Opinião

Do sonho ao pesadelo: o caso real de Helena Vieira

Helena Vieira, professora na Faculdade de Ciências da Univ. de Lisboa

Conheça o sonho e o pesadelo que Helena Vieira viveu quando criou a Bioalvo. Hoje resta-lhe a lição que aprendeu e que usa enquanto professora e investigadora da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, mas também no seu mais recente projeto com Ana Prata, a MySkinmix.

A Bioalvo tornou-se um caso de estudo internacional e mudou uma geração de empreendedores em Portugal, os da ciência. O que começou como uma ideia testada em concursos de ideias, tornou-se numa das maiores empresas nacionais de biotecnologia e num exemplo de sucesso. Ao longo dos seus 11 anos de existência, passaram por ela mais de 100 pessoas. Um sonho que acabou.

Em abril de 2013, os acionistas maioritários da empresa decidiram desinvestir e desmantelar a empresa. No dia 30 de outubro de 2013, Helena Vieira saía do maior projeto da sua vida profissional.

O Link To Leaders falou com a bióloga, hoje professora e investigadora na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, sobre os anos que viveu para colocar a Bioalvo nos quatro cantos do mundo e como o seu sonho se desmoronou, com o encerramento da empresa. Da experiência, aprendeu uma lição para a vida e para os seus novos projetos, a MySkinmix e a UAU Homes: não escolher qualquer parceiro financeiro, só porque tem dinheiro disponível para dar.

Como surgiu a Bioalvo?
A Bioalvo começou quando estava a fazer o doutoramento. Formei-me na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa em Microbiologia e Genética e, assim que acabei o curso, fiz mais um ano de uma bolsa no Hospital de Santa Maria. Na altura, soube logo que não queria ficar por aqui muito tempo fechada, que gostava de expandir horizontes. Concorri a uma bolsa de doutoramento para o estrangeiro e, pelo caminho, fui tentando arranjar emprego, candidatando-me a várias ofertas que havia. Uma delas era no Instituo de Medicina Legal, porque sempre gostei muito das ciências forenses e até fiz uns cursos. Na altura, o processo de candidatura na medicina legal era superlento, com uma série de exames, teste e entrevistas. Entre a submissão dos papéis para o doutoramento e o processo de candidatura à medicina legal, passou bastante tempo e, no dia em que soube que tinha ganho a bolsa, soube também que tinha sido aceite na medicina legal. Foi o primeiro dia da minha vida em que tive de tomar uma decisão importante, a de ficar com o emprego fixe, achava na altura, com contrato e no Estado, ou arriscava numa uma bolsa de doutoramento para um sítio onde nunca tinha ido e ir viver sozinha para um país estrangeiro.

Acho que logo aí se revelou um bocadinho o meu gene de empreendedora, porque disse que me ia embora. Achava eu que nunca mais ia ter uma oportunidade daquelas e fui-me embora para Londres fazer o doutoramento em biomedicina no Imperial College. Quando lá cheguei, em 2000, com 24 anos, encontrei um ambiente completamente diferente do que era na altura em Portugal. Nunca tinha ouvido a palavra empreendedorismo e a palavra inovação, nunca tinha ouvido na universidade a palavra empresas, era uma realidade completamente diferente.

Quando cheguei, tive logo uma série de cursos obrigatórios, como o Inglês para estrangeiros, comunication skills com jornalistas da BBC, tínhamos conferências todas as semanas com os CEO das maiores empresas do mundo na altura, como a Novartis, e entrei num mundo um pouco diferente do que era a minha realidade no momento. Foi aí que percebi que havia um rumo diferente para quem se formava em ciências, que não era só investigação, que poderia trabalhar em grandes empresas.

De que forma esta experiência ditou o seu futuro?
Em Portugal, tinha sido formada para a investigação e nunca tinha pensado que pudesse fazer outras coisas fora deste ramo. Acho que foi muito boa a minha ida para Londres. Vinha de uma família muito modesta e sem negócios, nem sequer com formação superior, pelo que nem as minhas raízes me davam para percecionar que havia outra realidade.

