Opinião

Diz-me o teu número dir-te-ei quem és

Pedro Alvito, professor de Política de Empresa da AESE Business School

Chamo-me Pedro, é uma realidade, mas, infelizmente, e cada vez menos, não é por esse nome que sou conhecido. O pior é que não é só comigo que isso acontece. Todos estamos a ser vítimas desta situação, até o Papa acreditem!

Fui a uma consulta com o meu médico de família e tirei uma senha com um número. A primeira pergunta que ele me fez foi “Qual o seu número de utente?”, no final enviou-me as receitas para o meu número, mas de telemóvel. Fui à farmácia que ficava logo ali no número 23 e pediram-me o meu número de contribuinte para a fatura (que tinha um número) e acabei o dia a pagar a Segurança Social através, imaginem de quê? – do meu número. Neste mundo em que tanto se fala de inclusão é caso para dizer “todos diferentes, todos iguais”, ou seja, todos me representam a mim.

O meu carro também tem números na matrícula, um número de série, o número de motor e a minha carta tem … um número. A fatura do mecânico tem um número e a conta, no final, essa tem dois números, o total e o IVA.

Fui ao restaurante e fiquei na mesa 5 e pedi para comer os pratos 3, 7 e 42. Como éramos duas pessoas o empregado recomendou pedirmos 2 do número 7. Aceitei a sugestão. À noite em casa liguei a televisão e fiquei a ver um programa desportivo no canal 1 em que os jogadores tinham todos números nas costas. O número 7 marcou dois golos e no final o resultado foi de 3 a 1.

No dia seguinte, fui visitar uma pessoa amiga no hospital que estava no sétimo piso onde ninguém sabia quem era o João, mas todos sabiam onde ficava o quarto 32, cama 3.

O que mais impressão me faz é que quando morremos pregam-nos no caixão, à entrada do cemitério, uma placa sabem com quê – pois é, um número.

Mas não termina aqui. Para ir para o céu temos que ter cumprido os dez mandamentos e se formos para o inferno o anticristo tem o número 666. Até o Papa é Leão XIV! Os apóstolos eram doze, temos um primeiro-ministro (curiosamente não temos um segundo), existem as primeiras-damas (os outros números não comento), todos os meios de transporte têm números, os presos têm números e acreditem que os nossos deputados passam a vida a fazer verdadeiros números.

Depois de tantos números provavelmente já se esqueceram do meu nome. Será que importa? Provavelmente já é o terceiro artigo que leem hoje.  O mesmo acontece nas nossas empresas. O cliente tem um número, o fornecedor também e o empregado tem outro. Reduzimos a vida a números, esquecemos os nomes e evitamos as relações. Os números são frios e distantes, os nomes implicam proximidade e relação. Preocupamo-nos com isso? Aproveitem para pensar que eu tenho que ir, porque chamaram o meu número.


Pedro Alvito é, desde 2017, professor na AESE, onde leciona na área de Política de Empresa, tendo dado aulas também na ASM – Angola School of Management. Autor de duas dezenas de case-studies publicados pela AESE e de dois livros publicados pela Editora Almedina – “Manual de como construir o futuro nas empresas familiares” e “Um mundo à nossa espera, manual de globalização”. Escreve regularmente em vários órgãos de comunicação social especializada. Desde 2023 é presidente do Conselho de Família e da Assembleia Familiar do grupo Portugália e membro do Conselho Consultivo da GWIKER.

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