Entrevista/ “Da mesma maneira que os jovens têm de emigrar de Portugal, assim se passa com os empreendedores”

António Malheiro-Reymão, cofundador da L´Otra Mediterranean Food

Especialista em alimentação alternativa, feita à base de proteínas vegetais, a L´Otra Mediterranean Food é uma marca portuguesa que optou por se lançar no mercado espanhol. António Malheiro-Reymão, cofundador, fala do seu projeto e das metas que quer concretizar.

Criar impacto na forma como as pessoas se alimentam, através do desenvolvimento de alternativas à carne à base de vegetais (plant-based), foi o ponto de partida da L´Otra Mediterranean Food, uma empresa de ADN português, mas que optou pelo mercado espanhol para tentar a sua sorte. Assume-se como uma empresa vocacionada para “cuidar da saúde do planeta e de todos”, por enquanto presente no canal Horeca, mas com ambições de entrar no Retail e de conquistar o mercado ibérico de 55 milhões de pessoas. Fundada apenas por capitais próprios, a L’Otra está a ponderar recorrer a investidores que, como frisa  Malheiro-Reymão, “nos permitam ter o músculo financeiro para aproveitar as oportunidades que temos”.

Como é que este projeto nasceu?
Da vontade de ter um impacto positivo, algo mais do que ser apenas mais um negócio; acreditar em “Business as a force for good”. Sou o tipo de pessoa que se preocupa com os 3R, sobretudo o reduzir, mas também o reciclar, assim como com a composição nutricional dos produtos. Por isso criámos uma empresa para “cuidar da saúde do planeta e de todos”. O Manuel Figueiredo, que já tinha estado na Snock, juntou-se a este projeto desde o início.

“(…) necessitamos de recorrer a investidores que nos permita ter o músculo financeiro (…)”.

Teve a participação de investidores para o arranque do projeto ou foram capitais próprios?
Até agora só capitais próprios, mas necessitamos de recorrer a investidores que nos permitam ter o músculo financeiro para aproveitar as oportunidades que temos.

Qual o seu percurso profissional anterior?
Comecei por trabalhar na Pepsico/Sumolis, mas rapidamente passei a empreendedor como cofundador da Pacsis Marketing Services, joint-venture com a empresa holandesa VNU (dona da ACNielsen e da Yellow Pages), na Claritas Precision Marketing, e empresas norte-americanas como a Draft Worldwide (pertencente à WPP) e a Acxiom Corporation e, mais tarde, adquirindo a Snock Sanduiches vendida à GL Institucional.

“Os produtos L´Otra permitem fazer os “pratos de sempre” apenas com a diferença de utilizarem proteína vegetal em vez de proteína animal”.

O conceito da L´Otra são pratos à base de proteínas vegetais. Como está a ser a recetividade dos consumidores às vossas propostas alternativas à carne?
Começámos pelo canal Horeca que tradicionalmente é conservador e dos últimos setores a aderir a inovações. O consumidor está mais dependente deste tipo de produtos razão pela qual queremos entrar no Retail. As pessoas quando provam ficam muito surpreendidas pela positiva, e a dificuldade é de facto entrar nas ementas dos restaurantes e nestas não ficar como um produto vegan. Os produtos L´Otra permitem fazer os “pratos de sempre” apenas com a diferença de utilizarem proteína vegetal em vez de proteína animal.

Existem setores como as empresas de Food Service Catering que gerem refeitórios de instituições de ensino, hospitais, grandes empresas… e as cadeias hoteleiras, muito focadas em ter os certificados de sustentabilidade para os quais a transição energética, circularidade e transição proteica são fundamentais, pelo que o interesse pela nossa oferta plant-based é maior.

Que desafios se têm colocado no vosso percurso, face à especificidade da vossa proposta?
Como dizia o Miguel, um amigo catalão, “as pessoas são como os pinguins, ninguém se atira até o primeiro se atirar…e logo vão todos”. A grande dificuldade é encontrar clientes que queiram apostar em ter uma posição de inovação e liderança e apostar no que muitos pensam e dizem que “é o futuro”, mas depois ficam à espera de que outros tomem a iniciativa.

“Da mesma maneira que os jovens têm de emigrar de Portugal, assim se passa com os empreendedores”.