Quando lá cheguei, fiquei um pouco deslumbrada e decidi que Londres era muito gira, mas chovia muito e queria despachar o doutoramento depressa, porque me queria vir embora. Isto nos primeiros tempos. Depois, percebi que tinha sido a melhor coisa que me acontecera. Estava a trabalhar em laboratório, quando um dos meus amigos do programa Contacto me enviou um email que apenas dizia “Helena está aqui a tua oportunidade. Beijinhos. Diogo” e, por baixo, vinha o regulamento de um concurso de empreendedorismo, que era o Bioempreendedorismo Ibérico. Como o concurso era Ibérico, obrigava a que houvesse uma equipa mista, portuguesa e espanhola, e que fosse com cientistas e com pessoas da área da gestão ou financeira. Na altura, não havia Skype nem WhatsApp, havia emails. Começámos a falar com alguns amigos que tínhamos destas áreas, arranjámos um espanhol para integrar o grupo e mandámos um projeto para o concurso que estava a decorrer em Lisboa, a candidatar-nos, com uma ideia na nossa cabeça, um protótipo no papel e fomos selecionados. Fizemos o que hoje chamamos um miniprograma de aceleração e, no fim, ganhámos o primeiro prémio de 4 mil euros que, na altura, em 2002, era muito dinheiro.

O que fizeram com este dinheiro?
Pusemos numa conta e não fizemos nada. Estávamos em 2002 e eu estava a meio do doutoramento. Os outros também estavam em doutoramentos e MBA, pelo que esquecemos um bocado, para lá voltar mais tarde.

Passados quatro meses, o Imperial College adere a um concurso, o UK Entrepreneurs Challenge. Era quase como se fossem campeonatos nacionais, havia os regionais da região de Londres e quem ganhasse passava aos seguintes e por aí fora. Não era só em live science, era qualquer ideia, e só no Imperial College houve 300 candidaturas. Como já tínhamos o business plan feito, decidimos tentar. Tivemos de o passar de 40 para 10 páginas, tivemos vários ciclos de apresentação com júris da McKinsey e do Banco Central Europeu, fizemos pitch, os nossos colegas que estavam em Lisboa, porque o espanhol já tinha saído do grupo, vieram a Londres para fazer os pitch e, no fim, ficámos nos finalistas e ganhámos o prémio do Imperial College. Mas decidimos não continuar. Foi um prémio internacional e foi muito bom. Ficámos com uma série de contactos de todos aqueles investidores e networking, isto em 2003. Era o meu último ano de tese. Pelo meio, concorremos a mais umas coisas e ganhámos uns prémios do IAPMEI, que já conheciam o projeto, e ganhamos o Concurso Nacional de Empreendedorismo, cujos valores monetários íamos acumulando na conta.

Começámos a usar aquele dinheiro em 2004/2005 para testar o conceito. Fingimos que tínhamos a empresa e fomos lançar-nos na maior conferência que existe de biotech, como se já tivéssemos a tecnologia a funcionar. Fomos ter com as maiores farmacêuticas do mundo, com umas brochuras e um PowerPoint, perguntar se aquilo tinha interesse para eles. Foi um pouco validar, sem saber bem o que estávamos a fazer. Fomos para o meio dos Estados Unidos a vender mentiras, como costumo dizer.

O que queríamos era montar uma tecnologia que permitisse rastrear muitas moléculas, para desenvolver fármacos para doenças neurológicas, porque era uma das áreas em que havia menor sucesso de criação de novas drogas, porque é muito difícil chegar ao cérebro. Por outro lado, é uma área em que se sabe menos das doenças. A nossa ideia era criar uma tecnologia baseada em levedura, que tem muitas parecenças com o cérebro em termos de barreiras e dificuldades, pelo que pensámos em usá-la como modelo, porque é muito mais fácil de usar em testes do que cérebros humanos, para fazer screening de muitas drogas para doenças neurológicas. Começámos com a área cerebral, Alzheimer e Parkinson. Havia na altura muita procura. Ouvimos o que eles nos disseram e foi muito com base nisso que escolhemos os alvos que devíamos testar. E assim gastámos uma parte do dinheiro acumulado.

Como surgiu a oportunidade dada pelo IAPMEI?
Em 2005, o IAPMEI telefona-nos e diz-me que estão a tentar dinamizar um bocadinho o empreendedorismo e o capital de risco em Portugal. Na altura não havia business angels e perguntam se queríamos fazer uma apresentação para o seu maior investidor, que era a PME Investimentos. Na altura eu tinha voltado, estava na Católica, tinha contrato, posição definitiva a dar aulas, uma coisa que gosto de fazer. O projeto estava um bocado na gaveta, mas pegámos naquilo, juntámo-nos, organizámos o plano de negócios à luz daquele ano, porque já tinham passado três anos, e fizemos um pitch, como se faz para os investidores. Estávamos a meio, quando o presidente do PME Investimentos interrompe e diz: “Helena, já me convenceram. Não é preciso dizer mais. Quanto é que vocês querem?”

