Entrevista/ “Demonstramos como a economia circular é mais do que uma ideia bonita: é uma estratégia com impacto real”

Carlos Oliveira, CEO da HygiCo e Jorge Pinto, CEO da Skypro
Crédito: Tiago Petinga / Lusa

“Este projeto prova que quando empresas com competências distintas, mas valores partilhados, se juntam, o resultado é muito mais forte”. A afirmação é de Jorge Pinto, CEO da Skypro, a propósito do programa Reuse & Repair implementado em conjunto com Carlos Oliveira, CEO da HygiCo. Em entrevista, os dois CEO explicam os objetivos da parceria que os une.

“Esta parceria surge de forma natural, entre duas empresas que se apoiam, cada uma à sua maneira, em inovação, em qualidade e com uma forte determinação de promover a sustentabilidade”, explica Carlos Oliveira, o CEO da HygiCo, que há pouco mais de um ano estabeleceu uma parceria empresarial com a Skypro, de Jorge Pinto. O Reuse & Repair, um programa que duplica o ciclo de vida do vestuário profissional e promove a sua reutilização, foi apenas o primeiro passo de uma colaboração que querem aprofundar e ampliar, porque acreditam que há espaço para desenvolver soluções conjuntas não só na reutilização de uniformes, mas também noutros domínios ligados à sustentabilidade, à logística e à inovação em serviços.

Nesta entrevista ao Link to Leaders, os dois executivos frisam que “procurar parcerias estratégicas não é apenas “a união faz a força”, é também a forma mais inteligente de acelerar inovação, reduzir desperdício e gerar valor económico e ambiental”.

O que motivou a HygiCo e a Skypro a juntarem sinergias para criar o programa Reuse & Repair? Em que consiste exatamente esse projeto?

Carlos Oliveira (C.O.): Esta aliança surge de forma natural, entre duas empresas que se apoiam nos mesmos vetores, cada uma à sua maneira: inovação, qualidade e sustentabilidade. O projeto nasce da iniciativa da Skypro e do desafio que o Jorge Pinto e a sua equipa nos lançaram. Como prolongar a vida útil dos têxteis que a Skypro já produz para companhias aéreas e outras grandes empresas de todo o mundo? A Skypro é uma referência na produção, manutenção e gestão logística de fardamentos.

Jorge Pinto (J.P.): Este é o impacto real de uma inovação que alia tecnologia, visão estratégica partilhada e economia circular. Na Skypro priorizamos materiais de elevada durabilidade, essenciais para garantir a sustentabilidade dos nossos produtos. Na seleção de fibras e construções têxteis, na utilização de fios resistentes que prolongam o ciclo de vida útil dos uniformes. A HygiCo complementa este nosso esforço, garantindo a higienização e manutenção da qualidade dos uniformes, com um serviço altamente especializado.

C.O.: Sim. Nós especializamo-nos na higienização de fardamentos para as áreas mais exigentes — farmacêutica, alimentar, biotecnológica — sempre também com esta preocupação de garantir a durabilidade dos têxteis.

J.P.: Neste caso, falamos de peças de grande complexidade, que exigem cuidados de manutenção e reparação muito específicos. Mas creio que o desafio é genericamente o mesmo que se coloca a toda a indústria têxtil, que é hoje uma das mais poluentes em todo o mundo.

C.O.: Do ponto de vista prático, este programa consiste em recondicionar uma peça têxtil com um grau de qualidade suficiente para se tornar praticamente impossível distingui-la de uma peça nova. Foi isso que conseguimos.

O método que criaram aumenta a circularidade dos têxteis, reduz em 60% os custos e diminui em 90% a pegada carbónica. Como é que as empresas receberam esta proposta inovadora? E quais as empresas que aderiram ao vosso desafio Reuse & Repair?

J.P.: A resposta tem sido muito positiva. O programa já está a ser aplicado pela Sata e pela SmartLynx. Foi com base no trabalho desenvolvido com essas duas companhias aéreas, ao longo do último ano, que chegámos aos resultados de que agora estamos a falar. Posso dizer que há neste momento outras companhias interessadas e estamos muito perto de o poder anunciar. O objectivo, a prazo, é que toda a nossa carteira actual e futura de clientes adira a este programa.

Quais podem ser na prática as vantagens financeiras e ambientais da reutilização que o programa preconiza?

