Opinião

Dados, ética e responsabilidade no empreendedorismo

Isabel Neves e Isabel Moço, diretoras da Pós-Graduação em “Empreendedorismo e Inovação” da Universidade Europeia

Duas linhas convergentes de mudança marcam a vida dos negócios – se são incontornáveis, acelerados e determinantes os avanços da tecnologia, ganha cada vez mais terreno a pressão para cumprir critérios ambientais, sociais e de governação (ESG).

Neste contexto, torna-se imprescindível que o empreendedor domine (no que o empreendimento requeira, naturalmente, porque as necessidades de um empreendimento tech são diferentes de um empreendimento pecuário) dois eixos críticos e muitas vezes subvalorizados: a capacidade de utilizar dados para decisões estratégicas e a consciência ética aplicada aos negócios.

Temos a felicidade – dizemos nós – de viver inundados de dados e de os estarmos permanentemente a produzir. Assim, será um rasgo de inteligência, utilizá-los. Mas para isso é necessário saber. Nunca foi tão fácil aceder a volumes massivos de informação sobre comportamento do consumidor, tendências de mercado, players, concorrentes, fluxos financeiros ou ter a disponibilidade de plataformas digitais. No entanto, para a esmagadora maioria dos micro e pequenos empreendedores, essa abundância ainda não se traduz em poder efetivo de decisão. Segundo um estudo da McKinsey (2022), menos de 30% das pequenas empresas recorrem a analítica de forma sistemática, nomeadamente para suportar as suas decisões. Falta de conhecimento, de competências, de tempo, ferramentas, ou tudo junto?

Temos a felicidade – dizemos nós – de viver no tempo de proliferação da inteligência artificial e das ferramentas low-code/no-code. Estas tecnologias estão a democratizar o acesso à análise de dados e à automação de processos, permitindo a possibilidade de gerar e aprofundar ideias, testar hipóteses de negócio, ou simular cenários de pricing com base em dados reais, mesmo sem conhecimentos avançados de programação.

Mas não basta usar os dados e saber gerar outputs, sendo necessário saber interpretar, cruzar e questionar os próprios dados, resolver problemas com criatividade e sentido crítico, e será neste domínio de competências – híbridas se quisermos usar esta terminologia, que se manifestarão as diferenças que resultarão na diferença entre o empreendedor e o empreendedor bem-sucedido.

Até aqui focámo-nos na eficiência e eficácia do empreendimento e isso é determinante, mas não basta que os negócios sejam racionais e tecnologicamente providos – é necessário que sejam também eticamente responsáveis. A congruência, honestidade, integridade e responsabilidade social, apresentam-se, cada vez mais, no mercado, como exigências de vários players, solicitando que os empreendedores tenham um posicionamento claro em relação a práticas de sustentabilidade, equidade e transparência. As novas gerações tendem a preferir marcas que assumem uma postura ética e comprometida com causas sociais, mesmo que isso implique pagar mais.

Contudo, o discurso ético não pode ser um mero exercício de marketing, porque “os pés de barro são muito falíveis e quebram com facilidade”. A ética empreendedora deve começar nas decisões mais básicas: Por que valores nos guiamos? De que princípios não abdicamos? Como desejamos que nos vejam? Como se define o preço justo? Como se gerem os resíduos produzidos? Como se garante que os trabalhadores envolvidos no processo têm condições dignas? Como se evitam práticas de greenwashing? Se este referencial estiver claro desde o início do empreendimento, será muito mais direto e claro o propósito que move o empreendedor e o negócio.

Nesta lógica, de sucesso com bases sólidas, onde cabe o “decrescimento empreendedor”? Referimo-nos a uma perspetiva que considera que o sucesso não se meça exclusivamente pelo crescimento exponencial, mas sim pela capacidade de criar valor sustentável, com impacto positivo no bem-estar humano e ambiental. É uma leitura diferente, polémica e inversa ao paradigma dominante, mas que parece ganhar tração em períodos mais complexos (como que vivemos atualmente no que respeita às crises climáticas, escassez de recursos ou fadiga coletiva – como exemplo, o movimento contra o turismo massivo). Casos como o da Patagónia, que recusa crescimento a todo o custo e reinveste os lucros em causas ambientais, são exemplos e referências.

A ética empreendedora não é incompatível com o lucro e é, cada vez mais, um fator de diferenciação e confiança. Para isso, é essencial que os empreendedores integrem a ética como parte da estratégia e não como “obrigação”. Ferramentas como os “B Impact Assessments”, os relatórios ESG e os princípios da Economia Donut de Kate Raworth, podem ser apoios para consolidar esta postura.

Cruzar dados com valores, decisões com consciência e inovação com responsabilidade, resulta num perfil de empreendedor contemporâneo mais maduro, consciente, informado e comprometido. Alguém que compreende que a tecnologia é uma ferramenta, mas que o propósito é a verdadeira essência.

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