Porquê o lançamento no mercado espanhol?
É um mercado claramente maior onde tenho vindo a trabalhar deste 2012. É o mesmo esforço lançar em Portugal para um mercado de 10 milhões que em Espanha para o mercado ibérico de 55 milhões. A dificuldade de registar-se como fornecedor em Espanha implica ter uma empresa local. Para além disso, tudo é mais taxado em Portugal. Por exemplo, o IVA dos produtos L´Otra Portugal é de  23% , em Espanha é 10% . Da mesma maneira que os jovens têm de emigrar de Portugal, assim se passa com os empreendedores.

Atualmente, onde podemos encontrar os produtos L´Otra?
Apenas no canal Horeca, mas estamos em alguns clientes mais conhecidos como o Praia no Parque ou o Palahpita, em Cascais, restaurantes que estão com a L’Otra desde o início, como PrimeFood na Versailles do Aeroporto, com os Hotéis Pestana, 0 Grupo Accor (Sofitel, Novotel e Mercure), em delivery com a EatTasty (em parceria com o Restaurante Cozy)…

Quais os seus planos para a expansão da marca?
Entrar no Retail no mercado ibérico e conseguir distribuidores noutros países do mercado europeu, designadamente em França.

Algumas parcerias no horizonte?
As parcerias têm de ser uma grande aposta nossa apesar de não termos ainda nada de concreto, só as parcerias que já temos com distribuidores de Food Service.

Já foram “assediados” por alguma multinacional?
Não, pois somos ainda muito “early stage”. Mas a verdade é que queremos construir uma marca com a promessa para o consumidor de ter um impacto positivo na saúde do planeta e de todos. Não acreditamos nas boas intenções das multinacionais nestes domínios. Quando a Snock foi comprada poderíamos ter optado por uma “reforma”, mas a nossa motivação passa por criar este impacto positivo.

Como está a viver esta experiência como empreendedor?
É mais uma experiencia como empreendedor, que tal como as outras com que me tenho deparado, exige um importante trabalho de evangelização e obriga a fazer o caminho das pedras, ou seja, a ver imensas perspetivas, mas com um dia a dia duro. Com a Snock, num ano os clientes diziam “porque vou comprar sandwiches embaladas quando tenho pessoas aqui que as podem fazer” …e nos anos seguintes diziam que fazia sentido pois tinha mais validade e não há pessoas para trabalhar.
Hoje os clientes pensam que esta categoria não vende…amanhã será importante e alguns serão os early-adopters a aproveitar esta oportunidade.

“Para poder liderar necessitamos de atrair talento e capital que nos permita chegar mais longe e ter mais impacto”.

Referiu publicamente que estava determinado em “liderar a transformação do panorama gastronómico, oferecendo opções apelativas que satisfazem os desejos e as necessidades dos consumidores de hoje”. Que estratégia planeia implementar para atingir esse objetivo?
Quanto a liderar, será quanto muito ao sermos dos primeiros a juntar o nosso “grão de areia”. Para poder liderar necessitamos de atrair talento e capital que nos permita chegar mais longe e ter mais impacto. A principal estratégia é garantir a degustação dos produtos L´Otra pois o produto surpreende muito pela positiva.

Como antevê o futuro da indústria alimentar? A foodtech vai dominar?
Muito do que comemos é nocivo para a nossa saúde. Comemos três a quatro vezes mais a quantidade de carne que deveríamos, pelo que é necessário reduzir esse consumo por saúde e por sustentabilidade. Acreditamos na frase “Let food be thy medicine”. Esperemos que em algum momento o açúcar possa deixar de ser o principal alimento humano. Em algum momento o mau trato animal que hoje é feito nas “factory farming” vai ser visto como hoje vemos a escravatura e irá ser criminalizado. E teremos de conseguir alimentar a população de outra maneira. A L´Otra faz parte dos passos necessários nesse sentido.

Respostas rápidas:
Maior risco: 
ser empresário…e reincidir.
Maior erro:
não ter procurado por financiamento mais cedo.
Maior lição:  um (quase) desconhecido pode ajudar-te mais do que um amigo.
Maior conquista: criação de empresas e marcas inovadoras como a PacSis e a Snock Sandwiches, esperando que a L´Otra possa ser a maior conquista, sobretudo pelo impacto positivo que gera.

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