Opinião
Ecossistema brasileiro de start-ups: balanço de 2025 e tendências para 2026
O ecossistema brasileiro de start-ups encerra 2025 com sinais claros de recuperação após anos desafiadores. Entre setembro e novembro, o mercado demonstrou resiliência e adaptação às novas exigências do cenário económico global, consolidando uma fase de crescimento mais seletivo e sustentável.
O terceiro trimestre de 2025 trouxe números que animaram o mercado brasileiro de venture capital. Segundo dados da ABVCAP, em parceria com a TTR Data, as start-ups brasileiras captaram R$ 2,1 bilhões em 27 transações, representando um crescimento de 23% em relação ao mesmo período de 2024.
Esse movimento contrasta com a tendência global de retração, onde até mesmo os Estados Unidos registaram os menores níveis de captação desde 2017. No Brasil, os principais aportes foram direcionados para start-ups de tecnologia da informação e produtos financeiros, que concentraram mais de 80% dos recursos do período.
Uma mudança significativa no perfil dos investimentos foi o retorno dos “up rounds” (rondas com valuation crescente) após anos dominados por “down rounds” e “flat rounds”. Contudo, esses novos “up rounds” foram maioritariamente direcionados para start-ups B2B (enterprise) com receita recorrente sólida (ARR) e caminho claro para o breakeven, sinalizando que a rentabilidade superou definitivamente o “crescimento a qualquer custo” na agenda dos investidores.
Entre os destaques de captação estão:
– QI Tech: Ronda de R$ 350 milhões liderada por General Atlantic e Across Capital, consolidando-se como o único unicórnio brasileiro criado em 2024.
– NG.Cash: Captação de R$ 147 milhões liderada pela NEA (New Enterprise Associates).
– Credix: Levantou R$ 500 milhões combinando R$ 30 milhões em equity e R$ 370 milhões em dívida via FIDC.
– Cyan Analytics: R$ 2 milhões em ronda estruturada pela Arara Seed, focada em inteligência climática aplicada ao agronegócio.
A inteligência artificial consolidou-se como o principal diferencial competitivo em 2025, deixando de ser promessa para se tornar realidade operacional consolidada. Dados do Observatório Sebrae Startups indicam que 29% das start-ups brasileiras já utilizam IA em aplicações sofisticadas, enquanto apenas 12% das empresas tradicionais atingiram o mesmo nível de maturidade.
O estudo “Desbloqueando o potencial da IA no Brasil” revelou que 40% das empresas brasileiras já adotam algum tipo de solução de IA, com 95% delas reportando crescimento de receita, com aumento médio de 31%.
O Distrito Fintech Report 2025 aponta a IA como a chave para o aumento do lucro e redução de custos nas start-ups. O RD Summit 2025 teve a IA como tema central, destacando-a como um “braço mecânico que potencializa o trabalho”. A pergunta no ecossistema deixou de ser “o que é IA?” para “como você usa a IA para gerar valor e economizar custos?”.
A tecnologia tornou-se um requisito mínimo – um “table stake” – para qualquer start-up que queira ser levada a sério pelos investidores. Não são mais apenas start-ups “de IA”, mas empresas que incorporaram a tecnologia profundamente nos seus produtos: plataformas de CRM que redigem e-mails personalizados em escala, ferramentas de RH que fazem triagem inteligente de currículos, e soluções de atendimento ao cliente com automação cognitiva.
Empresas como Starya AI, Laura (healthtech com IA cognitiva), ChatGuru, Z-API e NeuralMed destacam-se no cenário nacional, desenvolvendo soluções que vão desde automação de atendimento até monitoramento hospitalar preditivo.
O Brasil manteve a liderança em fusões e aquisições (M&A) na América Latina ao longo de 2025, com um volume crescente de negócios até setembro. Setores como Tecnologia/Software, Fintechs e Consultoria foram os mais ativos nesse movimento.
Uma onda significativa de M&A atingiu especialmente os setores de retalho digital e fintechs. Start-ups de nicho, com base de clientes leais, mas sem escala para se capitalizar sozinhas, foram adquiridas por players maiores ou por concorrentes em busca de sinergia.
Este movimento reflete a estratégia de empresas tradicionais (incumbentes) de adquirir start-ups já validadas para acelerar sua transformação digital e incorporar inovação rapidamente. Especialistas do mercado apontam esse fenómeno como saudável para a maturação do ecossistema, eliminando redundâncias e criando players mais robustos.
Fusões cross-border, como a da brasileira Indicium com uma empresa de Londres, confirmam a trajetória de crescimento internacional do ecossistema. A Blip, que adquiriu a Gus para acesso ao México e Europa, exemplifica a estratégia de expansão via M&A.