Olhei para o Filipe que era o financeiro e pergunto se posso dizer que queríamos 1,3 milhões de euros e ficar com a maioria da empresa. Ele perguntou o que íamos pôr, ao que respondi que não tínhamos dinheiro, que só íamos pôr a ideia e o nosso tempo. Este respondeu: “Está bem. Está comprado”. Foi um dos maiores investimentos em biotecnologia na altura e, ao que sei, continua a ser um dos maiores investimentos. Foi investimento de capital de risco e não de business angel, com todas as consequências que isso tem. Ficámos na altura com 51% da empresa.

Ainda tentei durante alguns meses conjugar a segurança do emprego com o lançamento da empresa, até que cheguei a abril de 2006 e vi que não era possível. Mais uma vez disse: “ou vai ou racha”, vou deixar a Católica e venho para aqui fazer isto. E fui eu que liderei o projeto. Este começou efetivamente em 2006.

Quando os clientes começaram a mostrar interesse pela tecnologia?
Em 2008, submetemos as primeiras patentes e fizemos os primeiros press releases. Começámos a ter muita atenção, a ter alguns clientes interessados na tecnologia, a fazer alguns projetos para terceiros, enquanto desenvolvíamos os nossos próprios medicamentos e, quando chegámos a 2009, três anos depois, tivemos de levantar uma nova ronda, porque estas são empresas que têm ciclos de investimento muito frequentes. Libertamos os primeiros resultados, muito promissores, e sabíamos que íamos precisar de mais dinheiro, para avançar para os ensaios em animais, para depois passar aos humanos.

Foi aí que começaram os problemas, porque estávamos em plena crise mundial. Falámos com 128 investidores em todo o mundo e tivemos 127 nãos, e só um sim, da Easius Capital, um fundo espanhol semelhante ao nosso PME Investimentos. Foi no início do ano de 2009 e, em setembro, assinámos a turn sheet com eles. Entretanto, eles iam sindicar com a Sofinova em Paris e com os nossos atuais investidores em Portugal e, em dezembro, íamos assinar o contrato com eles a Espanha. Entretanto, cai a crise financeira na Europa e, como a Easius era como a nossa Portugal Ventures é hoje, o governo espanhol impediu que eles investissem os habituais 30% do fundo fora de Espanha.

A Ysios era o nosso leading investor e, como não podíamos ter sede em Badajoz porque os nossos investidores portugueses também não podiam ter investimentos em Espanha, volta tudo atrás. Nisto passa um ano e, se no início tínhamos dinheiro, quando acabamos já não tínhamos muito no banco. Foi o nosso primeiro embate. Chegámos a um ponto em que a empresa tinha pouco dinheiro e o que fizemos foi a direção ficar sem salários, para que os nossos funcionários pudessem receber. Estivemos uns 7 meses sem receber, o que foi muito difícil, porque o meu marido também estava a trabalhar na empresa e já tínhamos uma filha e uma casa para pagar.

Como contornaram a situação menos positiva pela qual estavam a passar?
Durante este ano, tivemos de fazer um pivot muito grande. Pensámos que não íamos conseguir levantar os 5,5 milhões de euros que precisávamos para a próxima fase. Tínhamos conseguido apenas 2 milhões e íamos ter de repensar tudo o que íamos fazer. Foi então que percebemos que, para além da tecnologia que tínhamos, estávamos com moléculas que vinham do mar português. Percebemos que havia muito interesse por parte de empresas com as quais não tínhamos pensado à partida trabalhar, como na área da cosmética, da alimentar, da nutracêutica, da Unilever. Aí aprendemos a primeira grande lição: o primeiro plano de negócios nunca é o último, está sempre a mudar, e temos de ouvir o mercado.

Estávamos a ter muito mais procura por parte das bibliotecas, do que propriamente pelas moléculas farmacêuticas que estávamos a desenvolver e a nossa teimosia em manter essa via numa fase difícil podia custar a vida da empresa.