J.P.: Do ponto de vista financeiro, falamos de poupanças de até 60%. Dependerá da peça, mas será sempre significativo. Do ponto de vista ambiental, posso ilustrar com um caso prático. Fabricar um blazer de um piloto de aviação produz cerca de 24 quilogramas (kg) de dióxido de carbono equivalente (CO2eq). Em contrapartida, o processo de reutilização não gera mais que 1,5 kg de CO2 eq. Se imaginarmos que em 5.000 blazers é possível reutilizar 1.750 — esse foi o mínimo estimado nos testes que realizámos — isto significa uma redução da pegada carbónica equivalente a mil árvores. Ou seja, a redução de emissões que conseguimos equivale ao trabalho de regeneração feito por mil árvores ao longo de um ano.

C.O.: É bom quando os números falam por si. Isto demonstra uma ideia essencial para a sustentabilidade e o futuro de toda a indústria têxtil.

J.P.: Isto não são estimativas vagas. São resultados práticos medidos e calculados com o maior rigor que conseguimos.

C.O.: É preciso pensar em reutilizar antes de reciclar. Durante anos, a palavra reciclagem dominou as conversas sobre sustentabilidade. Mas à medida que a urgência ambiental se intensifica, começamos a perceber que a reciclagem não é suficiente. Especialmente quando se trata de uniformes. Porque a reciclagem decompõe as coisas para recomeçar, e com isso ainda consome energia, água e recursos. A reutilização, por outro lado, preserva o valor. Ela estende o ciclo de vida dos produtos, requer um mínimo de imput adicional e oferece um impacto imediato. Ambiental e financeiro.

Hoje sabemos que teremos uma nova pandemia — não é questão de se, mas de quando — e tudo se resume a estar preparado”.

Numa altura em que se fala tanto de economia circular, que impacto esperam conseguir ter no setor empresarial nacional e na sociedade?

J.P.: Acredito que demonstramos como a economia circular é mais do que uma ideia bonita: é uma estratégia com impacto real. A minha expetativa é que este programa também ajude a perceber isso. Nós fazemos isto não apenas porque é a coisa certa a fazer — que é —, mas também porque é o caminho lógico para uma melhor gestão de recursos e para melhores resultados económicos. Há aqui, se quiser, também um contributo para tentar educar o mercado.

C.O.: Por vezes é preciso esse esforço de fazer pedagogia no mercado. Na verdade, isso está no centro de toda a atividade que a HygiCo desenvolveu nos últimos cinco anos. Tentar educar o mercado para a necessidade imperativa de uma higienização profissional do vestuário profissional, sobretudo em áreas sensíveis como a saúde e a indústria alimentar. Hoje sabemos que teremos uma nova pandemia — não é questão de se, mas de quando — e tudo se resume a estar preparado. Da mesma forma, sabemos hoje que o ritmo a que acumulamos desperdício têxtil é insuportável para o ambiente e para nós próprios. E tudo se resume a encontrar rapidamente soluções para reverter isso.

Sendo a Skypro especializada em uniformes e calçado e a HygiCo em higienização de vestuário profissional, cada uma com o seu trajeto e papel empresarial, o que as aproxima e as separa?

C.O.: Diria que tudo nos aproxima, nada nos separa. Embora aplicado a diferentes atividades, acredito que o drive das duas empresas é exatamente o mesmo: inovação, qualidade e sustentabilidade.

J.P.: Somos complementares por isso. Cobrimos diferentes áreas de um mesmo setor, mas com uma filosofia partilhada sobre o que mais importa.

O que é que cada uma das empresas, com o seu know how e experiência, trouxe de melhor para este programa em particular?

C.O.: Este é um programa criado pela Skypro a pensar nos seus clientes. Portanto, a Skypro trouxe, desde logo, o essencial: uma ideia com as portas escancaradas para o mundo e o acesso a uma carteira de clientes de grande dimensão. A Skypro é uma referência internacional na produção e manutenção logística de fardamentos. Mais de 100 mil pessoas em todo o mundo vestem fardas com a sua assinatura. Acho que está tudo dito.

J.P.: A HygiCo acrescentou a este programa aquilo que sabe fazer melhor: garantir a durabilidade e a qualidade dos têxteis através de processos de higienização altamente especializados. A sua experiência em setores tão críticos como a saúde, a indústria alimentar ou a biotecnologia deu-nos a confiança de que seria possível recondicionar peças complexas sem comprometer a sua performance. Esse know-how técnico foi fundamental para transformar a nossa visão em prática, assegurando que o Reuse & Repair não é apenas uma boa ideia, mas sim uma solução eficaz, sustentável e com resultados mensuráveis.

