Não se trata de nostalgia, mas de visão estratégica: precisamos tanto de engenheiros aeroespaciais como de filósofos, designers, juristas ou psicólogos que nos ajudem a dar sentido ao progresso tecnológico.

Há ainda áreas que, pela sua natureza, são pilares do desenvolvimento social: Enfermagem e Educação. Os resultados de 2025 mostram que existe procura para estes cursos. Enfermagem na Escola Superior de Enfermagem do Porto fixou-se nos 160,0 valores, no Minho nos 158,5 e em Lisboa nos 151,0. Já Educação Básica apresentou médias acima dos 14,0 valores em várias instituições, como os 153,8 registados na Universidade do Minho ou os 149,3 em Aveiro. Estes números são sinais de esperança, dado que a sociedade  precisa urgentemente de bons profissionais nestas áreas.

Mas se há algo que aprendi ao longo dos anos em orientação vocacional é que a escolha certa não se mede pela nota de entrada nem pela moda do momento. Mede-se pelo autoconhecimento. Os jovens que sabem quem são, o que os motiva e o que os apaixona fazem escolhas mais conscientes e consistentes. São esses que encontram não só sucesso académico, mas também propósito de vida.

O ensino superior deve ser, sim, um motor de inovação. Mas precisa igualmente de ser um motor de inclusão.. O desafio que temos pela frente não é apenas formar os melhores em termos técnicos, mas formar pessoas que queiram – e possam – contribuir para um país mais equilibrado, mais justo e, sobretudo, mais humano.

O mapa que cada ano o ensino superior nos devolve é um espelho de quem somos e de quem queremos ser. Cabe-nos a todos – universidades, politécnicos, famílias, estudantes e decisores – garantir que esse mapa não continue a mostrar apenas os contrastes, mas antes o caminho para um futuro mais coeso e sustentável.

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Anabela Possidónio

Anabela Possidónio

Anabela Possidónio é fundadora e diretora-geral da Shape Your Future, que tem como missão ajudar jovens e adultos a tomarem as melhores decisões académicas e profissionais. Assume também o cargo de diretora-geral da Operação Nariz Vermelho. Tem uma vasta carreira corporativa de mais de 25 anos, onde assumiu posições de liderança em diversos setores (Saúde - CUF; Educação - The Lisbon MBA; Retalho - Jerónimo Martins e Energia - BP), em diferentes países (Inglaterra, México, Espanha e Portugal) e empresas... Ler Mais..

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