Como fizeram o reposicionamento da empresa?
Então decidimos fazer pivot completamente e reposicionamos a empresa como sendo da biotech for natural products. As nossas moléculas farmacêuticas passaram para segundo plano, porque o desenvolvimento é muito mais longo, e desenvolvemos alguns compostos para mercados mais rápidos, como a cosmética e a nutracêutica. Além disso, abrimos acesso, licenciámos a pagamento o acesso às nossas bibliotecas, para áreas que não nos interessasse a nós desenvolver, e à nossa tecnologia, para montar sistemas equivalentes àquele que tínhamos patenteado e que percebemos que podíamos usar para imensas outras áreas.

Demos um shift completo à empresa, reformulámos a imagem, o site e decidimos que, se o dinheiro não vinha até nós, tínhamos de arranjar forma de fazer dinheiro. Começámos um ciclo novo. Com o dinheiro que ainda tínhamos, conseguimos fazer este recicling e, em 2 anos e meio, pusemos o primeiro produto no mercado. Eram ingredientes para cosmética especializada. Fizemos um acordo muito grande com a Merk, em que lhes dávamos os direitos exclusivos para, durante 5 anos, introduzirem aquilo nas marcas de cosmética que todos conhecemos, nas Estée Lauder e afins, e tivemos o nosso primeiro ano sem prejuízo, com EBITDA 0, o que para uma biotech é muto bom. Eram 6 anos para dar lucro. 2013 foi o nosso primeiro ano de lucro efetivo, com um contrato de 5 milhões na mão, que cobria não só todo o dinheiro que tínhamos investido, mas também já estávamos a dar lucro e tínhamos uma série de ingredientes no pipeline, agora que já tínhamos aprendido o mecanismo. Fizemos acordos com o National Institutes of Health, que tínhamos como cliente, tínhamos a LIPOTEC, uma empresa do Warren Buffet, como cliente, estávamos finalmente a começar.

O que acha que contribui para esta nova abordagem ao mercado?
Foi muito bom termos aquele falhanço do investimento, porque, se o tivéssemos conseguido, se calhar iriamos falhar mais à frente e ainda doía mais. Possivelmente já teríamos gasto 8 milhões. Assim, tivemos de olhar para o mercado de outra maneira, inovámos imenso no modelo de negócio. Não havia biotech a fazer o que nós estávamos a fazer. Fomos caso de estudos nos EUA e na Europa e tivemos uma exposição mediática muito grande, o que hoje acho que foi um erro. O caso era interessante e causava interesse nos media, usávamos o nosso património do mar e isso trouxe muita exposição.

Nascemos lá fora. Sabíamos que não tínhamos clientes cá em Portugal. Mais tarde, acabámos por trabalhar com algumas farmacêuticas cá em Portugal, mas as primeiras grandes empresas com quem trabalhámos, foram as grandes farmacêuticas lá fora.

O percurso internacional foi preponderante para a Bioalvo ser reconhecida pelas grandes empresas?
Do ponto de vista de investidores, nunca tivemos investimento estrangeiro e isso dificultou-nos a vida cá. Se tivéssemos tido o investimento da Easius, tínhamos tido um investidor de cá, um espanhol e um francês, o que hoje é muito natural, mas na altura não era muito fácil de conseguir por uma start-up. Acho que o que nos ajudou talvez tenha sido o percurso inicial de termos começado lá fora e termos sido validados pelas McKinseys e pelas empresas todas lá fora. Nós próprios tínhamos um percurso muito internacional, o que também, há 15 anos atrás, não era muito comum. O empreendedor de hoje é muito mais formado do que o de há 15 ou 20 anos atrás. Tínhamos muito sucesso cá dentro, mas não ganhávamos nada com os clientes de cá. Aqui, até fazíamos às vezes mais por patriotismo, gastávamos algum dinheiro em publicidade e a envolver as pessoas, para dinamizar um pouco o empreendedorismo e o setor.

No meio disto tudo, tivemos investimentos da PME Investimentos, da PME Capital e, na segunda ronda, entraram mais dois fundos novos deles que puseram algum dinheiro. Tínhamos muitos projetos europeus e tínhamos conseguido muito financiamento europeu. Houve um momento em que tudo isto se uniu na INOV Capital, que agora é a Portugal Ventures.

