Opinião
“Dou-vos a minha paz”

Se há coisa que o mundo precisa é de paz. No entanto, num mundo em que tudo se tornou relativo, parece cada vez mais difícil definir o que é paz.
E isto é, para mim, assustador, porque deriva do facto de que os conceitos deixaram de estar ligados às coisas e passaram a estar cada vez mais ligados à vontade de cada um. Sendo assim, nada é o que é e tudo é relativo, e quando digo tudo, é mesmo tudo.
Dirão alguns que nos encontramos, em teoria, numa situação de maior liberdade, porque não estamos “presos” a nada e podemos escolher tudo segundo a nossa vontade. O problema é que precisamos de estabelecer critérios de vida em comunidade para que seja possível viver como tal. Se toda e qualquer lei é relativa e depende unicamente da minha vontade como criamos critérios de vida em comum? Isto é válido no trânsito, nas relações familiares, nas atitudes que tomamos nas nossas empresas, na forma de se agir na política, nas relações internacionais e na política mundial.
Transformámos a ética e a moral em algo secundário (para não dizer inútil) para nos agarrarmos a uma forma de pensar e agir, que eu definiria como de elasticidade infinita. E, por isso, vemos este espetáculo internacional de negociações de paz baseadas em interesses pessoais e o questionamento permanente da estabilidade institucional mundial baseada em interesses económicos, como se tudo fosse normal e aceitável. A pergunta que se tem de fazer e que quanto a mim é assustadora é “o que vem a seguir?” Se não houver qualquer acordo, se a paz não for possível de alcançar por estes meios, se a aceitação desta nova ordem internacional for (como parece ser) inaceitável pela maioria, quem vai vencer? O dinheiro ou as armas?
A tal elasticidade infinita de que eu falava gera naturalmente que cada um sinta que, também no seu âmbito pessoal, tudo é possível e tudo é aceitável. Assistimos diariamente a coisas bem piores do que as que nós fazemos e, portanto, porque não posso, também eu, exceder-me no cumprimento das leis, nas normas sociais e até no âmbito das relações humanas?
Não se trata apenas da definição de uma nova ordem internacional ou até de novas regras de relacionamento humano. Tudo caminha para a desordem com o estabelecimento de uma nova oligarquia de poder, não baseada em alguns iluminados, mas sim em alguns tresloucados. Estou preocupado, nota-se, mas parece-me que não é difícil descobrir o alvo de uma bala quando o tiro já foi disparado.
Explicou-me um dia um psiquiatra amigo que o ser humano precisa de normalidade e estabilidade na vida. Precisamos de olhar para o futuro e acreditar que a evolução é uma continuidade do presente conhecido. Se isso não acontecer somos levados naturalmente à loucura porque essa estabilidade é necessária ao nosso equilíbrio. Volto à questão da paz. Precisamos dela cada vez mais, de uma paz verdadeira (o que é a verdade?), de uma paz duradoura (quanto tempo?) e de uma paz aceite por todos, como geradora de felicidade (e não imposta). Deixo-vos por isso o meu desejo de paz!
Pedro Alvito é, desde 2017, professor na AESE, onde leciona na área de Política de Empresa, tendo dado aulas também na ASM – Angola School of Management. Autor de duas dezenas de case-studies publicados pela AESE e de dois livros publicados pela Editora Almedina – “Manual de como construir o futuro nas empresas familiares” e “Um mundo à nossa espera, manual de globalização”. Escreve regularmente em vários órgãos de comunicação social especializada. Desde 2023 é presidente do Conselho de Família e da Assembleia Familiar do grupo Portugália e membro do Conselho Consultivo da GWIKER.