Opinião
Desafios do envelhecimento da força de trabalho
Há alguns meses, encontrei o amigo Carlos (o nome pode ser real ou fictício), passeando os seus bebés gémeos e questionei-o, em tom irónico, se o crescimento da família teria sido devido ao aumento da produtividade (2 em vez de 1), pois sendo ele um profissional da área da consultoria, certamente faz recomendações sobre aumentar a produtividade nas empresas.
A sua resposta, em tom irónico, revelou que não era resultado da produtividade, mas sim da inflação. Na verdade, estávamos ainda com o fenómeno económico de inflação elevada. O envelhecimento da população é um problema que a humanidade tem à porta. Para alguns países é um problema potencial e que pode ser revertido, mas infelizmente para outros serão precisas medidas extraordinárias para reverter tal situação.
Nos Estados Unidos e no pós-pandemia, a força de trabalho tem estado a aumentar como resultado de duas grandes fontes: a imigração e a recuperação da força de trabalho. Tal é, especialmente, verdade para as mulheres que têm participado no mercado de trabalho a taxas recorde ou quase. No entanto, a sustentabilidade desse aumento é questionável. Com o envelhecimento da população e a possibilidade dos trabalhadores mais velhos trabalharem menos, alguns analistas preveem que o número global de trabalhadores poderá permanecer estável ou até diminuir com o tempo.
No Japão, cujo problema populacional é crónico e tem reflexo no mercado de trabalho, as mulheres japonesas estão a entrar em massa no mercado de trabalho graças às politicas públicas do Governo em tornar o ambiente laboral mais amigo das mulheres (infraestruturas sociais e educativas). Curiosamente, a taxa de participação feminina no mercado laboral no Japão (83%) ultrapassou já os EUA (74%) (Fonte: OCDE).
Podemos estar com um fenómeno curioso de transformação sócio-laboral no Japão, parafraseando o economista Paul Sheard: as mulheres ao entrarem no mercado de trabalho adiam a constituição da família e reduzem a taxa de natalidade. Mitiga-se o problema no curto prazo, mas no longo prazo agrava-se pois o envelhecimento não pára.
Dados estatísticos
Realmente as taxas de natalidade estão abaixo do necessário para renovar as gerações que é 2,1 nascimentos por mulher; temos 0,72 na Correia, 1,26 no Japão, 1,49 no Reino Unido e 1,53 na UE. As taxas de fertilidade passaram de 5 nascimentos por mulher para 2,3 em 2021. Segundo a revista The Lancet, houve 129 milhões de nascidos vivos em todo o mundo em 2021, o que representa um declínio em relação ao pico de 142 milhões em 2016.
Em 2050 espera-se (Fonte: Our World in Data) que este rácio caia para 2,1 nascimentos por mulher. Na Europa, estimativas apontam para que a população diminua dos 748 milhões, em 2020, para 719 milhões, em 2050 (Fonte: Eurostat). Para a citada revist The Lancet, até ao ano de 2100, 97% dos países não terão taxas de fertilidade altas o suficiente para manter o número de habitantes. Apenas Chade, Níger, Samoa, Somália, Tajiquistão e Tonga conseguirão.
Implicações económicas
O envelhecimento da população traz problemas pelo menos a dois níveis; ao nível da sustentabilidade dos regimes de segurança social e ao nível da manutenção de uma força de trabalho capaz de manter o crescimento económico (que por sua vez alimenta as receitas da segurança social). Na Alemanha já é evidente que o envelhecimento e escassez de mão de obra é uma das razões para o declínio do crescimento da economia. Ao nível micro, as empresas enfrentarão dificuldades para contratar trabalhadores em número suficiente para produzir bens e serviços. As consequências incluem possíveis aumentos de impostos para financiar gastos com uma população envelhecida, elevação da idade de reforma e redução do rendimento real dos fundos de segurança social e o aumento de casos de doenças relacionadas com a idade avançada.
No Reino Unido, segundo estatísticas oficiais, enquanto o número de trabalhadores passou de 43 para 44 milhões, o número de pensionistas passou de 12 para 17 milhões, aumentando o rácio pensionista/trabalhador de 0,28 para 0,39 %. Com o aumento da longevidade, fruto do progresso científico e do bem-estar, as pessoas deveriam começar a pensar em aumentar a poupança para a reforma.
Soluções propostas
Andrew J. Scott, professor de economia na London Business School, defende que buscar soluções para mitigar o envelhecimento da população é uma das questões definidoras do século XXI. Ele insta os Governos a fazerem uma transição para uma “economia perene”, baseada na canalização do fenómeno do envelhecimento da população, para impulsionar o crescimento inclusivo. Na realidade, é a aplicação do princípio de transformar as ameaças em oportunidades. As medidas propostas pelo autor incluem:
Economia perene: adaptação da economia para aproveitar as oportunidades geradas pelo envelhecimento.
Trabalho flexível: implementação de modelos de trabalho que permitam aos idosos permanecerem ativos e produtivos.
Combate ao preconceito de idade: eliminação de barreiras à reintegração profissional de pessoas mais idosas como forma de as manter empregados e produtivas.
Scott afirma que “a forma como cuidamos da nossa saúde, das nossas finanças, das nossas competências e dos nossos relacionamentos tornou-se crucial porque os dados sugerem que agora provavelmente ficaremos muito velhos, e isso nunca foi o caso antes”. O autor também não defende o aumento da idade de reforma porque, segundo ele, as pessoas não vão para a reforma porque já tem recursos suficientes, mas sim por necessidade. Muitos reformam-se porque estão doentes ou porque têm necessidade de cuidar de um familiar dependente.
Quanto à situação familiar do Carlos, para mim ele terá contribuído para a mitigação do problema com o aumento da sua produtividade familiar. E para evitar problemas no futuro, devemos cuidar das finanças, da saúde, das competências e dos relacionamentos.
Referências:
Our World in Data
Eurostat
Office for National Statistics
https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(24)00550-6/fulltext