Quando perceberam que as coisas não estavam a tomar o rumo certo?
Em 2012, a INOV Capital congregou todos estes fundos e, em vez de termos quatro acionistas, passámos a ter um acionista com 80% da empresa. Isso mudou drasticamente tudo. Não era o que queríamos, mas não podíamos fazer nada. Estava completamente fora do nosso alcance. No início de 2013, começámos a perceber que as coisas não estavam muito bem. Eles não davam resposta, estavam a impedir-nos de fazer negócio, porque havia coisas que eu não podia decidir sozinha e tinha de ter assinaturas superiores. Decidi marcar uma reunião em abril de 2013, para saber o que se passava e informaram-nos que as live science já não estavam no âmbito do que queriam promover e investir, e queriam desinvestir. Tentámos comprar a parte deles, mas claro que nenhum de nós tinha 3 milhões para eles saírem, pelo que recusaram a nossa oferta e fecharam a empresa. Como tinham 80% não pude fazer nada.

Na altura, ainda tentei reverter a situação. Fizemos uma oferta de management buy out que não foi aceite. Enquanto CEO, tentei procurar outros investidores que pudessem comprar aquela parte. Só que é muito difícil convencer um investidor a dar 3 milhões para comprar a parte de outro investidor, ou seja, como esse dinheiro não vai ficar na empresa, não há nenhum investidor que facilmente o faça.

O que esta experiência lhe ensinou?
Eu nunca quis ter a maioria da minha empresa e dou sempre este conselho aos empreendedores: mais vale ter 10% de uma coisa muito grande, do que 100% de nada. Não acho que o empreendedor deva ter a fixação de ter a maioria da empresa para ter o controlo. Acho é que o empreendedor deve ter um focus em escolher bem os parceiros com quem lida. Quando começámos, ficámos com 51%. A Bioalvo devia ter começado com financiamento de um business angel, de VC e só depois de equity funds. Mas, quando começámos, não havia nada disso e começámos com um capital de risco que ficou logo com quase metade da empresa e todos os fundos que entravam a seguir, ficavam com mais um bocadinho.

Na altura, estava tudo muito equilibrado, porque não havia ninguém que tivesse mais do que 25% da empresa. O problema foi quando se juntaram todos num só, com 80%. Foi uma coisa que aconteceu por inexperiência. Se calhar, se soubesse o que sei hoje, não tinha aceite investimento de fundos geridos pelas mesmas entidades. Provavelmente, teria tentado diversificar as fontes de capital que tinha. É preferível, às vezes, estar mais tempo sem dinheiro.

Quando lhe disseram que iam desinvestir o que lhe veio à cabeça?
Foi um grande choque. Essa reunião em abril foi muito má, porque, nesse mesmo mês, fomos apresentar um ingrediente à Incosmetics, que é a maior feira do mundo de ingredientes cosméticos especializados, onde a Merk manifestou interesse. Em junho, ainda assinámos o contrato com a Merk e, até setembro, tentei arranjar investidores para comprar a outra parte. Nessa altura, percebi que não ia conseguir por essa via. Ainda me acusaram de que, como CEO, estava a ir contra os meus acionistas, ao tentar arranjar um investidor que comprasse o direito deles.

Os advogados disseram que me podia estar a meter em complicações legais e tomei a única decisão que podia tomar: esta empresa é minha, fui eu que a criei; se, enquanto CEO, não a posso tentar salvar, então vou deixar de ser CEO. Entreguei a carta de demissão no dia dos anos da minha filha, lembro-me perfeitamente, e, durante mais um mês, em que já não era CEO, mas apenas acionista, tentei intensificar a procura de soluções. Não consegui, porque, entretanto, marcaram uma assembleia geral para outubro e, mesmo tendo todos nós votado contra e só eles a favor, fecharam a empresa, porque tinham a maioria, e não pude fazer mais nada.

Como foram os meses seguintes?
Até dezembro, estive em ressaca total. Nem tive muito tempo para pensar, porque, como tínhamos muitos contratos a decorrer e eu não sou pessoa de virar as costas à responsabilidade, estive a trabalhar em casa durante uns 4 meses, como se estivesse na empresa, a tentar solucionar todos os problemas pendentes desta solução tão drástica. Assinar relatórios, justificar coisas, ajudar os parceiros nos consórcios a substituir-nos… Lembro-me de, no Natal, ter posto um post no Facebook a dizer: “I dont know what I’m gonna do next so stop asking please”. Foi uma fase muito dura. Era um projeto muito grande.

