Opinião

Sim, tenho plena noção que o título deste artigo é desde logo um erro crasso para a maioria das pessoas que o lê. Tampouco estou preocupado com mudança de mentalidades pois sei que cada um é como é e tem o direito de pensar como quiser.

Apenas achei interessante partilhar um pouco da experiência que tenho tido ao longo dos anos e deixar ao critério de cada um concordar ou não com estas palavras.

Recordo-me de começar a carreira e ter sempre incutida em mim a noção que o cliente tem sempre razão. E não falo apenas do cliente da loja que reclama com os funcionários. Falo dos clientes em geral, essa classe que, para quem como eu deles depende, governa a nossa vida profissional e, indiretamente, determina também muitos aspetos da nossa vida pessoal. Adiante.

Pois então o cliente tem sempre razão. Não demorou muito a perceber que não era possível usar de literalidade para entender o total alcance dessa frase. Isto porque o cliente não tem sempre razão. Aliás, muitas vezes tem mesmo muito pouca ou nenhuma razão, mas como neste país todos somos médicos e advogados, vá-se lá dizer a quem quer que seja que sabemos melhor que eles só porque tivemos a ousadia de fazer formação específica numa determinada área e, quiçá até, nos tenhamos tornado especialistas na mesma. É um pouco como ir ao médico e dizermos nós que doenças temos e que medicamentos queremos. Típico, sim, mas errado.

Evoluindo então do sentido literal, demonstrada que está a realidade evidente que os clientes não têm sempre razão, avancei no sentido de essa alegada razão ser relacionada com o tratamento que os clientes merecem da parte de quem lhes presta um serviço. O cliente é o foco da nossa atividade e portanto deve estar no centro das nossas preocupações diárias, assistindo-lhe em termos de razão o direito a ser tratado de forma correta e profissional. Foi neste ponto que recebi nova lição.

Disseram-me então em tempos que esta visão estava correta, mas necessitando de ir um passo mais além, como se de subserviência se tratasse. O cliente dizia, nós fazíamos. O cliente mandava, nós saltávamos. O cliente ligava no fim de semana, nós lamentávamos não ter resolvido o problema durante a semana e tê-lo obrigado a perder o seu tempo de descanso familiar para trabalhar. Tudo muito american style, muito internacional. Tudo muito errado outra vez. Pelo menos parecia errado na maioria dos casos, naqueles em que o cliente conseguia complementar a sua posição de supremacia com dotes de arrogância que me faziam repensar até que ponto valia a pena ter determinados clientes.

E aí tudo mudou. Mudei de vida e tornei-me…. cliente. Vi debaixo da saia, do outro lado do espelho, percebi, tal qual Alice, o novo país de maravilhas em que tinha entrado. E acima de tudo percebi que, sendo eu o cliente, quem me apoiava fazia tudo aquilo que acima descrevi. Confesso que odiei. Duvido que alguém hoje em dia possa dizer que eu fui um mau cliente. Mas o maior mérito de ser cliente foi perceber que esta engrenagem tinha de ser quebrada. Como dizia a minha amiga Daenerys, era preciso partir a roda, e rapidamente.

Quando a vida deu mais uma volta, e decidi deixar novamente de ser cliente, já nada era igual. Os pressupostos e ensinamentos sim, esses continuam lá mais firmes do que estátuas na Ilha da Páscoa. Mas a nova geração ensinou-me algo importante, a capacidade de, para além de evitar os problemas referidos antes, saber dizer não. Saber respeitar os meus tempos, saber entender que o trabalho de qualidade não se apressa, saber acima de tudo que uma reputação demora tempo a construir e um segundo a cair por terra. E por isso, para além de tudo que já tinha aprendido, aprendi a dizer que não aos clientes.

Não faço algumas coisas porque não concordo e não me revejo. Não vou por determinados caminhos pois a minha experiência determina que as opções devam ser outras que, em minha opinião (e sim, aceito ser convencido do contrário), serão melhores para o cliente. Não atendo um telefonema “urgente” em momentos familiares. Seguramente que ninguém está a morrer na minha área de trabalho e poderá esperar um pouco. São estes nãos que aprendi com os anos a dizer.

E ainda hoje me lembro de quando tudo para mim fez sentido. Numa entrevista de emprego que tive, onde já estava tudo acertado, e o entrevistador me perguntou o papel do advogado. Eu inocente disse que éramos conciliadores de interesses. Ele respondeu que defendemos os clientes até ao limite, que a razão era irrelevante, e que o perfil que eu tinha não era o certo. Ainda bem que isso aconteceu! Acabei por ir pela estrada menos viajada…

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Nuno Madeira Rodrigues

Nuno Madeira Rodrigues

Nuno Madeira Rodrigues é atualmente coordenador do Departamento de Direito Imobiliário na Pinto Ribeiro Advogados. Anteriormente, foi Country Manager PT Arnold Investments, Chairman da BDJ S.A, Chairman da Lusitano SAD, Administrador do Grupo HBD e Presidente do Conselho de Administração da Lusitano, SAD, e do Conselho Fiscal da Associação Lusófona para as Energias Renováveis. É ainda Vice-Presidente do Conselho Fiscal da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários, Membro do Conselho Consultivo da Plataforma Sustentar e Presidente da Direção da... Ler Mais..

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