O Brasil consolidou sua presença internacional com a participação de mais de 300 start-ups na Web Summit Lisboa. Destaque para a presença de start-ups de regiões emergentes como Norte e Nordeste do país, sinalizando a interiorização da inovação brasileira e a descentralização do ecossistema para além do eixo Sul-Sudeste. Nos últimos três anos, as start-ups brasileiras movimentaram quase R$ 94 milhões (15,6 milhões de euros) em negócios no evento, posicionando o país entre os cinco maiores ecossistemas de inovação representados.
Com a IA como tema central do evento, o RD Summit consolidou-se como um dos principais fóruns de discussão sobre tecnologia e inovação do país, destacando casos práticos de aplicação de inteligência artificial em diversos setores.
As fintechs continuam a liderar investimentos no ecossistema brasileiro. A lista LinkedIn Top Startups 2025, divulgada em outubro, confirmou o domínio das fintechs, que ocuparam posições de destaque no ranking. A lista também mostrou a crescente relevância de Healthtechs (saúde digital) e Edtechs (educação), que continuam a atrair a atenção significativa de investidores.
Com a implementação da segunda fase do Drex prevista para 2026, novas regras do PIX e um cenário de menor crescimento do crédito, essas empresas destacaram-se como protagonistas na captação de venture capital.
Empresas como a Flash (benefícios corporativos), a Celcoin (embedded finance) e a Stark Bank mantêm-se como fortes candidatas a alcançar o status de unicórnio ainda em 2025 ou início de 2026.
Aspirantes a Unicórnios: A Nova Geração
O relatório “Corrida dos Unicórnios 2025”, da Distrito, mapeou nove start-ups brasileiras com potencial real de atingir valuation de US$ 1 bilião. Entre as principais candidatas estão:
- RecargaPay – Pagamentos digitais
- PetLove – E-commerce de pet shop
- Omie – ERP e gestão empresarial
- Stark Bank – Banking as a Service
- Flash- Benefícios corporativos (R$ 10 bi transacionados)
- Celcoin – Infraestrutura financeira (R$ 20 bi/mês processados)
- Mottu – Aluguel de motos para entregadores
- CRM&Bonus – Martech
- Tractian – IoT industrial com IA
Das 100 start-ups latino-americanas com maior potencial de crescimento, 50 são brasileiras, demonstrando a força do ecossistema nacional.
Desafios e Mudanças no Comportamento do Mercado
O mercado de 2025 apresenta características distintas do boom de 2020-2021, marcando o fim da “adolescência” do ecossistema e a entrada em uma fase mais madura: a busca pelo lucro operacional tornou-se a métrica número um, ditando valuation e atração de investimento. Os investidores agora priorizam:
– Start-ups com estratégias claras de monetização
– Modelos de negócios escaláveis
– Eficiência operacional e caminho para breakeven
– Métricas sólidas de tração
O mantra mudou de “crescimento a qualquer custo” para “crescimento eficiente”, refletindo uma postura mais pragmática e sustentável.
O período confirmou a migração de foco para o mercado B2B. Start-ups que vendem para outras empresas (SaaS, Supply Chain, Indústria 4.0) mostraram maior resiliência e capacidade de captação. O termo “Tamué” (Tamanho de Mercado Utilmente Endereçável), uma versão mais realista do TAM (Total Addressable Market), ganhou força nos pitches, mostrando que empreendedores estão mais focados em dominar um segmento específico e lucrativo.
Start-ups que conectam o digital ao físico – como logística, agrotech e indústria – continuaram a atrair mais atenção e capital do que aquelas puramente baseadas em consumo digital, refletindo a preferência por modelos de negócio com ativos tangíveis e problemas reais.
Com a Selic a 12,25% ao ano, o cenário permanece desafiador. Dados da Abstartups mostram que 84,3% das start-ups brasileiras não receberam investimento em 2024, refletindo a maior seletividade do mercado.
Os fundos continuam com capital para investir (o “dry powder”), mas a seletividade é extrema. Fundos generalistas deram lugar a veículos focados em setores muito específicos, como Climatetech, Healthtech e Educação Profissionalizante, com foco em start-ups que resolvem problemas críticos do Brasil, como logística de última milha e eficiência energética.
Grandes empresas estão a criar os seus próprios veículos de investimento (CVCs), visando não apenas rentabilidade, mas também sinergias com produtos e serviços. Programas de aceleração corporativa e venture building foram cruciais para muitas start-ups em 2025, e essa tendência deve crescer ainda mais em 2026.
Setores em alta para o encerramento de 2025
- HealthTechs – Com cerca de 2.500 start-ups de saúde no Brasil, o setor deve movimentar US$ 504 biliões globalmente. Telemedicina, saúde mental corporativa (como a Vittude) e diagnóstico preditivo lideram as apostas.
- AgriTechs e Climate Techs – Soluções voltadas para sustentabilidade, bioeconomia e tecnologias verdes ganham tração.