A maior parte dos empreendedores falha nos primeiros projetos, mas não são projetos assim tão grandes. Vamos falhando nos pequenos e aprendendo. Eu tive a sorte de o primeiro projeto em que me lancei, ser de facto um projeto muito bem-sucedido e muito grande, mas quanto mais alto se sobe, maior é a queda. Logo a seguir, os jornalistas queriam que eu contasse a história e eu não quis. Há muita coisa que não conto e não tenho de o fazer. Não se lava roupa suja em público e não é assim que eu faço as coisas. Depois, convidaram-me para dar uma ted talk no final de dezembro e aceitei. Foi a primeira vez em que falei sobre o assunto e foi muito emotivo, porque ainda me era muito difícil falar sobre isto.

Acho que abrimos uma vaga nova na biotecnologia em Portugal, porque sem dúvida que há um antes da Bioalvo e um depois da Bioalvo. Há muito mais empresas hoje, abrimos mais uma área nova, a da biotecnologia marinha. O modelo de negócio que montámos tem sido muito utilizado na Europa, porque provou que as biotech não têm de ser empresas a sugar dinheiro sem produzirem retorno. Se tivéssemos começado em 2010, tínhamos feito dinheiro em 3 anos, o que é muito bom para uma empresa deste ramo. Passaram centenas de pessoas pela Bioalvo, estagiários, doutorandos, mestrandos, trabalhámos com o MIT Portugal, com o Harvard Medical School, formámos muitos gente. Três meses depois, toda a equipa da Bioalvo tinha emprego em sítios se calhar muitos melhores, como a Novartis, em clinical trials, na Europa…

Se pudesse o que mudaria para que hoje ainda existisse a Bioalvo?
Aquela ronda de investimento que fiz em 2010 com aqueles fundos, não a teria feito. Teria sido resiliente durante mais meses sem dinheiro, com o risco de perder parte da equipa, porque, se calhar, eu ficava muito tempo sem ganhar, mas os outros talvez não ficassem, se tivéssemos ido para fundos privados. Fiz o melhor que sabia com o que tinha naquele momento. Precisávamos de passar por aquela primeira fase de aprendizagem, para perceber que não era por ali o caminho. Só com isso é que conseguimos criar este modelo novo. Se não tivéssemos passado por aquilo, se calhar não teríamos tido a ideia de montar uma empresa quase nova naquele formato. Acho que a única coisa que poderia ter feito diferente era diversificar as fontes de financiamento, mas naquele momento não havia grande disponibilidade de dinheiro na Europa e já tínhamos dinheiro da banca, pelo que naquele momento não tínhamos possibilidade de nos endividar mais.

A nossa unidade de robótica foi toda suportada pela banca. Demos garantias pessoais, até costumava dizer, quando entrava na sala do robot, que era a minha casa que ali estava, que era a garantia daquilo e, se falhasse, ficava literalmente na rua. Lembro-me perfeitamente do dia em que pagámos a última prestação ao banco e em que pensei que já podia dormir descansada, porque já tinha casa outra vez.  São tudo consequências das situações momentâneas.

Depois daquela queda, durante um ano não quis saber de empreendedorismo para nada. Só queria ter um emprego das nove às cinco numa empresa qualquer, em que não tivesse de me chatear. Nessa altura, concorri a tudo o que era possível para empregos, porque fiquei sem emprego, divorciada com uma criança para tomar conta e uma casa para pagar, foi difícil. Tinha um balão e dei a mim própria o benefício de cinco ou seis meses, em que fui a mil entrevistas. Tentei ir para consultora, porque achei que tinha perfil com alguma experiência para isso. Fazia o percurso todo e chegava à ultima entrevista e diziam-me sempre que gostavam imenso de mim, que era muito boa, mas que não me ia adaptar ali. Quando perguntava porquê, diziam-me que tinha um perfil muito empreendedor. Só pensava que não queria ouvir falar disso naquele momento.

Em março do ano a seguir, decidi dar-me ao luxo de parar e acabar com o meu balão. Dei umas aulas e fiz alguma consultoria, mas parei para arrumar as ideias.