As sinergias/parcerias empresariais centradas em projetos como aquele a que a Skypro e a HygiCo deram vida, pode ser uma estratégia a seguir pelo ecossistema empresarial nacional, fazendo jus à máxima “a união faz a força” ?

C.O.: Creio que o que nos aproximou foi mais uma visão partilhada e menos uma geografia comum. A Skypro é das melhores empresas do mundo no que faz. E a nós interessa sobretudo isso: trabalhar com os melhores e ser dos melhores no que fazemos. Dito isto, sim, acho que este programa pode e deve ser um exemplo. Procurarmos complementaridades e sinergias para chegarmos mais longe, mais depressa.

J.P.: Sem dúvida. Este projeto prova que quando empresas com competências distintas, mas valores partilhados, se juntam, o resultado é muito mais forte. A HygiCo trouxe um know-how único na área da higienização e recondicionamento, que complementa na perfeição a experiência da Skypro em design, produção e gestão de uniformes. Juntos, conseguimos criar uma solução inovadora com impacto real para o mercado. Procurar parcerias estratégicas não é apenas “a união faz a força”, é também a forma mais inteligente de acelerar inovação, reduzir desperdício e gerar valor económico e ambiental.

“(…) estamos a explorar o potencial da inteligência artificial para acelerar processos criativos, nomeadamente na fase inicial de prototipagem de uniformes”.

De que forma a tecnologia pode contribuir para o sucesso deste tipo de iniciativas?

J.P.: A tecnologia é um pilar essencial. Por exemplo, na Skypro trabalhamos em estreita colaboração com a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, envolvendo estudantes de doutoramento em projetos de  investigação de novas soluções de tracing dos uniformes, para saber os momentos ótimos de fim de vida de cada peça. Deste modo, maximizamos a sua durabilidade.

Paralelamente, estamos a explorar o potencial da inteligência artificial para acelerar processos criativos, nomeadamente na fase inicial de prototipagem de uniformes. É esta convergência entre ciência, digitalização e inovação nos materiais que transforma a economia circular numa prática efetiva e de impacto. Estamos a trabalhar todos os passos, com dados medidos, para saber como estamos a reduzir a pegada de carbono. A nossa e a dos nossos clientes.

C.O.: Damos prioridade ao conhecimento, não apenas à tecnologia. Desenvolvemos programas de higienização e processos específicos adequados às necessidades de cada cliente. Operamos em ambiente controlado, evitando assim a contaminação cruzada e garantindo os níveis de controlo microbiológico exigido para cada caso. Utilizamos máquinas cada vez mais evoluídas, que nos permitem um controlo preciso de ação química, mecânica e térmica no processo de higienização; e eventualmente IA, para processar grandes quantidades de informação e acelerar a melhoria do serviço. Mas o essencial é a investigação contínua, a experiência e o estudo das necessidades setoriais e dos quadros regulatórios, felizmente cada vez mais exigentes.

No futuro, a Skypro e a HygiCo planeiam mais alguma parceria estratégica no domínio empresarial?

C.O.: É apenas o começo, numa relação que já tem mais de um ano. Mas estamos sintonizados e focados no propósito de estender o programa Reuse ao universo dos clientes da Skypro e da HygiCo. E acredito que isso poderá conduzir à aceleração de um processo de internacionalização da HygiCo  — que irá acontecer —, aproveitando a boleia da projeção internacional da Skypro.

J.P.: Sim, esta parceria tem ainda muito caminho pela frente. O Reuse & Repair é apenas o primeiro passo de uma colaboração que queremos aprofundar e ampliar. Acreditamos que há espaço para desenvolver soluções conjuntas não só na reutilização de uniformes, mas também noutros domínios ligados à sustentabilidade, à logística e à inovação em serviços. O nosso objetivo é continuar a construir, lado a lado com a HygiCo, um portefólio de soluções que tragam valor acrescentado para os clientes e que reforcem o papel de Portugal como referência em economia circular aplicada ao têxtil.

C.O.: De volta ao início desta conversa: esta parceria surge de forma natural, entre duas empresas que se apoiam, cada uma à sua maneira, em inovação, em qualidade e com uma forte determinação de promover a sustentabilidade. O futuro já começou.

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