- EdTechs – As startups de educação representam 9% das empresas que mais utilizam IA, liderando a transformação digital no setor educacional.
- Infraestrutura Tecnológica – Banking as a Service, APIs e soluções de embedded finance continuam a atrair grandes investimentos.
Tendências para o encerramento de 2025 e 2026
IA como requisito, não diferencial – “É impossível investir em uma start-up que diga que não precisa de IA. Isso já morreu”, afirma Andiara Petterle, business angel. A IA deixou de ser opcional e tornou-se fundamental para competitividade.
Internacionalização acelerada – As start-ups brasileiras estão a expandir-se para América Latina, Europa e Estados Unidos, procurando diversificar receitas e reduzir riscos locais. A Blip (adquiriu a Gus para acesso ao México e Europa) e casos similares ilustram essa tendência.
Crescimento eficiente – O mantra do empreendedor em 2025 é “crescimento eficiente”, não mais “crescimento a qualquer custo”. Break-even e geração de caixa são prioridades absolutas.
Regulação como diferencial– O avanço regulatório brasileiro (Lei do Telessaúde, novas regras do PIX, framework do Drex) pode tornar-se um diferencial competitivo para start-ups adaptadas.
Novas Geografias de Inovação – Hubs fora do eixo São Paulo-Rio ganham força: ABC Valley, Buriti Valley, Jerimum Valley, Mangezal e Tropeiro Valley demonstram a descentralização do ecossistema.
Desafios estruturais persistentes
Apesar dos avanços, o ecossistema ainda enfrenta:
– Escassez de profissionais qualificados em IA e tecnologias emergentes
– Alta taxa de juros limitando acesso a capital de risco
– Valorações ajustadas após o período de euforia 2020-2021
– Necessidade de maior diversidade regional e setorial nos investimentos
– Mercado de IPOs ainda “congelado”
Perspetivas para 2026
Os especialistas projetam que 2026 será um ano de consolidação:
– Expetativa de queda de juros nos EUA pode trazer novo fluxo de capital para mercados emergentes
– Novas regulações (como Drex operacional) devem criar oportunidades inéditas
– Maturação dos casos de uso de IA deve separar empresas com aplicações reais de propostas superficiais
– M&As devem aumentar, com start-ups maiores consolidando posição via aquisições estratégicas
Dados do Ecossistema
– 18.056 start-ups identificadas pelo Sebrae Startups (maior mapeamento do país)
– 25 unicórnios brasileiros ativos (maior da América Latina)
– R$ 2,88 biliões em operações de saída (exit) no 3.º trimestre
– 78% das start-ups já utilizam IA em seus processo
– 260+ fundos de venture capital ativos no Brasil
Conclusão: da euforia à construção sólida
O ecossistema brasileiro de start-ups encerra 2025 num momento de transição importante: da euforia do crescimento acelerado para a maturidade da sustentabilidade financeira. O ano não será lembrado por megaround bilionários ou pela euforia desmedida de 2021, mas sim como o período em que o ecossistema atingiu uma nova maturidade – o fim da “adolescência” e a entrada numa fase adulta, mais consciente e, paradoxalmente, com potencial de crescimento mais sustentável.
Os números do terceiro trimestre, os eventos de impacto internacional e a ascensão da inteligência artificial como tecnologia fundamental, demonstram que o Brasil mantém sua posição de destaque na América Latina. A onda de M&As, o retorno dos “up rounds” com critérios mais rigorosos, e a migração para modelos B2B evidenciam um ecossistema mais maduro e resiliente.
Para 2026, a expetativa é de um mercado mais robusto, com start-ups melhor preparadas, investidores mais criteriosos e um ecossistema mais diversificado geograficamente. A inteligência artificial, as fintechs e as soluções voltadas para sustentabilidade devem continuar a liderar os investimentos, enquanto novos unicórnios brasileiros podem emergir de setores estratégicos.
As start-ups sobreviventes de 2025 emergiram mais fortes, com custos sob controle, produto ajustado ao mercado (product-market fit) e uma governança mais rígida. São empresas que aprenderam a nadar em mar revolto e encontraram correntes surpreendentemente favoráveis, preparadas para um ciclo de crescimento mais sustentável e duradouro.
O desafio será equilibrar o otimismo com a realidade macroeconómica, mantendo o foco em inovação genuína, eficiência operacional e geração de valor sustentável. A fase de “festa” acabou, mas deu lugar a uma “construção” mais sólida. O crescimento esperado não será baseado no volume de capital injetado, mas na geração real de valor para clientes, investidores e para a economia brasileira como um todo.
Um excelente final de ano a todos, que venha 2026!
*Fontes: ABVCAP, Distrito, Bloomberg Línea, Sebrae Startups, Abstartups, KPMG, Startupi, Exame, Neofeed, StartSe, LinkedIn Top Startups, entre outras.