Mas não desistiu e hoje usa o que aprendeu no seu novo projeto, a MySkinmix…
No final de 2014, peguei na ideia da MySkinmix, que já tinha algum tempo, desafiei uma aluna minha que tinha feito um projeto nas minhas aulas de cosmética, a Ana, e concorremos ao Lisbon Challenge. Sei que estes aceleradores, às vezes, são bons para nos obrigarem a pensar no projeto e a andar para a frente. Achei que para a Ana ia ser bom, que tinha menos experiência que eu. Foi no final de 2014 e era um acelerador de três meses, todos os dias de manhã à noite. Fizemos o Lisbon Challenge, que é o maior acelerador da Europa. Conseguimos entrar. Eram 49 grupos de apps e éramos conhecidas como as miúdas dos cremes. Fizemos o percurso todo e, no final, ganhámos o acelerador. Tínhamos feito uns protótipos e achei que a ideia era gira, mas ainda tinha muito medo de voltar a lançar-me no empreendedorismo e de voltar.

O que fez na Bioalvo que não voltou a fazer neste projeto?
Depois de fecharmos o Lisbon Challenge, tivemos imensos investidores interessados na empresa e disse logo que investidores de Venture Capital não quero e nem falei com eles. Aceitei falar com alguns business angels, um internacional e dois nacionais. Fizeram a exigência de só meterem o dinheiro se fosse eu a liderar o projeto. Mas eu tinha acabado de aceitar a liderança do BlueBio Alliance (rede nacional de valor dos recursos marinhos), pelo que não aceitei. Para já, nunca mais vou aceitar que um investidor me diga o que vou fazer. Depois, tinha acabado de aceitar aquele desafio. Disse-lhes que a MySkinmix era um projeto em que era investidora e a que ia dar todo o meu aporte, mas que não queria ser eu a liderar, porque estava desgastada de ser a cara e a vida de uma empresa e não estava preparada para isso.

Foi bom, porque nos forçou a pensar como dar a volta à MySkinmix, que não é biotech e não precisa de um milhão para andar para a frente. Reformulámos o conceito e o protótipo. No início do ano passado, dia 7 de janeiro de 2016, montámos a MySkinmix só com dinheiro dos 3 fundadores e decidimos passar um ano em bootstrapping. Disse-lhes: temos de vender o necessário para pagar o que precisamos, sem tirarmos salários, para comprar o material e para fazermos o produto. Andámos um ano a testar modelos e fizemos mais uma série de protótipos. Esse ano também me serviu para perceber que, se queria crescer depressa, ia precisar de investidores.

Estamos agora a voltar a falar com os investidores, mas com um mindset diferente, porque já investimos dinheiro e tempo, e temos vendas para mostrar. É um projeto completamente diferente, é um business to consumer. Começámos nacional, com o piloto aqui, mas já vendemos para fora de Portugal.

Qual o objetivo da MySkinmix?
A nossa ideia é tornar a MySkinmix uma plataforma do género da Farfetch e da Chic by Choice, mas para a cosmética personalizada, pelo que, para crescer depressa, precisamos de dinheiro nesta fase, porque o dinheiro que geramos dá para pagar as contas, mas pouco mais. Vamos falar com business angels, não com venture capital. Vamos fazer o percurso mais devagar. Vamos fazer uma primeira ronda até meio milhão de euros, para fazer toda a parte de boost. Já temos tudo montado, agora é só ter dinheiro para publicidade e campanhas de marketing digital e de promoção, e de algum dinheiro para fazer a produção em mais larga escala, para também baixar um bocadinho o custo de produção.

Temos uma parte da plataforma montada, já desenvolvemos dois algoritmos nossos neste ano. Um, que permite à pessoa formular e encomendar, já está online. O outro, o Myskin, que é um pouco mais detalhado, está desenvolvido e estamos a implementar em código. Este algoritmo é dos chamados algoritmos neuronais inteligentes. Permite que qualquer pessoa que vá ao site e não saiba o que precisa, à medida que vai respondendo a perguntas, o algoritmo vai percebendo do que gosta e o que faz, e vai indicando os produtos certos.

A Myskinmix é um conceito de cosmética a la carte, em que a pessoa cria o seu próprio produto em função do que gosta e do que precisa, e não paga mais ingredientes ativos do que os que precisa para os seus problemas, nem compra coisas com texturas e aromas de que não gosta. Começámos com rosto e, no ano passado, lançámos o corpo.

Há algum projeto mundial semelhante a este?
Não. Há projetos que têm linhas de produtos que podem adicionar um sérum ao produto, mas com aromas só fazemos nós e demorámos dois anos a formular, tudo 100% português. É tudo feito aqui no TEC LABS , com muitas reuniões com o Infarmed a dizer que era impossível e nunca iríamos conseguir fazer, mas somos teimosos. A Ana pré-incubou o projeto no meu gabinete no TEC LABS.

As feridas da Bioalvo ainda são dolorosas o suficiente, para saber que não consigo ainda estar sozinha à frente de um projeto. Já tenho 40 anos e não sou capaz agora de lançar-me de cabeça.

A Helena dá também aulas. Em que outros projetos está envolvida?
Tenho mais projetos, mas tenho uma atitude diferente. Tenho um projeto na área dos alojamentos locais chamado UAU Homes. Lançámos em novembro do ano passado, pelo que é muito recente. É uma marca detida por uma empresa que já tínhamos, com site, Facebook e já tem clientes e faz dinheiro.

É um projeto fácil de gerir. Adoro decoração, sempre disse que, se não fosse bióloga, era arquiteta, e tenho um parceiro que faz marketing digital a sério. O que a UAU faz, é procurar proprietários em zonas que não sejam top, no Algarve, em Troia, Ericeira, Meco, zonas turísticas, e a nossa proposta de valor é alugar as casas 12 meses por ano, a 90% da ocupação. Só trabalhamos com casas que sejam uau, como costumamos dizer. Se as casas não são uau, nós transformamo-las sem risco para o proprietário, nós é que pagamos a decoração. O rendimento dá para tirar a nossa comissão, descontar o dinheiro de decoração e pagar ao proprietário.

Qual o custo que poderá ter um turista no aluguer de uma casa destas?
Depende. Os preços mudam todos os dias, como parte da otimização do algoritmo do marketing digital. Tenho casas no Algarve que alugo a 250 euros por dia e outras a 400 euros por dia. Também sou capaz de alugar uma casa a 50 euros ao dia. O nosso objetivo é a rentabilidade anual.

E para o proprietário qual é a vantagem?
Só tem de nos entregar a chave e não tem de se chatear. É só ir recebendo o dinheiro ao fim do mês. As taxas variam. Há proprietários que só querem que façamos a produção do anúncio e a gestão dos calendários, o que tem uma taxa de 20 a 25%. Com os proprietários que querem que façamos tudo, como gestão da limpeza quando chegam e quando partem, gestão do calendário, anúncio, decoração, já tem uma taxa de 35%. Também fazemos intervenções arquitetónicas, mas só aceitamos duas por ano – este ano já aceitámos as duas – e aí são 40%, para recuperarmos o investimento.

Como carateriza os empreendedores mais novos com os quais se depara nas aulas?
É ótimo, é das coisas que mais gozo me dá de ver. São miúdos que, dentro da faculdade, já estão a desenvolver soft skills que eu tive de desenvolver fora. Gostava muito de ter saído daqui com a preparação com que eles saem. O nosso objetivo não é ter alunos a formar empresas, mas formar os alunos para o futuro atual, que não é igual ao que era há 10 anos atrás e, finalmente, as universidades estão a perceber isso. Eles têm de ser excelentes técnicos, mas a componente técnica só lhes garante 25% do seu futuro negócio. O empreendedorismo é uma forma de desenvolver muitas dessas competências. Proporcionar-lhes experiências de empreendedorismo imersivas na universidade fá-los criar isso, desperta o bichinho.

Acha que daqui a 5 anos vai continuar com estes projetos?
Acho que aulas vou sempre dar, enquanto acharem que a minha competência é interessante para os alunos. Se vou estar a fazê-lo de forma 100% intensiva acho que não, que a tendência vai ser para não o fazer. A UAU Homes é a minha reforma, como costumo dizer, o meu objetivo com ela é só um: não tenho dinheiro para comprar casas, mas, se fizer este negócio durante algum tempo, consigo mais depressa dar entradas para comprar casas que, depois, possa rentabilizar. É uma visão um pouco egoísta, mas é a minha reforma.

A Skinmix é um projeto muito giro que gostava muito que funcionasse, para provar que consigo fazê-lo e que nem só de hightech vive o empreendedorismo. A Skinmix tem muito tech, mas as pessoas é que não percebem como não é biotech, embora tenha muitas fórmulas de biologia marinha. Gostava muito que funcionasse. O nosso objetivo é mudar radicalmente a forma como a indústria cosmética funciona hoje e isto é motivo para ser um grande sucesso ou um grande falhanço, mas já não me assusta.

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